Se a língua é viva, como afirmam professores de português, lexicógrafos e linguistas, ela também morre. E a gente festeja, como se os atos fúnebres fossem uma grande piada, relembrando o que se dizia à época do guaraná de rolha.
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Ao menos este é o tom do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Morta, recém-lançado livro do jornalista Alberto Villas, que ganhou o autoexplicativo subtítulo Palavras que Sumiram do Mapa.
São palavras e também expressões. Palavras que envelheceram e foram substituídas por expressões (mixórdia, que o autor explica como equivalente a “está uma zona”), expressões que caíram em desuso e hoje têm o significado resumido a uma palavra (lamber sabão virou “dane-se”, escreve).
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– É impressionante como as coisas mudam – afirma Villas a ZH. – Folheando uma revista datada dos anos 1970, você depara com “olha só, bicho” e “isso aí, amizade” em meio a todo o lero-lero – brinca.
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Mineiro radicado em São Paulo desde 1980, quando voltou após viver oito anos em Paris, Villas trabalhou na editoria internacional de O Estado de S. Paulo, tendo participado da criação do projeto do Caderno 2, suplemento cultural do diário, antes de emendar trabalhos na televisão. Na última década, virou um repórter especial do século passado: lançou os livros O Mundo Acabou! (sobre coisas que não existem mais), Admirável Mundo Velho! (com frases do tempo do Epa) e Onde Foi Parar Nosso Tempo? (sobre os anos em que achocolatados empelotavam, fraldas não eram descartáveis e latas de azeite só se abriam com um preguinho – “E ainda assim parecíamos ter mais tempo”, diz Villas).
O novo volume está cravejado de pérolas da língua que já estiveram na crista da onda, só que azedaram e sifu. Homessa, vale a pena bisbilhotar. Algumas dessas pérolas podem ser estapafúrdias – o livro não é nenhum colosso, embora tenha tudo para virar uma coqueluche -, mas a maioria delas é papo-firme. Há tantas palavras, ou expressões, que até um bidu pode descobrir que, na verdade, não entende bulhufas da língua morta. E, talvez, ficar cabreiro com a situação. Ficar encanado, morou? Só não dá para ficar borocoxô – descobrir que pitéu é uma coisa, sirigaita é outra e lambisgoia, outra ainda, significa conhecimento acumulado, e não evidência de que se é um boco-moco.
– É divertido, mas não é só isso – diz Villas, que tem 62 anos e diz ter usado uma neta de 15 como consultora para descobrir o que as gerações mais novas estão dizendo. – Um tempo atrás, as gírias se afirmavam sobre o politicamente incorreto: zarolho, mongoloide, caduco, cabelo ruim. Hoje esse tipo de adjetivo virou ofensivo, o que diz muito sobre o nosso tempo. Minha filha mais nova, de 18 anos (seus outros filhos têm 35, 34 e 22, e também prestaram consultoria ao Dicionário), tinha certeza de que “bacana” era uma palavra nova, que os mais velhos desconheciam, acredita? Há casos assim, de palavras velhas que, de repente, voltam e botam pra quebrar.Outro aspecto notado pelo autor em meio ao trabalho de pesquisa: os regionalismos diminuíram.
– Hoje, tudo se espalha mais rapidamente. Uma gíria se torna universal com muito mais facilidade. Outro ponto a notar – Villas vai adiante – é o uso irrestrito de frutas como metáfora, algo que era bem mais comum antes. Descascar um abacaxi, enfiar o pé na jaca, estar com um pepino: meu insucesso foi não descobrir de onde surgiu muito disso aí. Na verdade desisti, porque é tudo absolutamente informal e calcado em lendas e histórias orais.
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Cadillac só podia ser gíria para “carrão” num tempo de descoberta do consumismo, assim como center half, hoje “meio-campista”, é uma evidência de que o futebol veio da Grã-Bretanha. Redescobrir a língua morta é redescobrir costumes, tradições e, em certos casos, o espírito de uma época, sentencia o autor. Tanto melhor se for com humor.
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