Pela primeira vez nos últimos 70 anos, não há barcos industriais catarinenses em busca dos cardumes de tainha. Até ontem, as três únicas traineiras – embarcações usadas para capturar o pescado – que receberam autorização para pescar no Estado ainda aguardavam a emissão das licenças de Brasília. Dezesseis dias após o início da safra, os barcos continuam parados e pelo menos 50 pescadores receberam o aviso prévio. Abrigo da maior frota de cerco do país, Santa Catarina tem visto os cardumes passarem ao largo.
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O impasse é resultado de uma série de fatores que passa pela desorganização do governo federal, inclui as preocupações ambientais relacionadas à captura dos cardumes e chega à crise moral vivida pelo setor pesqueiro catarinense desde que a Polícia Federal deflagrou no ano passado a Operação Enredados. A ação resultou em 90 indiciamentos por emissão ilegal de licenças de pesca em SC e no Rio Grande do Sul. Estima-se que o dano ambiental tenha alcançado R$ 5 bilhões. Em 2015, foram 50 licenças emitidas e, em 2014, 60.
O termômetro da crise de credibilidade está na atuação discreta do Sindicato dos Armadores e da Indústria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi) em relação à tainha. A mais forte entidade empresarial de pesca no país recuou após ter vindo à tona a informação de que o governo negou as licenças aos barcos catarinenses porque houve registro de capturas em área ilegal durante a safra de 2015.
O ex-presidente do Sindipi Giovani Monteiro chegou a ser preso no ano passado e está entre os indiciados da operação da PF. Lutando para recuperar o protagonismo da entidade, o atual presidente, Jorge Neves, resolveu não mover uma ação coletiva e orientou os armadores que recorressem individualmente, embora continue tratando do caso com o Conselho Nacional de Pesca (Conepe). Descontentes, alguns empresários resolveram deixar o sindicato nos últimos dias.
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A pesca da tainha é considerada a salvação para os armadores especializados em cerco durante o defeso da sardinha, que é capturada com o mesmo tipo de embarcação. A interdição do pescado começou na terça-feira, depois de um final de safra tímida e nas pesqueiras de Itajaí as tripulações descarregavam ontem os últimos peixes. A estimativa é que, se a situação da tainha não for resolvida, 800 pescadores ficarão sem ocupação.
Frente Parlamentar busca alternativas
Os armadores falam em prejuízo de R$ 60 milhões, contando os investimentos que fizeram nos barcos que não puderam ainda operar – no ano passado, a safra industrial faturou R$ 32 milhões em SC. Além da perda direta, a inoperância da pesca industrial impacta na exportação das ovas, que são o produto mais valorizado da tainha. Sem estoque excedente, a empresa Bottarga Gold, em Itajaí, que produz o “caviar brasileiro”, precisou abrir mão dos planos de turbinar a exportação para Europa e Ásia.
A Frente Parlamentar Catarinense, liderada pelo senador Dalírio Beber (PSDB), tem feito a ponte entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente (MMA) para a liberação de licenças. Esta semana, colocaram frente a frente armadores, pescadores e técnicos da pasta. Os empresários saíram esperançosos da reunião, com a promessa de que os critérios serão avaliados o mais rápido possível.
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– Há pontos de vista diferentes, interpretação equivocada. Um termo de ajuste de conduta (TAC) poderia permitir que a operação acontecesse. Há muitos trabalhadores em risco de perder emprego – diz Beber.
Ontem à tarde, Samir Pinheiro, indicado para assumir a Secretaria da Pesca no Ministério da Agricultura, recebeu representantes do Conepe e se comprometeu a reavaliar os pedidos de licenças para a pesca da tainha ainda hoje.
Pesquisadora defende que manejo é vulnerável
A pesca industrial é o principal alvo de uma série de medidas mitigatórias determinadas pelo Ministério Público Federal, na última década, para proteger os estoques de tainha. A regulamentação fez o número de barcos empenhados nas capturas diminuir de 120 para 40, e as reduções seguem ano a ano. Também foi delimitada a área de captura para além de cinco milhas da costa no Estado e, desde o ano passado, a pesca industrial começa um mês após o início da captura artesanal.
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O foco exclusivo sobre a pesca industrial incomoda os armadores. Para eles, o esforço da pesca artesanal é quase tão intenso quanto o dos profissionais, mas a prática continua sem regulamentação e controle.
A tainha precisa de atenção ambiental diferenciada de outras espécies porque é capturada em período reprodutivo, algo que não se admite na maior parte das pescarias. Ocorre que é durante a reprodução que as tainhas migram da Lagoa dos Patos (RS) para águas mais quentes. E é nesse período que os cardumes estão à disposição dos pescadores.
– É uma espécie importante, abundante e vulnerável – diz a pesquisadora Monica Brick Peres, diretora nacional da ONG Oceana, que atua em todo o mundo na proteção da fauna marinha, e uma das responsáveis pelos levantamentos de estoque do peixe na Lagoa dos Patos.
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As tainhas chegam tarde à idade adulta, só pelos cinco anos de idade, e é nessa fase que são capturadas. Como migram juntas, em cardume, os bons números de safra não podem ser usados como parâmetro para determinar o estoque. Pelo contrário: os pesquisadores afirmam que a quantidade de tainhas diminui ano a ano. Os cardumes são densos e a captura se mantém nivelada embora a espécie esteja declinando. Para Monica, o esforço de pesca no Sul e Sudeste – e isso inclui a captura artesanal – é maior do que a população de tainhas pode repor:
– Quando se pesca muito num ano, o resultado só aparece cinco, seis anos depois com falta de reposição e estoque – afirma.
A adoção do sistema de cotas é apontada pela pesquisadora como a melhor solução para gerir a tainha. Mas ela reconhece que controlar uma captura que ocorre em diversas praias simultaneamente é um desafio. A ONG defende o manejo biológico como forma de proteger a espécie e a rentabilidade do negócio. Uma das sugestões é evitar a baixa de preços durante a safra.
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– O importante é que os pescadores ganhem mais, não que pesquem mais. Não precisamos esperar a tainha colapsar, queremos que continue gerando emprego, renda, alimentando para as pessoas – defende.