O Brasil é um dos países com o maior volume de processos judiciais do mundo e é da natureza do brasileiro judicializar relações – sejam elas comerciais, profissionais ou pessoais – em casos de desavenças com a outra parte envolvida. A análise é de Marco Aurélio Buzzi, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e criador do Movimento pela Conciliação, uma iniciativa que busca promover, na base do diálogo, a resolução de conflitos, ajudando a desafogar o já estrangulado Poder Judiciário.

Continua depois da publicidade

:: Leia mais notícias do colunista Pedro Machado

Natural de Timbó, Buzzi esteve em Blumenau na quinta-feira, onde abordou o tema “mediação e conciliação” em palestra feita no 32º Congresso Nacional de Sindicatos Patronais do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Confira a entrevista do ministro à coluna:

Como surgiu a ideia de criar o Movimento pela Conciliação?

Surgiu diante da crise do sistema de prestação jurisdicional que havia e ainda existe, destacadamente pelo custo do processo para as partes que querem resolver um conflito. Além disso, pelo tempo que demora um processo até a sua solução final, depois de todos os recursos, e também pelo volume de processos que existem na Justiça para serem resolvidos. Entre tantos outros fatores, esses três foram muito importantes para convencer as pessoas que estavam envolvidas na criação do Movimento pela Conciliação para efetivamente fazer disso um projeto e levar à apreciação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Daí para frente passamos a realizar as Semanas Nacionais de Conciliação. Todos os dias, durante todo o ano, nós realizamos um serviço contínuo direcionado à mediação e conciliação de conflitos. Na última Semana Nacional de Conciliação, em novembro de 2015, tivemos dados interessantes. Em cinco dias úteis, realizamos no Brasil inteiro, nas três modalidades de justiça (Federal, Estadual e do Trabalho), praticamente 359 mil audiências de conciliação e mediação, com 214 mil acordos. Com essas atividades, conseguimos homologar acordos que envolveram praticamente R$ 1,64 bilhão. São números grandes, positivos.

Continua depois da publicidade

Qual o principal objetivo?

É dar efetividade à jurisdição. Esses acordos de mediação e conciliação também retratam uma modalidade, uma forma de prestar atividade jurisdicional e dar jurisdição às comunidades.

Quais são os conflitos mais comuns?

São aqueles que giram em torno do direito do consumidor, direito de vizinhança e direito da família. Evidentemente que, na Justiça do Trabalho, são conflitos de ordem laboral.

Qual a importância do diálogo para a resolução dos conflitos e como isso ajuda a desafogar a Justiça?

A importância está em resgatar e resolver o conflito sociológico. Há grandes empresas e instituições que lidam no dia a dia com milhões de pessoas. Numa relação contratual, é importante fidelizar o cliente e manter uma relação comercial de consciência entre as partes. E isso se consegue com um diálogo capaz de resolver o conflito entre as pessoas. Nós chamamos isso de resolução do conflito sociológico para pacificação social e para preservação dos laços que existem, sejam emocionais, comerciais ou afetivos.

Continua depois da publicidade

O país vive um momento de intolerância e as pessoas parecem cada vez menos dispostas a resolver seus problemas na base do diálogo. Isso as tem levado a abusar do direito de procurar a Justiça?

Eu creio que não. É uma tendência histórica do Brasil ter um grande volume de processos ajuizados. Nos últimos anos e décadas, tivemos um número maior ainda. É crescente essa judicialização de conflitos porque o número de cidadãos economicamente ativos aumentou muito também. E o volume de contratos nos últimos 15, 20 anos multiplicou no mundo inteiro, não só aqui. No Brasil nós costumamos, sim, judicializar muito as relações comerciais, os contratos, as divergências no âmbito da família, do direito de vizinhança e do consumidor. Nós temos essa tendência, tanto é que no mundo inteiro somos um dos países que detêm um dos maiores números de processo judiciais. Nós temos que mudar essa mentalidade exatamente por meio da mediação e da conciliação. Agora temos a Lei 13.140, específica da mediação, e o artigo 175 dentro do Novo Código do Processo Civil, coisas que nunca tivemos antes. A mediação e a conciliação, mesmo antes de existirem essas leis, já estavam em pleno andamento. Não tínhamos nenhuma dessas leis quando foram realizadas todas as Semanas Nacionais de Conciliação.

E como se faz isso?

O primeiro passo é tomar ciência do que efetivamente está acontecendo. E a par disso, querer, como bom cidadão, resolver essas questões todas e buscar pacificar esses conflitos. Não existe outro caminho para mantermos o equilíbrio nas relações comerciais, individuais, pessoais e familiares. Também não podemos esperar que as políticas públicas sejam levadas e resolvidas pelo Judiciário. Juiz não resolve política pública, juiz resolve conflito. O que estamos vendo, infelizmente, é que muitos assuntos alusivos a grandes políticas públicas estão sendo levadas ao Judiciário para um juiz, na ponta de uma caneta, resolver o assunto. Para isso nós temos outros poderes dentro da República, destacadamente o Executivo e o Legislativo.

A judicialização do processo, que deveria ser o último recurso, está sendo o primeiro?

Deveria ser o último. Na verdade não deveria nem existir. Há lugares no mundo, como entre os chineses, em que entrar na Justiça com uma demanda é motivo quase que de vergonha, porque é um sinal que você não teve habilidade e formação suficientes para resolver um conflito de interesses. Há povos que enxergam a judicialização de conflitos dessa forma, só se judicializa um assunto em últimos casos. Antes devemos procurar outros meios de resolução de conflito. Agora, felizmente, temos no Brasil duas leis (de mediação) de grande envergadura que vieram para disciplinar e regrar essas atividades. O importante é trabalhar em torno dessas ideias para que elas se concretizem.

Continua depois da publicidade