Numa pequena aldeia chamada Viscos, certo dia aparecem dois visitantes inesperados: um estrangeiro de barba e cabelos compridos acompanhado pelo demônio. A chegada deles transforma a vida dos pacatos e honestos habitantes do lugarejo. Tudo começa quando eles desafiam uma jovem órfã, de nome Chantel Prym, a assassinar, dentro de uma semana, qualquer pessoa da vila. Caso cumpra com êxito a proposta, os moradores receberão dez barras de ouro para dividirem entre si.

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Quem relata essa história é Juliano Ferreira, de 29 anos, um dos detentos da Penitenciária Industrial de Joinville. “O Demônio e a Srta. Prym”, de Paulo Coelho, foi o primeiro livro escolhido pelo rapaz para ler e resenhar a fim de ter sua pena reduzida. A portaria que regulamenta o projeto – proposto pelo juiz da Vara de Execução Penal, João Marcos Buch – entrou em vigor em 1° de maio.

Semanalmente, os presidiários recebem nas celas uma lista com os títulos disponíveis para empréstimo, escolhem a obra e assinalam se desejam fazer a resenha ou apenas ler. Têm 30 dias até a entrega do texto. A resenha será produzida em sala de aula, com acompanhamento e instrução de uma equipe de pedagogos. Dessa forma, além de dar a oportunidade para o detento tirar dúvidas, a escrita supervisionada garante que não haja qualquer tipo de fraude.

As redações são enviadas ao juiz, que concede ou não a remissão de até quatro dias de pena por mês de leitura. Assim, a cada ano, o preso poderá ter um desconto de, no máximo, 48 dias da sua pena total, com a leitura de 12 livros. A análise levará em conta a forma e o conteúdo do texto, além do nível de escolaridade do autor.

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Juliano, que desenvolveu o hábito da leitura na prisão, leu 26 obras somente neste ano. Ele já tem em mãos a resenha após a regulamentação do projeto. Agora, vê no seu gosto literário uma forma não só de passar o tempo e adquirir conhecimentos, mas também de diminuir sua pena.

– Mas é só a primeira versão da resenha – ele avisa.

Empolgado com o programa, está aproveitando para treinar a escrita e promete refazer a resenha até que fique excelente.

– É uma história de superação, de luta entre o bem e o mal. O povo entende que não há necessidade de matar alguém por simples ganância. Apesar das pedras, as pessoas podem buscar novos caminhos – explica, apontando para um trecho do livro.

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Ferramenta para reintegrar

Para o diretor da penitenciária, Richard Harrison Chagas dos Santos, o projeto ajuda a viabilizar o investimento que já vinha sendo feito em prol da ressocialização dos detentos. Ele acredita que a leitura, além de ferramenta reintegradora, contribui para a redução dos índices de reincidência.

– Por meio dos livros, os indivíduos ampliam seus horizontes e objetivos de vida. Os apenados, ao terem contato com livros, ganham a chance de voltar para a sociedade com intenção de produzir para o coletivo.

Transformação pelo estudo

Quando foi preso, Juliano Ferreira lia romances e aventuras. Hoje, prefere as obras de autoajuda.

– No início, muitos vão ler pela remissão da pena. Mas, no futuro, podem ler para buscar um novo caminho, mudar suas atitudes – acredita.

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Há dois meses, ele trabalha na biblioteca. Para aqueles prisioneiros que têm dificuldade de leitura, recomenda:

– Se não conseguir terminar o livro neste mês, tente de novo no seguinte. Ou pegue outro livro. Mas não desista.

Como em quatro dias “devorou” o livro de Paulo Coelho, Juliano já iniciou a leitura de mais uma obra: “Pessoas Inteligentes Sabem o que Querem”, do americano Steve Pavlina. A experiência tem sido um estímulo para visualizar um novo foco de vida.

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– Estou estudando para prestar vestibular no final do ano. Eu vou cursar administração.

Seguindo os passos da família, que teve comércio quando ele ainda era menino, o rapaz pretende abrir a própria empresa no futuro.

– Não adianta fazer as coisas esperando apenas resultados imediatos. A gente tem que pensar no futuro.

O diretor nota uma mudança de comportamento nos presos que leem regularmente:

– Há um aumento evidente da intelectualidade, um vocabulário mais rico, que é percebido nas conversas com eles.

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Richard explica que eles se espelham nas experiências relatadas nos livros e entendem que podem, também, ter essas experiências ao ganhar a liberdade.

– A leitura dá sensibilidade às pessoas. Esses rapazes conhecem histórias e possibilidades diferentes das que estão habituados a ouvir nas celas. Isso é muito positivo. Os detentos ganham e a sociedade também.

Preso desde 2009, Giovanni Witesbolzan Assumpção, 29 anos, leu dez obras no período de um ano. Para fazer a resenha, agora que o projeto foi aprovado, ele escolheu “Ponto de Impacto”, de Dan Brown. O escritor norte-americano é a mais recente descoberta do rapaz e já está entre seus autores favoritos. Mas sua paixão, mesmo, é a ficção científica.

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– Gosto muito de Arthur Charles Clarke – revela.

Como seus pais tinham o hábito de leitura, Giovanni está acostumado com o universo dos livros desde criança. Mas foi só na penitenciária que ele passou a apreciar verdadeiramente a prática.

– Meu universo se ampliou. Cada livro que a gente lê é uma nova teia de ideias e aspirações. Acreditar no poder do estudo é algo que mudou em mim. Eu não tinha fé nisso, e a leitura me estimulou a ver o estudo como meio de transformação.

Giovanni largou a faculdade de tecnologia em sistemas de informação, na Udesc, quando faltavam três semestres para se formar.

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– Espero me formar ainda dentro do sistema prisional.

E os sonhos do jovem vão além: ele quer dar aula e fazer carreira acadêmica.

Na biblioteca da penitenciária, além de livros didáticos, estão disponíveis para empréstimo 1.411 títulos de literatura em geral: romance, ficção científica, autoajuda, religião, poesia, filosofia, obras clássicas e aventura. Desses, os religiosos e de autoajuda estão fora do projeto de redução de pena.

A atividade é voluntária e qualquer detento pode participar do programa. Como o levantamento de empréstimos é realizado mensalmente, ainda não é possível apontar o quanto a procura por livros aumentou desde o início do projeto.

– Mas, por observação, acredito que houve crescimento médio de 30% já na primeira semana de maio – diz Jaqueline Mönster Fachini, gerente de saúde, ensino e promoção social da penitenciária.

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