Ela nasceu em 1928, em Tubarão, em uma época que era imposto à mulher limitar-se a ser esposa, dona de casa e mãe. No entanto, ao casar-se, não passou a figurar como a senhora Salim Miguel. Seguiu a trajetória atuante em movimento estudantil, político e cultural, e como a professora, escritora e tradutora Eglê Malheiros promoveu educação e cultura como pensamento crítico.
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Os primeiros estímulos e exemplos para esta emancipação vieram da família. Tinha apenas quatro anos quando o pai foi assassinado por motivos políticos. A mãe Rita Malheiros ficou viúva aos 24 anos, com quatro filhos. Mudaram-se para Florianópolis, onde a matriarca prestou concurso para os Correios e também trabalhou como professora. O avô assumiu a figura paterna junto aos netos e, com a filha Rita, acompanhou os estudos das crianças e incentivou a leitura e reflexão.
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A mãe e o avô valorizavam muito a educação e proporcionaram escolas de prestígio. Na adolescência, Eglê Malheiros foi para o tradicional Colégio Americano, em Porto Alegre. Como na escola Coração de Jesus, em Florianópolis, mantinha contato com professoras que haviam sido missionárias em outros países e ouvia os comentários sobre a vida política e social pelo mundo. Começou a escrever os primeiros contos, a participar do movimento estudantil e das atividades do Partido Comunista Brasileiro e a elaborar discursos políticos.
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De volta a Santa Catarina, ingressou na faculdade de Direito, profissão do pai, mas escolheu trabalhar como professora e prestou concurso público do Instituto Estadual de Educação para lecionar História. De 1948 a 1964, proporcionou aos alunos uma narrativa contextualizada e crítica dos fatos históricos, muito além das aulas comuns baseadas nos livros didáticos. Nesse período, as inquietações e aspirações a levaram a identificar-se com alguns escritores e artistas de Florianópolis e criaram o Grupo Sul, que ganhou repercussão no Brasil e no exterior. Fazia parte o escritor Salim Miguel, com quem casou-se em 1952 e teve cinco filhos.
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Influenciado pelo movimento modernista brasileiro, o Grupo Sul buscou a liberdade de inovar nas artes e foi responsável por intensa produção cultural em Santa Catarina de 1948 a 1957. O marco foi a edição da Revista Sul, que abriu espaço para novatos e escritores conhecidos. Também lançou livros, teatro, exposições de artes plásticas e apresentações musicais. Para o cinema, junto com Salim Miguel, Eglê Malheiros assinou o roteiro do primeiro longa-metragem catarinense de ficção, “O preço da ilusão” (1958).
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A ditadura militar foi instaurada no país e, acusado de subversivo, o casal foi preso em 1964. Quando libertado, mudou para o Rio de Janeiro. A professora e escritora adaptou-se ao “exílio” trabalhando em casa com traduções, roteiros de cinema, como editora da revista Ficção, diretora da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil e crítica literária em jornais. Ainda fez mestrado em Comunicação na Universidade Federal (UFRJ). A família retornou a Florianópolis somente em 1979, com a Lei da Anistia.
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Estudiosa da obra de Cruz e Sousa, escreveu ensaios e a peça “Vozes veladas” (1995), premiada pela União Brasileira de Escritores (UBE). Para o público infanto-juvenil, lançou “Desça menino” (1985) e “Meus fantasmas” (2002). No livro de poesias “Manhã” (1952), revelou mais de si, com narrativas sobre os anseios por igualdade e outras lutas sociais, além de vivências e observações. Também é autora de crônicas publicadas na imprensa. Em 1994, foi eleita Personalidade Cultural pela UBE. Quatro anos atrás, familiares lançaram “Manhã e outros poemas”, edição comemorativa dos 1990 anos de Eglê Malheiros, reunindo a biografia e poemas.
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*Texto de Gisele Kakuta Monteiro
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