Peter Jackson, diretor de O Hobbit e da trilogia de O Senhor dos Anéis, diz que ele é o “guru dos gurus”. Em mais de 30 anos dedicados a ensinar a arte de escrever roteiros, seus alunos já ganharam muitos prêmios: no Oscar foram 60 estatuetas, no Emmy, 170. São números que fazem de Robert McKee um dos grandes nomes da dramaturgia para cinema e TV em todo o mundo.

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Pois ele tem vindo ao Brasil dar palestras baseadas no seu livro Story, uma espécie de bíblia do gênero. A Globosat organizou dois seminários em busca de novos roteiristas: o primeiro foi em 2012, e o segundo aconteceu há duas semanas no Rio. A atenção da programadora de canais de TV a cabo se dá pelo momento especial que esse tipo de dramaturgia vive. As novas possibilidades apresentadas pelos serviços on demand, em que você assiste os programas sem hora marcada, por exemplo. No ano passado o Emmy Awards premiou pela primeira vez uma série criada exclusivamente para a internet, House of Cards, com Kevin Spacey, produzida pelo já bem popular Netflix. No Brasil, além da internet, em 2011 entrou em vigor a lei 12.485, também conhecida como a Lei da TV Paga, que criou a obrigatoriedade de exibição de produtos nacionais, aquecendo o mercado brasileiro de seriados.

Conversei por telefone e e-mail com alguns amigos que participaram do seminário. Bianca Comparato, prêmio APCA de Melhor Atriz de TV em 2013 pelo trabalho nas séries Sessão de Terapia e A Menina sem Qualidades, disse que a maior motivação para fazer o seminário de McKee foi justamente o momento atual da televisão, com o crescimento das séries e a possibilidade de criar obras multidisciplinares. É o caso do trabalho com o diretor Felipe Hirsch, que transformou literatura em roteiro de seriado exibido na TV (a série A Menina sem Qualidades, baseada no romance Spieltrieb, da alemã Juli Zeh).

– McKee faz uma análise clássica do roteiro, uma análise aristotélica. É um cara do mainstream e é um sujeito metódico: a roupa arrumadinha, a caneca em que toma um chá.

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McKee usa como exemplos os roteiros e personagens de grandes sucessos hollywoodianos como os filmes Seven – os 7 Pecados Capitais, de David Fincher, ou Um Peixe Chamado Wanda, de Charles Crichton.

– Na segunda parte do seminário ele falou só sobre personagem. Disse que é fácil criar um, basta ter um grande conflito.

E usou como melhor exemplo o protagonista da série Breaking Bad, o personagem Walter White, que leva as contradições humanas ao limite. O papel é feito pelo ator Brian Cranston, que acaba de ganhar o Globo de Ouro. Falou-se também sobre como é importante para um ator saber ler um roteiro, vislumbrando possibilidades para o personagem para fazer uma criação mais poderosa em conjunto com a equipe, direção e autores.

Vitor Mafra, diretor paulistano que trabalhou na MTV e na O2 Filmes e fez em 2013 o seu primeiro longa (a comédia Lascados, com estreia prevista para este ano), disse que o que chama a atenção é que McKee está o tempo inteiro mirando na mente do espectador:

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– É isso o que deve determinar o tempo e o peso das coisas na tela. É uma ideia altruísta e ao mesmo tempo manipuladora da posição estratégica na qual o escritor/roteirista deve ficar.

O diretor acredita que a peça audiovisual deve ser assim mesmo, pois é o que procuramos ao assistir a alguma coisa:

– Queremos ser manipulados, conduzidos pela história, se não rolar isso, não tem graça, não é verdade?

Mafra diz ainda que o seminário apontou caminhos para chegar nessa posição estratégica em diferentes gêneros: comédia, thriller, romance, série.

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Allan Deberton, roteirista e diretor cearense, atualmente nos festivais de cinema pelo país com o curta O Melhor Amigo (protagonizado pelo ator Jesuíta Barbosa), conta que o curso foi uma grande inspiração, pois o colocou numa “situação suprema de criação”.

– O roteirista trabalha na criação de um mundo de relações, com personagens que são criados antes, intimamente. Não se trata somente de ação, de coisas acontecendo, mas de sentimentos e relações que estão no subtexto, o que humaniza e traz verdade a um personagem.

Allan lembrou também que, segundo McKee, somente 10% do que escrevemos é bom, o resto é porcaria.

– Então para ter um roteiro perfeito, precisamos escrever muito, muito, eliminar quase tudo e deixar conosco o que é essencial e precioso.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, McKee disse que os seriados brasileiros estão “ok”, mas precisam melhorar muito:

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– O problema é a falta de subtexto, eles fazem os personagens explicarem os sentimentos e as ações. A inteligência do público é subestimada.

Apesar de dar aulas com o modelo do cinemão americano, o guru sugere coragem para criação autoral:

– Não copie. Novos roteiristas estão desesperados por sucesso e acabam imitando muito!