Dar autonomia é a expressão que melhor define o objetivo da política pública para o atendimento aos moradores de rua. Não é objetivo primordial tirar essa população das ruas ou levar de volta para casa. O serviço em Joinville é coordenado pelo Porto Seguro, que funciona em uma casa na rua Urussanga, perto da esquina com a Inácio Bastos.

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Lá, os moradores de rua têm uma série de serviços à disposição. Mas nada acontece sem um cadastro. Por meio dele, é possível garantir consultas médicas, exames, três banhos por semana, roupas novas e até o acesso aos atendimentos gratuitos para tentar deixar as drogas ou fazer um curso técnico.

Logo na entrada, há uma placa explicando que não será atendido quem chegar bêbado ou sob efeito de drogas, o que é respeitado. Quase não há queixas ou conflitos.

A equipe do Porto Seguro tem dois veículos para percorrer as ruas e fazer a abordagem em horário comercial. Geralmente, esse trabalho é feito em casos de emergência. Todos são convidados a participar de atividades em grupo, jogos e programas de alfabetização. O trabalho é coordenado por Jucélio Manoel Narciza, pedagogo, carnavalesco conhecido como Jucélio do Cavaco, figura que conquistou o respeito dos moradores de rua participando com eles das atividades.

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O telefone do programa Porto Seguro é (47) 3433-3341.

Lola é uma das pessoas que perambulam pelo Centro

– Prazer, Enzo. Mas pode me chamar de Lola.

É assim que um dos moradores de rua mais conhecidos do Centro de Joniville se apresenta aos que passam pela travessa Sergipe, um corredor que liga as ruas Princesa Isabel, Nove de Março e 15 de Novembro – três das principais e mais movimentadas da área central. É nessa área que Lola vive há mais de uma década. Conquistou a confiança e o carinho de comerciantes e perambula por ali, como quem está indo do quarto para a sala ou da cozinha para a área de serviço de seu apartamento. Antes de escolher a rua, passou por quase todos os serviços – públicos, religiosos ou particulares – que abrigam temporariamente moradores de rua de Joinville.

Como a maioria dos outros 160 moradores de rua cadastrados no Porto Seguro, órgão que faz o atendimento deles na cidade, Lola não tem endereço, trabalho, família. Come na rua. Toma banho em banheiros públicos. Dorme em “mocós”, prédios abandonados, pontes ou espaços, geralmente escondidos entre plantas e cobertos por marquises. Quando chove, improvisa abrigo. Quando esfria, passa frio. Sempre na rua.

Tudo o que Lola possui – roupas, cobertas finas e objetos pessoais – pode ser carregado em uma mochila. Ao longo de uma década, conquistou certa dignidade. Anda com desenvoltura pelas principais ruas do Centro, cumprimentando comerciantes, porteiros, moradores. Roupas sempre limpas é sua marca registrada. Mas a aparente ausência de conflitos não deixa qualquer margem para imaginar algum glamour ou encanto.

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Mentiras, drogas, prostituição, álcool e brigas são alguns dos ingredientes presentes em cada relação na rua.

– Eu escolhi morar aqui. Tenho sonhos, mas aqui é o meu mundo real – diz, sentado em um dos bancos da travessa Sergipe.

Todas as manhãs, ele vai até a porta de uma loja de calçados, dá uma olhada para ver se não há muitos clientes, faz um sinal para a gerente e fica à espera de um aceno. É a senha para o café da manhã quente e fresco depois de uma noite gelada. Elisângela Amaral é uma espécie de supergerente. Coordena vendedoras, atende aos clientes, passa boa parte do tempo em negociação com outras lojas. Tem fama de responsável e séria, muito séria. Mas quase todas as manhãs responde com um sorriso à senha de Lola.

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– A gente oferece cafezinho para os clientes. Nem pensamos em negar para ele. É uma pessoa querida aqui no Centro – diz a gerente.

Aventura continua sem bicicleta e teto

Há pouco mais de dois anos, Charles Machado, 48 anos, deixou a família em Sorocaba, no interior de São Paulo, para percorrer o País de bicicleta. Não foi uma decisão pacífica. Brigou com a mulher, deu às costas para a família e tudo o que tinha. Lançou-se pela estrada, sem rumo certo. Nos últimos dias, seu quarto é um estacionamento aberto na rua Princesa Izabel, no Centro. Ali, ele abre a barraca, forra a lona com um cobertor e faz a cama. Come no Restaurante Popular e se sente “em casa”. Quer arrumar emprego, quem sabe até alugar um quarto e ficar na cidade. Mas, por enquanto, vai enfrentar as noites de inverno por ali mesmo.

Como milhares de turistas, Machado foi atraído pelas belezas do litoral de Santa Catarina. Mas uma tarde de excessos em um bar de Barra Velha mudou tudo. Sua bicicleta foi roubada enquanto ele se recuperava da ressaca e, no dia seguinte, resolveu vir para Joinville, onde soube que haveria oportunidades de trabalho.

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Depois de um mês e meio na cidade, ele escolheu o cantinho do Centro como sua morada provisória.

– Aqui tem comida boa e barata. E ninguém incomoda -, diz.

Sem a bicicleta, as duas grandes mochilas, nas quais guarda a barraca, o cobertor para as noites mais frias e as roupas, não dão a mobilidade necessária para andar pela cidade. Uma ou duas moedas que ganha no trânsito servem para o almoço no Restaurante Popular.

– Como um pouco e o que sobra guardo pra janta. O negócio é ir ficando por aqui mesmo -, afirma.