Olha a rede” é o convite para que toda a tripulação acorde e participe da operação. Tanto faz se é madrugada, manhã fria ou tarde abafada. Não importa se tem chuva ou vento. Não tem jeito. Quem não está vestido coloca qualquer peça e aquele que está comendo deixa de lado o alimento. A rede surge, é içada sobre o convés e aberta. Milhares de sardinhas surgem agitadas e reluzentes, lutando pela vida até perder o fôlego. Logo estarão enlatadas, ou servidas fritinhas com uma rodelinha de limão.
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Eros Aristeu Martins vive esta rotina há 36 anos. O pescador carrega na pele as marcas do sol e na memória muitas histórias em alto-mar. Lembra, por exemplo, do susto que levou em 1999 na Ilha da Paz, em São Francisco do Sul.
Na época, o barco carregado com sete toneladas de sardinha cortava o mar quando o vento sudoeste começou a formar ondas grandes na direção oposta. Ocupados com suas funções, foram pegos de surpresa por um porão alagado devido a um rasgo provocado por um bote preso à embarcação. Quinze dos 16 tripulantes correram para retirar a água. Rindo, Eros diz que, como não sabia nadar, correu na direção oposta em busca de um colete salva-vidas. Escaparam de uma tragédia encalhando em uma praia de Penha, quilômetros ao sul de onde estavam.
Filho e irmão de pescador, Eros era aconselhado pela mãe a não entrar na profissão. Queria que ele tivesse uma vida melhor e menos sofrida. Ouvindo os conselhos, concluiu os estudos e chegou a trabalhar como fiscal no Aeroporto de Navegantes. Mas a vida no mar era mais rentável, uma garantia de estabilidade financeira – ainda que exija muito mais do que um emprego em terra firme.
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– A vida de pescador não é fácil. Dorme-se mal, o barulho do motor é absurdo e deixa muitos pescadores surdos. A exposição ao clima é constante, trabalha-se doente, se algo acontece em alto-mar demora horas para que o socorro chegue. A pesca te exige de corpo e alma, tanto que não vi meu filho nascer, estava no mar. A única coisa boa no barco é a alimentação. Todo barco tem comida boa à vontade – relata.
As dores da profissão são um dos motivos apontados pelo Sindicato dos Trabalhadores em Pesca de SC (Sintrapesca) para explicar porque a profissão tem dificuldade para se renovar: dos 4 mil pescadores sindicalizados, a maioria tem mais de 30 anos. Os jovens da pesca estão ali ou por amor ou por falta de opção.
Trabalhando em uma rede, Eros assume que é um apaixonado pela atividade. Para ele, é melhor que os pescadores permaneçam embelezando Itajaí e atrevendo-se a navegar – tomara que por muito tempo ainda.
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