Junto ao nome, Archange Clifaud acredita ter recebido uma missão ao nascer: a de, assim como um anjo, guiar seus passos pela vontade divina. Pastor na Igreja A Voz da Pedra Angular, o haitiano de 24 anos veio com o primo para Joinville porque aqui há uma unidade da associação missionária da qual fazem parte.

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Assim que chegou, Archange conseguiu emprego na Stribus Acessórios Automotivos como auxiliar de pintura. Nos planos do anjo haitiano, além de concluir a faculdade de engenharia elétrica, a religiosidade não fica de fora:

– Trabalhar na obra de Deus, isso é primordial. Também quero construir uma família. E voltar para o Haiti.

Conterrâneo de Archange, Jean Michelet Jean Louis, 26 anos, só pensa em regressar para a terra natal a passeio. Depois do terremoto que devastou o país em 2010, conta ele, é praticamente impossível conseguir emprego e continuar os estudos.

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O jovem está no Brasil há sete meses. Trabalhando no setor de acabamento de peças da Fundição Tupy desde maio, Jean pretende fazer curso técnico para conseguir um cargo melhor, juntar dinheiro e, então, cursar faculdade de Administração. A gratidão do haitiano pelo país que o acolheu é evidente. Com um sorriso aberto e olhar tímido, fala sobre trazer a noiva e a mãe para cá.

– Joinville é cidade pequenina, é bom para morar. Eu gosto de tranquilidade.

Desde o começo do ano, a Delegacia da Polícia Federal em Joinville recebeu cerca de 50 haitianos que manifestaram desejo em viver na cidade – número maior do que o de argentinos e paraguaios somados.

No banco de currículos da RH Brasil, o maior da região Norte, há 132 pessoas de descendência haitiana buscando uma oportunidade de emprego – só este ano, 34 procuraram a agência. A maioria vem só e, quando tudo está consolidado – permanência definitiva no Brasil, emprego e moradia -, encontra uma maneira de trazer a família.

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Polo industrial é o grande atrativo

A fama do polo industrial e a instalação de multinacionais renomadas na região chamam a atenção dos haitianos. A colocação no mercado local costuma ser rápida porque as empresas têm dificuldades em suprir a demanda de funcionários para cargos operacionais.

– Ainda que haja um processo de adaptação, é melhor inserir estas pessoas na produção do que deixar uma máquina parada – argumenta Pedro Luiz Pereira, vice-presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos em Santa Catarina (ABRH-SC).

Marckendy Pett Phat, de 25 anos, acabou de chegar a Joinville. O rapaz procura emprego em qualquer ramo. O importante é receber o suficiente para se manter e ter condições de trazer os pais e os quatro irmãos que ficaram no Haiti. Além disso, quer ir à escola aprender português – Marckendy entende quase tudo, mas não se expressa muito bem.

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A dificuldade na comunicação é o que mais pesa para que os haitianos ocupem cargos nas linhas de produção, mais simples de desempenhar por terem um padrão específico para cada função. Com o francês como idioma oficial, alguns falam também inglês e espanhol.

Como a língua ainda é uma barreira, os haitianos preferem andar em grupos e, se possível, até trabalharem juntos.

– Isso faz com que eles se sintam mais confortáveis na adaptação e até mais seguros em relação à cidade – diz Joanir Schadeck, gerente de recrutamento e seleção da RH Brasil.

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Passe livre para entrar no Brasil

A situação dos haitianos em relação a outros estrangeiros que pretendem morar no Brasil é estável. No caso específico deles, um pedido de refúgio é suficiente para começar uma vida nova por aqui. Enquanto o processo passa por avaliação do Comitê Nacional para os Refugiados, vinculado ao Ministério da Justiça, é possível já ir encaminhando os documentos a partir do número gerado pelo Sistema Nacional de Cadastramento de Registro de Estrangeiros (Sincre).

– Com o Sincre, um comprovante de residência e os documentos emitidos pela Polícia Federal, podemos dar entrada na Carteira de Trabalho e concluir o processo em uma semana – explica Eliane Mendes Ghisi, gerente regional do Ministério do Trabalho em Joinville.

Assim que o cidadão haitiano chega ao Brasil – na maioria dos casos, a entrada é feita pela região Norte -, ele deve se apresentar na delegacia da Polícia Federal mais próxima.

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– Após o deferimento de sua permanência, eles devem se registrar junto à Polícia Federal para obter sua Carteira de Identidade de Estrangeiro (CIE), onde constará seu Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) – conta Fabiano José Rohr, agente do Núcleo de Imigração da Delegacia de Polícia Federal em Joinville.

Boa parte dos haitianos pretende trazer a família para o País. Neste caso, quem já tiver a permanência definitiva pode solicitar um visto de reunião familiar junto ao Consulado Brasileiro no Haiti ou entrar com o pedido no Brasil.