A queda de Dilma Rousseff não se deu pelas pedaladas fiscais ou pelos decretos, sem o crivo do Congresso, que abriram créditos suplementares no orçamento da União, motivos que justificaram o pedido de impeachment sacramentado ontem. Foram a crise econômica, os escândalos de corrupção e a inabilidade administrativa que culminaram no afastamento da agora ex-presidente. No poder, Dilma não conseguiu imprimir o perfil de “gerentona” com o qual foi alçada ao cargo. Do contrário, o que se viu por vezes foi uma mandatária de difícil relacionamento e incapaz de reconhecer erros de sua gestão.
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:: Leia mais informações de Pedro Machado
O segundo mandato de Dilma já nasceu condenado. A vitória apertada nas eleições presidenciais, que suscitou dúvidas (infundadas) de fraude nas urnas, nunca foi aceita pelos opositores. O primeiro sinal da derrocada surgiu logo em fevereiro de 2015. O candidato do governo à presidência da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia, sofreu uma acachapante derrota para Eduardo Cunha, que computou o dobro dos votos. O resultado escrachou a fragilidade da capacidade de articulação da situação. Sem mobilização e apoio parlamentar, ninguém, por mais honesta que seja sua biografia, consegue governar uma república presidencialista. Àquela altura, Cunha já era visto como inimigo de Dilma.
Para piorar a sua própria situação, o governo, em postura incoerente ao discurso, anunciou medidas de ajuste fiscal que Dilma condenara durante a campanha, deixando a impressão de estelionato eleitoral. É verdade que o Congresso, essencialmente conservador e oposicionista, nunca fez questão de colaborar: enquanto se alardeava a necessidade de cortes de despesas, deputados discutiam as chamadas pautas-bomba, que elevariam gastos da máquina pública. Ou seja, tudo que o país não precisava no momento, numa lastimável demonstração de falta de espírito republicano.
Enquanto Brasília era palco de traições, troca de acusações e conluios que levavam em conta apenas interesses pessoais e a sobrevivência de caciques políticos, a situação econômica ia se agravando. A inflação e o desemprego, que Dilma havia dito que estavam e ficariam sob controle, cresceram. Não somente por causa de políticas econômicas equivocadas, mas também pelo fato de o mercado ter sido contaminado com as incertezas que rondavam o Palácio do Planalto.
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Junte uma economia que já dava sinais de recessão – com reflexos no poder de compra do brasileiro – com a imprevisibilidade do cenário político – que leva empresas a adiarem investimentos – e sucessivas denúncias de corrupção e está criada uma crise institucional sem precedentes na história recente do país.
Esse conjunto de fatores deixou a gestão de Dilma insustentável. O ápice desse cenário foi a abertura do processo de impeachment por um presidente da Câmara com a corda na pescoço e sede de vingança. Golpe ou não, mesmo que fosse inocentada pelos senadores pelos supostos crimes de responsabilidade, a ex-presidente dificilmente teria condições para continuar governando o país.
Na sua essência, o impeachment é uma ferramenta jurídica, prevista na Constituição. Na prática, o circo montado na patética votação do processo na Câmara dos Deputados, ainda em abril, e o comportamento de agentes federais escancarou que o julgamento é puramente político. O último ato foi a análise do Senado, uma casa legislativa, a exemplo da Câmara, com muita gente que tem a ficha mais suja do que Dilma poderia ter.
Os protestos de rua não pediram o fim das pedaladas fiscais, prática sujeita a diferentes interpretações jurídicas (para o aceitável e para o inaceitável) e que acabou funcionando como fio condutor e a “desculpa oficial” para a troca de governo. Os manifestos condenaram a corrupção e a recessão que hoje deixa 11,8 milhões de brasileiros desempregados.
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Se mentiras contadas em campanha e crises econômicas fossem motivo para impeachment, pouquíssimos presidentes, governadores e prefeitos se manteriam de pé nos cargos. O fato é que Dilma caiu pelo conjunto da obra e pelo seu governo ter afetado duas coisas sensíveis aos brasileiros: a autoestima e o bolso. Mas, sobretudo, caiu porque perdeu autonomia para liderar e lidar com o complexo e implacável jogo de tabuleiro político.