O futuro da indústria têxtil passa pela automação e robotização da cadeia produtiva, que precisará agregar mão de obra capaz de atuar em múltiplas etapas de todo o processo e de desenvolver peças de vestuário que interajam com o corpo humano. A avaliação é de Rafael Cervone Netto, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). Cervone esteve em Blumenau na terça-feira para participar da capacitação “Como inovar através do desenvolvimento sustentável”, promovida pelo Santa Catarina Moda e Cultura (SCMC). Antes de almoçar com empresários do movimento, ele concedeu entrevista exclusiva à coluna.

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O ano de 2015 foi difícil para o setor. Como enfrentar o atual cenário?

A gente vem de alguns anos difíceis. Não falta diagnóstico, falta vontade política de resolver os problemas. Na Abit, enquanto os problemas aconteciam, propusemos soluções ao governo que infelizmente não foram implementadas em grande parte. Mas nós já estamos numa agenda de pós-crise, fazendo um estudo global de visão de futuro com foco e-m 2030. Um segundo ponto é a inserção do setor nas redes globais de valor. Há a a questão do encadeamento produtivo. A atividade têxtil tem um das cadeias produtivas mais longas, vai das fibras ao varejo. Precisamos ganhar velocidade e sinergia entre os elos dessa cadeia. Também estamos iniciando em SC um projeto de indústria 4.0, onde vamos trabalhar a automação e a robotização na confecção, com ganho em escala e produtividade.

A crise se deve ao cenário econômico ou há problema de gestão nas empresas?

Acho que os dois. A crise levou a uma queda da produtividade e, nesse caso, essa é uma crise nossa, não mundial. O Brasil tornou o ambiente de negócios hostil à produção e à produtividade. A legislação trabalhista é arcaica, dos anos 30. Ela parte do princípio que o empresário quer acabar com o funcionário e que o trabalhador é o coitadinho que precisa de um monte de proteção. Não é nem um, nem outro. A lei tem que proteger o trabalhador e garantir os direitos mínimos dele, mas não precisa engessar da forma como é hoje, onde não há previsibilidade. Você negocia com seu funcionário, ratifica um acordo coletivo com o MP e com o sindicato dos trabalhadores e perde todas na Justiça. Isso está errado.

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Há risco real de desindustrialização?

O risco real já aconteceu. A indústria representava 25% do PIB e hoje está em 9%, tendendo a 4%. Isso é muito ruim.

E como se reverte isso?

Com a retomada do ambiente de negócios. Não queremos retroagir ao que é a Asia, mas buscar um ponto de equilíbrio que seja isonomicamente competitivo em relação ao mundo. E aí estamos falando de países desenvolvidos. Não adianta querer nos comparar a Cuba, Venezuela ou à China. Temos que nos comparar à União Europeia, Japão, Estados Unidos. Precisamos ter condições de competir com esses países e retomar a produtividade com uma legislação moderna, versátil, flexível, regulamentando a terceirização.

Como atrair pessoas para um setor que não paga bem e onde o funcionário está mais exposto a problemas de saúde?

Começa mudando a visão em relação ao funcionário. Uma costureira, por exemplo, é difícil de achar. Às vezes uma mãe fala assim para a filha: “estuda se não você vai virar costureira”. É preciso requalificar a função. O que buscamos com a confecção do futuro é um novo modelo produtivo, onde a costureira nao vai ser só uma costureira, vai ter que ter um conhecimento mais intrínseco do processo produtivo, vai ter que interferir mais em outras áreas. Isso valoriza a função, que talvez passe a nem se chamar mais de costureira. Hoje os homens estão sendo atraídos para a função mas não querem ser chamados de costureiros por uma questão machista. Então vamos ter que ter outro nome. Temos que atrair as pessoas para uma função mais colaborativa e mais completa, com mais conhecimento. E com mais conhecimento você tem que pagar mais.

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E sobre tendências?

Estamos discutindo agora, por exemplo, qual o impacto da impressora 3D na confecção. Você vai imprimir roupa ou costurar? Qual vai ser o impacto da tecnologia incorporada ao vestuário? Provavelmente daqui a 10 anos a gente vai comprar uma roupa pelo o que ela faz, não só pelo design e conforto. Eu vi na Europa um uniforme de bombeiro que avisa o profissional a hora que ele tem que sair de um incêndio para não desmaiar por saturação de monóxido de carbono no sangue. Se ele desmaiar, o chefe e o médico já são acionados para o resgate. Ou uma roupa de pesca que reconhece se a pessoa caiu no mar e avisa o capitão do barco por GPS. É para esse tipo de coisa que vamos migrar.

O futuro então depende de inovação.

Depende muito de inovação, design e das questões de sustentabilidade do negócio, e não mais só do produto. O público consumidor é cada vez mais informado, tem uma consciência maior. Já se discute o desenvolvimento de um produto pensando na destinação final. É o caso da Rhodia (empresa francesa), que lançou o produto Soul Eco, feito de um fio que se decompõe em 15 dias quando vai para um aterro sanitário.

Há cotação ideal do dólar para o setor?

Varia porque a cadeia é muito longa Depende também do mercado alvo que a empresa vai atuar, da linha de produto e de quanto ele agrega valor ao item. Oscila demais. O câmbio de hoje, acima de R$ 3,50, já minimiza a falta de competitividade do país. Mas pior do que a cotação é a oscilação em cima desse valor. Não existe exportação para um mês, fecha-se contrato de um ou dois anos no mínimo e é preciso rezar para que não ocorra nenhum choque de economia nesse período. É preciso previsibilidade. Só que a exportação não vai ser a salvação da pátria, é só um pedaço do faturamento da atividade. O novo governo tem que mudar o modelo econômico.

O que o Vale e SC podem ensinar para o setor têxtil brasileiro?

SC tem uma case fantástico com o SCMC (Santa Catarina Moda e Cultura), que começou com uma iniciativa dos próprios empresários. Criou-se uma cultura diferenciada, dificílima na indústria e no setor têxtil, que é compartilhar experiências e coisas boas e ruins. Isso é muito rico. Depois criou-se uma entidade com a missão de incorporar mais e mais cultura. Isso ficou tão maduro que passou de uma fase de melhorar a realidade industrial pra mudar a realidade do próprio Estado. Eu desconheço outro lugar que tenha algo parecido. Quando se discutia esse modelo em outros Estados, falavam que não dava para fazer. O SCMC mostrou que dá. Essa é uma lição que tem ser levada adiante.

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