Não são necessários 140 caracteres para demonstrar preconceito. Mas com uma rápida busca por palavras-chave no Twitter, é possível encontrar manifestações públicas contra classes sociais e ofensas raciais em frases curtas, como permite o espaço de publicação do microblog.

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É o tipo de material que o criador do perfil @aminhaempregada, um morador de São Paulo, de 33 anos, começou a coletar para demonstrar o preconceito velado ou explícito que é compartilhado diariamente na rede social. A conta, criada no último final de semana, já somava mais de 5 mil seguidores na tarde desta quarta-feira. Em 12 horas, o perfil ganhou 3 mil seguidores.

Na descrição, o perfil revela: “A chibatada é serventia da casa. (contém ironia e tristeza na batalha contra o preconceito)”, um aviso a quem possa vir a questionar ou não compreender o objetivo inicial do responsável pelas publicações. As atualizações são feitas com retuítes, ou seja, compartilhamentos de publicações consideradas preconceituosas com referência a empregadas domésticas.

– Sempre me incomodou um pouco o ranço e o preconceito quando as pessoas falavam em ‘minha empregada’ – diz o homem por trás do perfil, que prefere não se identificar, revela que é branco e de classe média, mas diz que a causa não deveria ser atrelada a uma identidade, ou ter fins de autopromoção.

“Vou chamar minha empregada com um sininho ” ou “A unica pessoa negra que pode ficar de mimimi comigo é minha empregada porque ela lava minhas calcinha (sic)” são algumas das frases compartilhadas pelo perfil. Na imagem principal da conta, uma foto de uma mulher negra segurando uma criança branca, do século 19, faz o resgate histórico do preconceito racial e social.

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Ivania Maria Lazzaron, advogada ligada ao Sindicato das empregadas domésticas, diz que comentários racistas são raros de ouvir do empregador:

– Por outro lado, acusações infundadas, como roubo e apropriação indevida, são comuns. Às vezes até de alimentos.

Ivania conta que geralmente o tratamento é considerado “bom”, mas que há casos de tratamento desigual e humilhação.

– Lembro de um caso de uma empregada grávida que o patrão não deixava sentar à mesa.

Contudo, o problema mais comum, segundo a advogada, diz respeito aos direitos trabalhistas. De empregadas domésticas que não têm carteira assinada ou que têm a carteira, mas o patrão não recolhe a previdência, o que causa problemas na hora de receber algum tipo de auxílio-doença ou se aposentar.

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– Talvez as pessoas nem percebam que estão sendo preconceituosas, mas o perfil mostra que precisamos corrigir isso. Usamos o termo “meu” para falar do dentista, do advogado, mas com a empregada, geralmente, é com tom pejorativo, mas o pior vem depois de “minha” – diz o criador do perfil @aminhaempregada.

– O problema geral é que as pessoas não se enxergam no próximo. Tenho ouvido que o perfil ajudou algumas pessoas a serem melhores. Outros ficaram chocados com o que viram – conta o paulistano.

O presidente do Data Popular, instituto de pesquisas que estuda a classe C, Renato Meirelles, explica que a renda no trabalho doméstico no Brasil cresceu 40% mais do que a renda média dos brasileiros nos últimos 10 anos. Na prática, a democratização do consumo e da renda cresceu mais rápido que os espaços para o consumo, o que pode incomodar a elite:

– É como o caso do sujeito que sai de férias, encontra a empregada no aeroporto e acha que alguma coisa está errada.

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Nos países de primeiro mundo, explica Meirelles, o trabalho doméstico é caro.

– No Brasil, é melhor remunerado do que no passado, mas ainda pode crescer mais.

*Colaborou Cláudio Goldberg Rabin