Famoso por seus comentários sobre economia, carreira e mercado de trabalho em revistas, na Rádio CBN e no Fantástico, da TV Globo, Max Gehringer ministrou seminário na noite de segunda-feira em Blumenau. O administrador e consultor veio à cidade para participar do Ciclo de Palestras, promovido pela CDL em parceria com a UniSagres.

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No início da tarde, antes de se apresentar ao público no Teatro Michelangelo, da Uniasselvi, Gehringer concedeu entrevista exclusiva à coluna no Hotel Plaza, onde ficou hospedado. Confira:

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Na crise, o que a pessoa precisa fazer para manter o emprego?

Quase todas as empresas que precisam demitir na crise, embora não gostem disso, têm uma listinha de quem vai primeiro. Os funcionários com menos tempo de casa, porque são mais baratos devido à multa do fundo de garantia, e os que têm muitas faltas, justificadas ou não, vão antes. Há empresas que têm o bom senso de verificar os que têm filhos, que iriam sofrer muito mais se ficassem desempregados. Os que são preservados são os que durante a crise não ficaram passando notícias ruins ou piorando os rumores que já não eram bons. Isso é terrível para qualquer ambiente de trabalho. As pessoas que reclamam muito, que dizem que a situação vai piorar mais, criam um clima em que todo mundo se desconcentra e deixa de ser produtivo. Essas correm sério risco, às vezes mesmo sendo competentes.

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E quem costuma ficar?

Os que defendem a empresa e fazem o possível. Os que chegam para o chefe e dizem: “não é que eu tenha tempo livre, mas se precisar de mim para qualquer outra coisa, conta comigo”. É a pessoa que se coloca a favor para tentar ajudar, entendendo que não foi a empresa que causou a crise, que ela é uma vitima. Já vi gente ser promovida pelo modo como se comportou na crises. Como ninguém sabe exatamente a situação real da empresa e, portanto, quem vai ou quem fica, não custa como plano B reviver as listas de colegas de escola, professores. Alguns colegas de escola podem ser donos de empresa hoje. Os professores sempre foram relacionados. Uma indicação numa hora dessas é muito boa. Em crise, como nós sabemos, consegue emprego quem é indicado. Dificilmente alguém consegue emprego mandando currículo.

Você citou uma questão de comportamento. Hoje as competências pessoais são mais importantes do que as técnicas na hora do recrutamento?

Na hora de recrutar, é bem possível que a empresa tenha o que ela chama de “o perfil”, mas a definição varia. Num banco, por exemplo, se você for fazer uma entrevista de jeans e camiseta, não vai ser contratado. Neste caso já tem até figurino para se apresentar na entrevista. Bancos gostam muito de trabalho em equipe. Então o candidato tem que dizer que gosta de trabalhar em equipe. Isso é o que o entrevistador quer ouvir. Um dos erros mais comuns em entrevista é falar mal da empresa anterior ou do chefe. Sempre que alguém começa a atribuir o que não aconteceu na carreira dela ao chefe que ela tem, o entrevistador vai pensar que essa pessoa vai colocar a culpa no chefe ou vai admitir o problema? Essas pessoas são descartadas. Os positivos normalmente são contratados. São aqueles que podem ter tido uma experiência ruim, mas veem naquilo uma lição apreendida, uma possibilidade de não cometer o mesmo erro de novo. Minha opinião é que a gente vai ver isso depois que a pessoa estiver trabalhando.

Quando uma empresa precisa demitir para conter custos, quem vai primeiro? O funcionário que tem o salário maior ou o que é menos produtivo?

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Não existe uma regra clara para isso. Cada empresário pensa de um jeito, e isso depende até da situação da empresa. De modo geral as empresas preservam os funcionários que vão poder rapidamente fazer com que ela retome a produção ou as vendas assim que a crise terminar. Como a gente sabe, as crises terminam no Brasil e quando elas acabam é preciso ter os melhores colaboradores. Mesmo aqueles que têm altos salários, se forem importantes nesse processo, ficarão. Quem ganha muito mas não é vital para a empresa é dispensado.

A política econômica dos últimos 10, 15 anos é muito questionada. Muitos avaliam que houve concessão desenfreada de crédito para uma população que, via de regra, não sabe administrar o dinheiro. Qual a sua avaliação a respeito?

O crédito é a base do crescimento das grandes potências mundiais democráticas. Ao conceder crédito, as empresas, de modo geral, pensaram nos ganhos de curto prazo, não em algo que iria durar 20, 30 anos. E é muito provável que elas tenham se dado muito bem. Vamos supor que a pessoa faz uma dívida de 48 prestações. Com a taxa de juro no Brasil, quando ela quitou 20 prestações já pagou o custo inicial da mercadoria. O resto é lucro. Alguns não vão pagar e ficarão inadimplentes, mas o que as empresas vão ganhar ainda vai compensar, mesmo que o índice de inadimplência seja alto. Quem aproveitou o momento para ter lucro e soube o que fazer com ele, investindo em produtividade, equipamentos ou colocando no banco, esses se saíram muito bem. Então a decisão é certa.

Você já falou que não existe receita para o sucesso, mas que é possível evitar o fracasso. Como?

Hoje, principalmente para os jovens, existe um imediatismo muito grande. O que eu me proponho a fazer e no que aquilo vai resultar em curtíssimo prazo? Se eu fizer um intercâmbio de seis meses no exterior para aprimorar meu inglês, a pergunta é: quando eu voltar eu vou conseguir um emprego bom ou melhor do que eu tinha? A minha resposta é não. Se você ficar seis meses fora do mercado não vai conseguir nem um emprego igual ao que você tinha. Quer dizer que não adianta fazer intercâmbio? Adianta muito, porque é uma lição para a vida: aumenta a autoestima e a confiança e te ensina a fazer coisas por conta própria. Isso é para a vida, não para conseguir um emprego no dia seguinte ao que você voltou. Esse imediatismo hoje é tão forte que qualquer coisa, curso ou experiência que o jovem tenha ele já quer que aquilo se transforme em algo prático. Como ele não consegue, muda de emprego. Essa pressa está fazendo com que as pessoas não parem muito em um lugar. Minha teoria é que no quinto emprego a pessoa descobre que o melhor era o primeiro.

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Esse imediatismo compromete desempenho e planejamento das empresas a partir do momento em que equipes formadas por jovens mudam muito?

Não muito. O que as empresas têm feito é dar metas de curto prazo para pessoas que pensam em curto prazo. Um fenômeno que está acontecendo, e os industriais podem confirmar isso, é o chamado “tempo médio de casa”. Vamos supor que a média de tempo de casa de funcionários de uma indústria de Blumenau é de sete anos e meio. Quantos deles têm 7 anos e meio de casa? Nenhum. Tem um monte que tem mais de 12 anos e mais um monte que tem menos de três. Existe o pessoal mais antigo, que está estabilizado e fica na empresa, e o pessoal mais novo que entra e você sabe que vai sair. Alguns desses talvez queiram continuar. Esses vão ter a oportunidade, mas eles precisam ter paciência, que é o que está faltando hoje. Por isso as pessoas mudam. As que tem paciência conseguem.

As empresas esperam e formam cada vez mais profissionais para desempenhar várias funções ao mesmo tempo. Não existe risco de formarmos generalistas, gente que sabe fazer de tudo um pouco mas não é especialista numa área específica?

Não sei. Eu sou administrador formado. É o curso mais genérico que existe. Profundamente eu não sei nada, não consigo discutir com um engenheiro, um advogado. Eu tenho uma visão e uma capacidade de enxergar um monte de coisa na minha frente. Se eu preciso ir com mais profundidade, eu vou perguntar para um especialista. Isso não me prejudicou. O que acredito que é ruim, e já vi muita carreira sendo prejudicada por causa disso, é um funcionário que sabe fazer três ou quatro coisas razoavelmente bem se tornar insubstituível porque não há outro que faz o mesmo. Esse não vai a lugar nenhum. Durante algum tempo isso pode até ser bom, mas o quanto antes a pessoa se fixar numa coisa só, escolher o que ela faz de melhor e seguir naquela direção, melhor vai ser para ela. Me permita me adicionar outra coisa: qual é o tempo ideal que alguém deve passar na mesma empresa? A resposta é a vida inteira. Quando se procura emprego, todos nós queremos um bom ambiente de trabalho, ser tratado com dignidade, receber um salário adequado para aquilo que nós fazemos e ter as oportunidades que fez por merecer. Se eu estou numa empresa que me dá essas coisas, por que eu vou sair? Eu fico a vida inteira enquanto ela estiver me proporcionando isso. Sair por sair é uma péssima ideia se eu estou na empresa certa.

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Essa história de buscar novos ares, mesmo que a empresa ofereça tudo isso, é algo que você não recomendaria então?

Depende quais são esses novos ares. Na hora de pedir a conta todo mundo só leva em consideração uma coisa, que normalmente é a remuneração. Tem três coisas que a pessoa precisa considerar: as oportunidades futuras, o ambiente de trabalho e a remuneração. Quem muda por uma delas e não se preocupa com as outras duas vai se arrepender em menos de seis meses.

O que um bom líder precisa ter e fazer?

Para mim o bom líder é aquele que confia na equipe e a equipe confia nele. Não é uma questão de estilo, se a pessoa é calada, fala alto ou qualquer coisa assim. A confiança normalmente vem da sinceridade. O líder diz que vai fazer alguma coisa e faz. E se ele não pode fazer ele não promete, não promete nem que vai tentar. Não dá para botar na forma e dizer “essas são as características básicas”, mas nos melhores líderes que eu vi na vida a confiança estava em todos.

Além da confiança e da sinceridade, o que mais alguém que está aspirando a um cargo de liderança precisa ter de característica?

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Se uma empresa tem 30 funcionários trabalhando e define que um deles vai ser promovido para ser chefe dos outros, como isso vai ser decidido? Isso é decidido por um longo período de tempo. As pessoas imaginam que elas não estão sendo observadas, mas são o tempo todo. Aí a gente percebe quem é líder, muito antes da promoção. Nenhuma empresa promove alguém a líder para ver se a pessoa, na prática, vai confirmar que é líder. Isso é um erro danado. Promoção não é aposta. O líder, antes de ser promovido a tal, é o tipo de pessoa que as pessoas vão falar com ele porque confiam nele. Ele é magnético, atrai as pessoas. Pelas atitudes que ele tem durante o trabalho, ele provoca um respeito muito grande. Empresas acertam em mais de 90% dos casos quando promovem alguém. É um número assustadoramente alto de acertos porque isso é visto muito antes, embora a maioria ache que não é. Não existe avaliação anual, a avaliação é por minuto. É a pessoa que entrega o serviço antes de todo mundo, que comete menos erro, que você pede a colaboração e ela colabora, mas ao mesmo tempo ela incentiva, motiva e inspira todo mundo a fazer o mesmo

Hoje a relação entre líder e liderado é bem mais próxima do que já foi. Vai haver alguma transformação nesse sentido?

Eu tenho dúvidas quanto ao que você disse. Eu acho que mudou em algumas empresas, mas não em todas. O Brasil tem hoje perto de 7 milhões de empresas registradas, a enorme maioria micros e pequenas. Essas empresas empregam 92% da mão de obra brasileira. As grandes empregam 8%, mas são elas que saem em revistas e jornais destacando práticas de recursos humanos positivas. O politicamente correto está levando o chefe a não falar alto, não dar uma dura, um monte de coisa que todo mundo fazia abertamente antes. Em empresas grandes isso não está mais acontecendo. Acredito que no resto isso ainda acontece.

Ainda sobre a crise, o que você espera para o Brasil nos próximos meses?Provavelmente nós vamos ter um refresco só em 2018. O ano de 2017 será o que eu chamo de “2016 Parte 2 – A volta” (risos). O governo, como política econômica, deixou de fazer muita coisa que deveria ser feita em termos de ajustes e cortes. Isso é novo? Não, aconteceu no governo Sarney exatamente a mesma coisa. Se uma canetada ou uma ordem resolvessem, tinham resolvido na semana passada. Não é tão simples. Ele (Temer) trouxe um ministro confiável que vai ter que fazer uma série de ajustes, que vai ter que dar algumas más noticias, ou de aumento de impostos ou de eventuais cortes sociais. Esse período de ajustes tem que ser duro, porém delicado. É preciso fazer.

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Quem critica os cortes em áreas sociais acaba alegando que seria melhor que o governo tirasse impostos de produção e folha salarial para que as empresas pudessem contratar mais gente, aumentar a produção e fazer a economia girar a partir disso. Isso é algo possível de fazer? Estimular a economia com isenções seria suficiente?

É o que todo mundo pede. Quando se tirou o IPI do carro é lógico que vendeu muito mais carro. Mas o governo também perdeu muito mais dinheiro. Aparentemente o que o governo conseguiu com o aumento da venda de veículos não foi o que ele teria conseguido se tivesse mantido o imposto. Foi um mal negócio porque se estimulou uma parte da economia, mas não se resolveu uma situação que o governo tinha, de arrecadar mais dinheiro para pagar contas. A solução mais óbvia é o governo cortar despesas, mas a gente vê que isso está cada vez mais difícil. Em alguns setores não há dúvida que isso funcionou, como na linha branca e nos automóveis. Mas se o governo não manteve significa que não deu certo. Deu certo para um setor, não para a economia como um todo.