A portaria publicada pelos Ministérios da Pesca e do Meio Ambiente no início de março justifica a proibição da pesca industrial da tainha e a diminuição da cota da atividade artesanal anilhada, em Santa Catarina, como garantia de sustentabilidade da atividade, assim como o equilíbrio da espécie. A medida, apesar de gerar prejuízos milionários para o Estado e comunidade, é vista como positiva para os ambientalistas, que afirmam também ser necessário olhar para todos os envolvidos antes da tomada de uma decisão definitiva sobre o futuro da modalidade. 

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Conforme explica o biólogo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Paulo Horta, a pesca da tainha no Sul do país, em especial no Estado, acontece no exato momento de reprodução da espécie — o que dificulta a procriação, já que são retirados do ambiente natural — a colocando em processo de extinção, como tem sido registrado nos últimos anos. 

Em 2022, a cota total estabelecida na temporada, para todas as modalidades de pesca, foi de 1,4 mil toneladas. No caso da pesca industrial, cada embarcação tinha ainda um número máximo de pescados, que no ano passado foi de 50 toneladas. Segundo o Sindipi, na safra de 2022 foram capturadas mais de 300 toneladas em Santa Catarina. 

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Colocada como atividade tradicional há milhares de anos, a pesca da tainha traz impactos positivos à sociedade desde quando começou a se tornar uma atividade econômica para as regiões pesqueiras e sustenta centenas de famílias, segundo o professor de Engenharia de Pesca e Ciências Biológicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Jorge Rodrigues. No entanto, como complementa o especialista, os impactos ambientais são os pontos negativos da modalidade. 

— A espécie vem suportando as pescarias há muito tempo, mas de maneira geral a atividade não afeta o ambiente marinho. A modalidade é uma das únicas que não gera impactos em outros indivíduos [que não são alvos] no mar. Ela não é uma pesca que arrasta o fundo do mar ou captura outros organismos, por exemplo, o problema dela é que acontece na fase mais importante do processo evolutivo da espécie — explica.

— A cada animal que tiramos do mar, é uma grande quantidade de ovinhos a menos para repovoar a espécie. É necessário que a gente faça um levantamento completo de todos os impactos, já que a tainha representa um elemento importante do ambiente, e está sofrendo. Nós, dependentes desses ambientes, deveríamos ao menos rever as nossas relações com ele —  complementa Paulo Horta.

Os cardumes de tainha aproveitam as correntes marítimas trazidas pelas frentes frias e migram do Sul do Brasil, Uruguai e Argentina para desovar em águas marinhas costeiras mais quentes. Este ciclo ocorre anualmente entre o outono e o inverno (1º de maio a 31 de julho). 

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Assim como tantas atividades anciãs, a pesca da tainha também teve sua evolução. As primeiras safras, por exemplo, conforme explicam os especialistas, não eram feitas com barco de motor e os pescadores se mantinham menos tempo dentro do mar. As mudanças, apesar de auxiliarem no processo de pesca dos profissionais, impactam as populações marinhas, em especial a da tainha.

— Todo um conjunto de fatores, desde a poluição costeira, degradação dos estuários, ocupação da linha de costa, tudo isso vai produzindo uma série de impactos que junto com a pesca acaba fragilizando a população da espécie — explica o biólogo da UFSC, Paulo Horta.

— Houve também um aumento nos esforços: melhoria das tecnologias, aumento do número de horas embarcadas, tamanho das redes. Tudo isso vai produzindo maior capacidade de captura, para uma população que efetivamente tem diminuído seus cardumes — complementa.

A pesca industrial, pelo tamanho da embarcação, é a que causa maior impacto durante a safra.

O que diz a portaria

portaria publicada em março deste ano estabelece limites para a pesca da tainha no litoral Sul e Sudeste do país entre os dias 15 de maio e 31 de julho. A decisão proíbe a pesca industrial da espécie, em 2023, e diminui as cotas da pesca artesanal em 68% em Santa Catarina.

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O limite, conforme a portaria, segue critérios científicos do que é “biologicamente aceitável” para a captura anual da espécie e, conforme o texto, tem o objetivo de garantir a sustentabilidade da pesca da tainha nas regiões. Sendo assim, segundo a portaria, a temporada é encerrada quando o limite de cotas for atingido — mesmo que o tempo da safra ainda não tenha terminado.

Caso haja extrapolação da cota, o excedente será descontado do valor da cota anual da modalidade em 2024. Assim como as embarcações que registrarem o número maior, podem ser suspensas de concorrer em novas safras.

É preciso equilíbrio

Um controle da pesca, que envolve diversas ações como conhecimento da espécie, da situação dos peixes, por exemplo, é a forma como os especialistas veem de melhorar a situação sem que haja prejuízos para ambos os lados. Apesar de causar todos os impactos, conforme dizem, a cultura da pesca da tainha deve ser mantida, desde que haja equilíbrio.

Em entrevista ao NSC Total, o secretário executivo da Secretaria de Aquicultura e Pesca de Santa Catarina, afirmou enfrentar dificuldades na discussão devido a falta de dados oficiais sobre as safras catarinenses.

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Para o professor de Engenharia de Pesca e Ciências Biológicas da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), Jorge Rodrigues, a atividade envolve questões sociais, econômicas e culturais – um tripé importante que deveria ser levado em conta na gestão de controle.

— Não adianta proteger o estoque pesqueiro e fazer com que famílias passem fome, ou o contrário, liberar tudo e prejudicar as populações de tainha. Esse controle precisa ser articulado com todas as pessoas envolvidas, em uma gestão horizontal. Se não cuidar, a curto prazo, a população de tainha pode acabar e, consequentemente, a pesca — afirma.

 — A população precisa conhecer os parâmetros, quanto a tainha reproduz, como funciona o crescimento, mortalidade, alimentação, por exemplo, conseguiríamos manejar e fazer com que o número de capturas não prejudique tanto a espécie — continua Horta.

— A tainha não pode morrer, ela faz parte da essência do Estado e deve ser celebrada e cuidada. Tem sim os aspectos negativos, mas todas as atividades passam por isso, só que não pode fugir do controle — complementa Jorge.

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