*Por Claire Moses e Geneva Abdul

Londres – Se fosse qualquer outro ano, Ella Chandler, de 19 anos, estaria jogando críquete quase todos os dias. Zak Oyrzynski, de 23, estaria procurando emprego como chefe de cozinha, em Londres. Beth Blease, personal trainer de 24 anos, ajudaria seus clientes a entrar em forma para o verão. Sam Richards, de 32, estaria atrás de uma mesa, trabalhando com vendas.

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Mas, neste ano de pandemia, esses britânicos se espalharam pelo Reino Unido, fazendo algo que jamais teriam imaginado há alguns meses: estão trabalhando no campo, colhendo frutas.

E estão adorando. “É bem divertido, mas também é um trabalho muito cansativo. É bastante satisfatório”, disse Chandler, jogadora profissional de críquete em uma equipe neozelandesa, que teve a temporada interrompida. Recentemente, ela conta que colheu mais de 250 quilos de morangos em cerca de cinco horas e meia.

Ela viu no jornal que havia vagas para a colheita nas fazendas britânicas, devido à falta inesperada de mão de obra, e contou que decidiu se candidatar a uma vaga em uma fazenda nos arredores de sua casa, em Surrey, um condado a sudoeste de Londres.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

Para além da chance de ganhar algum dinheiro – embora não muito –, os colhedores afirmam que essa é uma boa maneira de encontrar pessoas e conversar, mesmo durante o bloqueio, e de provar que são capazes de fazer algo inesperado.

“Pelo menos fiz alguma coisa. Não fiquei em casa, mofando no sofá, e tenho orgulho de ter feito isso”, disse Oyrzynski, que também colhe morangos na mesma fazenda em que Chandler trabalha.

O trabalho não é glamoroso e é difícil. O dia começa às sete da manhã e o faturamento muda de pessoa para pessoa.

“As pessoas dizem que dá para ganhar muito dinheiro, mas isso depende do colhedor”, observou Oyrzynski. Segundo ele, os trabalhadores da fazenda recebem o salário mínimo britânico – 8,72 libras por hora –, mas podem receber mais, dependendo de quanto conseguem colher.

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Na Hall Hunter, a empresa que gerencia a fazenda, o salário semanal médio em 2019 era de 414 libras (quase US$ 520), de acordo com o site da empresa.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

“Alguns jovens desistiram porque estavam ganhando menos do que esperavam”, disse Oyrzynski. E, embora o trabalho fosse divertido no início, ele tem regras de comportamento rígidas. (Ele contou que uma pessoa foi despedida por jogar uma casca de laranja em um arbusto.)

“Não é o trabalho ideal e eu não faria isso para sempre, mas ele está me ajudando a continuar ativo e estou aprendendo muitas coisas”, resumiu Oyrzynski.

A colheita de frutas no Reino Unido é feita tradicionalmente por trabalhadores temporários vindos da Europa Oriental. Ao todo, entre 70 e 90 mil trabalhadores temporários são necessários para colher todas as frutas e todos os legumes produzidos no país.

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Devido às restrições de viagem para impedir o avanço do coronavírus, muitos desses trabalhadores não puderam fazer a viagem, chegaram tarde ou preferiram não vir. Quando a pandemia atingiu a Europa, a maioria das culturas já estava plantada.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

Em decorrência da falta de trabalhadores, o governo criou a campanha “Colhendo pelo Reino Unido”, em abril, com o objetivo de atrair trabalhadores britânicos. O príncipe Charles publicou um vídeo em que dizia que o país precisa de “colhedores que vieram para ficar”.

Entre as pessoas que se candidataram estava Blease, uma personal trainer autônoma que não conseguia encontrar trabalho por causa do bloqueio. Ela trabalha em turnos de nove horas, colhendo e embalando morangos e aspargos na Fazenda Claremont, no norte da Inglaterra, e recebe um salário mínimo.

Blease afirmou que o trabalho traz recompensas maiores que o salário. “Todos deveríamos ir para o campo, plantar nossos alimentos e viver da terra. Acho que, às vezes, nos esquecemos disso”, comentou. Quando a pandemia der uma trégua, ela espera comprar uma propriedade rural onde pessoas que sofrem de ansiedade, depressão e distúrbios alimentares possam fazer o mesmo trabalho.

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Richards também trabalha na Fazenda Claremont. Ela perdeu o emprego como gerente de conta em uma cervejaria durante a pandemia.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

“Nunca trabalhei tanto por tão pouco dinheiro, mas também nunca fui tão feliz. É bizarro. De agora em diante, acho que gostaria de trabalhar a céu aberto. Decidi que não preciso de muito para ser feliz. Estar ao ar livre é mais que suficiente”, afirmou Richards.

Os produtores se mostraram agradavelmente surpresos com o interesse demonstrado pelo trabalho. Eles temiam que os britânicos não quisessem fazer trabalhos geralmente realizados por trabalhadores estrangeiros.

Contudo, a colocação dos trabalhadores é desafiadora. O serviço é muito diferente do escritório: é preciso esticar os braços, torcer e dobrar, além de ter uma boa coordenação entre olho e mão e muito controle motor fino (para não machucar a planta na hora de colher um morango delicado).

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Oitenta por cento daqueles que demonstraram interesse desistiram antes de passar para a próxima fase, a das entrevistas, de acordo com a HOPS Labour Solutions, uma empresa que recruta trabalhadores rurais. Alguns perceberam que não estavam prontos para o trabalho manual, ou que a licença do coronavírus tinha terminado, ou que os contratos oferecidos pelos produtores eram longos demais.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

“Devido à incerteza da pandemia, muitos trabalhadores britânicos não podem se comprometer com um contrato de trabalho que dure muitos meses”, explicou Cheryl Liddle, porta-voz da HOPS.

“Trata-se de um desafio muito, muito grande. Muitos colegas contratam dez pessoas e, no fim da semana, restam apenas três”, comentou Tom Martin, que vivia em Londres e vendia direitos cinematográficos, mas foi trabalhar na fazenda da família em Cambridgeshire há cinco anos.

Para os produtores, contratar britânicos sem experiência na colheita de frutas também é desafiador, e a produtividade precisa ser alta.

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Mike Ashby conhece isso muito bem. Geralmente, ele contrata trabalhadores temporários da Romênia para a colheita de aspargo, trigo e cevada, entre outros alimentos. Este ano, muitos trabalhadores não puderam vir e, por isso, ele contratou “oito ingleses que normalmente não estariam aqui”. “Os trabalhadores ingleses precisam de um pouco mais de treinamento contínuo”, observou.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

Quanto mais tempo de treinamento, menos tempo de trabalho produtivo. “Novos trabalhadores são de dez a trinta por cento mais caros. Eles demoram de três a quatro semanas para pegar o ritmo”, calculou Ali Capper, do Comitê de Horticultura e Batatas do Sindicado Nacional dos Agricultores da Inglaterra e do País de Gales.

“Trabalhadores europeus mais experientes são habilidosos e rápidos”, concluiu Charmay Prout, diretor da Flavourfresh, produtora de legumes e vegetais no noroeste da Inglaterra que conta com 27 trabalhadores britânicos na equipe este ano, em comparação com dez no ano passado.

Algumas pessoas do setor estão vendo a temporada deste ano como um sinal de alerta. Desde que o país votou para deixar a União Europeia, em 2016, os produtores têm se perguntado se os trabalhadores temporários continuarão a voltar para o Reino Unido todos os anos. As novas regras de viagem entre a União Europeia e o Reino Unido passam a valer em 2021, mas ainda não estão definidas.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

“Este seria o resultado do Brexit sem um plano decente. É o que está acontecendo agora, e nos serve de alerta”, disse Deepak Ravindran, um dos fundadores da Oddbox, empresa que entrega alimentos frescos para cerca de 50 mil clientes em Londres.

Com os bloqueios diminuindo em todo o continente e o anúncio de que os trabalhadores temporários não seriam submetidos a 14 dias de quarentena, os agricultores esperam que mais trabalhadores europeus ainda consigam chegar para parte da temporada.

Apesar da necessidade, encontrar um trabalho na colheita não é necessariamente fácil. Alguns candidatos procuram grupos do Facebook, nos quais compartilham vagas enquanto esperam as respostas e as novidades a respeito das possibilidades na colheita.

Jonty Stephens, ator que perdeu sua fonte de renda quando a turnê nacional de que participava foi interrompida prematuramente pelo bloqueio, é uma das pessoas que esperam para saber se precisarão de sua mão de obra no campo. “É uma época preocupante. Estamos tentando fazer algo proativo”, afirmou.

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(Foto: Alex Atack / The New York Times )

Depois que Stephens, que tem mais de 50 anos, se candidatou a uma vaga em abril, a fazenda disse que entraria em contato, mas ele ainda não tinha recebido resposta. “Agora, estamos só esperando para ver o que vai acontecer”, concluiu.

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