O dia ainda nem começou, mas a agenda amanhece cheia. Pela manhã, levar os filhos à escola, depois correr para o trabalho. À tarde, é preciso saber se as crianças estão se alimentando bem e se fizeram os deveres de casa. Isso sem esquecer os serviços do escritório. À noite, é hora de tirar as dúvidas dos exercícios escolares. Enumerando dessa forma, percebe-se o tanto que a rotina de quem tem filhos e trabalha fora exige fôlego. Só quem realmente vive essa situação tenta driblar o tempo e conciliar as atividades profissionais e familiares.

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O desafio de participar cada vez mais da educação dos filhos e construir uma carreira dentro da empresa inquieta profissionais de diversos campos de atuação. Há quem prefira escolher um ou outro. Mas especialistas garantem que o caminho da conciliação é possível, desde que alguns cuidados sejam tomados tanto pelo profissional quanto pelas empresas.

A tendência das organizações modernas é a compreensão de que o funcionário precisa dar atenção à educação dos filhos e que, se ela dificultar isso, poderá comprometer a produtividade do profissional preocupado. Porém, Nelson Fender, professor da Veris Faculdades e Carreiras, orienta aos empregados que sejam transparentes sempre. Caso contrário, a relação de confiança com a chefia pode desmoronar.

– Avise antes ao gestor sobre o calendário escolar do filho e tente negociar esse horário fora do trabalho com banco de horas ou ultrapassando o expediente. Ele vai entender, afinal, também deve ter uma família – aconselha.

Nesse raciocínio, a assertiva de que chefes preferem os solteiros não funciona.

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– Uma empresa precisa ter todas as gerações. O pai e a mãe de família têm a vantagem de serem mais maduros, saberem trabalhar em grupo e conseguirem negociar melhor porque fazem isso em casa. Além disso, os solteiros vão casar um dia – defende Carmen Cavalcanti, diretora da Rhaiz Soluções em Recursos Humanos.

A professora de informática Ana Roberta Crisóstomo de Morais, 41 anos, geralmente sai pelo menos duas vezes por mês do trabalho para acudir um dos dois filhos em situações emergenciais na escola. Ela confessa que o chefe não gosta, mas não proíbe.

– No fim, atrapalhar meu trabalho não atrapalha. Inclusive, esse vai e vem deixa a vida mais emocionante, porque no fim tudo dá certo – diz, sorrindo.

Em relação às emergências, os pais devem ficar atentos. Já que nem sempre é necessária a presença deles, a constante saidinha pode atrapalhar a imagem profissional. As ligações excessivas também devem ser banidas. O professor Nelson conta que tinha uma funcionária cujo filho ligava de cinco em cinco minutos.

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– Eu estava dando um curso para ela e, em uma hora, o filho ligou 10 vezes. Isso já ultrapassou o bom-senso – analisa.

Para evitar esse tipo de situação, a enfermeira Ana Laura Larrosa, 31 anos, conta com a mãe e o marido. Afinal, ela sozinha não consegue dar toda a atenção que os filhos de três, sete e nove anos exigem. Para que a família esteja sempre presente e as crianças se sintam prestigiadas e amparadas, eles se dividem.

Decisão acertada, segundo a especialista Carmen Cavalcanti.

– Nas áreas de trabalho em que não existe flexibilidade no horário, os pais precisam criar uma rede da educação. Isto é, compartilhar as atividades escolares entre pai, mãe, tia, avó….

Em casos como o de Ana Roberta, cujo pai das crianças mora em Fortaleza (CE), o jeito é negociar com a irmã e até com a mãe de outros colegas.

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– Não sei como dou conta – exclama.

Já a enfermeira Ana Laura precisou também de uma promoção para ajustar melhor as agendas. Como a maioria dos profissionais de saúde, ela trabalhava em escala mista, isto é, em horários diferenciados e em plantões aos fins de semana. Quando foi promovida no hospital, a primeira coisa que fez, para a alegria das crianças, foi fixar o horário de segunda a sexta, das 7h às 16h.

– O melhor é ter todos os sábados e os domingos em casa – comemora.

Para os pais com horários mais complexos e que tenham dificuldade de comparecer a reuniões e eventos escolares, algumas escolas já disponibilizam, em seus sites, a agenda escolar e imagens em tempo real das crianças na escola. O e-mail também virou uma ferramenta poderosa de comunicação.

– A internet deixa o pai informado, mas ela não pode substituir a ida dele à escola, a participação efetiva é importante – ensina Divaneide Lira Lima Paixão, doutora em psicologia e professora do curso de pedagogia da Universidade Católica de Brasília.

Falta incentivo dos chefes

Um choque de interesses. É assim que vivem profissionais com filhos em idade escolar. Segundo a pesquisa Educação na agenda do próximo governo, realizada pelo grupo Ibope Inteligência, pelo movimento Todos pela Educação e pela Fundação SM, educação e emprego estão no mesmo patamar de preocupação dos brasileiros no que diz respeito à elaboração de políticas públicas no Brasil. Ou seja, para papais e mamães, tanto a educação dos filhos quanto o emprego deles são essenciais para um futuro melhor. O mesmo levantamento aponta que 90% dos entrevistados concordam que é obrigação da família participar ativamente da vida escolar dos filhos.

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Em países asiáticos, como o Japão e a Coreia do Sul, a participação dos responsáveis é tão efetiva que as escolas oferecem cursos para que os pais fiquem em dia com a lição dos filhos. Além disso, em muitas empresas, os funcionários ativos na educação das crianças ganham pontos positivos na avaliação de desempenho. O reflexo dessa participação aparece nos bons índices educacionais dos dois países e, consequente, no crescimento econômico deles.

No Brasil, não existem políticas empresariais nem iniciativas escolares nesse perfil. Por isso, 58% dos pais das regiões metropolitanas dizem que não têm tempo de ir à escola e 60% não sabem ajudar quando os filhos têm dúvidas, segundo dados da pesquisa A participação dos pais na educação de seus filhos, também do Ibope, da Fundação SM e da movimento Todos pela Educação, divulgada em 2009.

No Distrito Federal, desde 1993, existe a Lei nº 449, que concede aos servidores distritais o direito de um abono bimestral para comparecer às reuniões de pais e mestres. Mesmo assim, as escolas precisam ser criativas para atrair os responsáveis que não são amparados por lei e os que têm dificuldade de dialogar com os chefes.

A Escola Classe 415 Norte, por exemplo, procura marcar reuniões no início dos turnos, quando os pais estão deixando os filhos no colégio. Além disso, já deixa pronta uma declaração que possa ser apresentada aos chefes.

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– O quorum de pais aqui é até bom, mas precisamos sempre criar estratégias para conquistá-los – ressalta Nailda Rocha, diretora do colégio.

Aproveitando da interdisciplinaridade, a escola reduziu o número de cadernos dos alunos. Em vez de cinco, agora existe apenas um, que comporta todas as matérias.

– Fica mais fácil para o pai perceber o avanço do filho – explica a diretora Nailda.

Realizar campanhas com os alunos, criar elementos para os pais se lembrarem da reunião, como ímãs de geladeira e convitinhos especiais, são alternativas da escola para atrair os responsáveis pela criança.

A luta da escola tem dado certo e conquistou Ana Roberta Crisóstomo de Morais, que transferiu os dois filhos para lá.

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– A relação com os professores e coordenadores é muito importante. Se tem alguma coisa realmente grave, eles me ligam. Fico mais tranquila e sempre busco saber o que está acontecendo – diz a professora de informática.

Ana Roberta lembra que a outra escola chegava a atrapalhar o seu desempenho profissional por causa do número de ligações e bagunça no calendário escolar. Por isso, o bom senso da escola é imprenscindível para uma relação saudável com os pais.

– A escola tem que ter critérios, em um caso de saúde, tudo bem chamar a mãe, mas uma briguinha entre colegas dá para avisar em outro horário – analisa Nelson Fender, professor da Veris Faculdades e Carreiras.

Bom também para os filhos

A presença dos pais nas escolas tem efeito também no futuro profissional da prole. Quando os pais entram em cena, as notas dos filhos podem melhorar em até 20% segundo a pesquisa Determinantes do desempenho escolar no Brasil, realizada pelo IBMEC em 2008. A pedagoga Divaneide Lira Lima Paixão, professora da Universidade Católica de Brasília explica que a presença dos pais na educação formal é importante porque, ao verem os pais na escola e as incentivando, as crianças percebem a razão de estudar.

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– Levar, buscar na escola, conversar com os professores têm que ser atividade dos pais, independente da escolaridade deles. Esse conjunto de ações vai dando noção para a criança de que essa é uma etapa importante da vida dela – explica.