O Amor em Fragmentos
Por Pedro Franz *
Em 30 de junho de 1908, uma enorme bola de fogo rasgou o céu da Sibéria provocando uma explosão aproximadamente igual a mil vezes à bomba de Hiroshima. Milhões de árvores e uma área de milhares de quilômetros quadrados, próxima ao rio Podkamennaya Tunguska, foram devastadas.
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A luz da explosão foi tão forte que, durante os dias seguintes, era possível enxergar durante a noite sem a necessidade de qualquer outro tipo de iluminação, e há relatos de gente na Inglaterra que pôde avistá-la.
Até hoje não se sabe o que realmente provocou o evento. Há dezenas de teorias: alguns astrônomos sugeriram ser um cometa (ou parte dele), outros, um asteroide, e teve gente que disse que era coisa do Tesla. Fala-se ainda em buraco negro, em extraterrestres e até mesmo em viagens no tempo. As teorias são sempre refutadas por um ou outro motivo e, até hoje, não se chegou a um consenso.
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Apesar do caráter espetacular da coisa toda, o que eu acho mais bonito sobre o evento de Tunguska é exatamente essa falta de explicação. Essa ausência de uma única verdade que diga “olha, isso aí aconteceu assim por causa disso”.
Como se para nós, que agora olhamos pra trás e tentamos enxergar o que houve, todas as teorias (verdadeiras ou falsas) sejam igualmente importantes. É como algo que o escritor César Aira disse. Pra ele, na ficção: “O verdadeiro e o falso valem o mesmo ao mesmo tempo e se transformam um no outro”. Aira também disse que todos seus livros são exercícios e que ele não tem um público, mas sim leitores.
Eu estava pensando mais ou menos nisso quando decidi que minha nova história em quadrinhos se chamaria Incidente em Tunguska. A HQ parte de algumas experiências com projetos que realizei ao longo do último ano que tinham em comum o uso dos tons de cinza da grafite, além de uma vontade de experimentar formas de construir narrativas e de levar meu desenho para um território mais incerto, no qual eu me sentisse mais inseguro.
Estou experimentando diferentes processos de criar histórias, aliando abstração e narrativa para aproximar o desenho do processo de escrita (mas também para aproximá-lo de algumas ideias narrativas que vejo principalmente na música), testando novas formas de aplicação do texto como imagem e usando o desenho para criar climas, ambientes, texturas, ritmo e significados – enfim, experimentando com a história em quadrinhos um tipo de narrativa que se aproxime não só da prosa, mas também da poesia.
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Incidente em Tunguska começou a ser publicada primeiro na internet e a partir de hoje na última página do suplemento Cultura, como aqueles quadrinhos antigos que ocupavam a página inteira do jornal. É uma coleção de histórias que funcionam mais ou menos como as canções em alguns discos ou em determinados livros de contos. Como se cada página fosse uma canção ou um conto que pode ser lida/ouvida sozinha, sem a necessidade das demais.
Ainda que seja sempre difícil, pra mim, definir sobre o que são minhas HQs, mesmo assim, acho que consigo dizer, sem correr muito risco de me arrepender em algum momento, que Incidente em Tunguska é uma coleção de histórias sobre relacionamentos.
Talvez seja também uma coleção de histórias de amor e de diferentes momentos do amor. Tanto daquele amor que se acredita amor, como também do amor que não sempre se completa, que é algo mas não se enxerga como amor, ou que um dia foi mas talvez já não seja, ainda que permaneça algo, uma outra coisa difícil de definir, mas que segue ali. Um lugar onde “o verdadeiro e o falso, valem o mesmo ao mesmo tempo e se transformam um no outro”. Não há, aqui também, uma única verdade.
Confira a primeira parte:

Incidente em Tunguska é uma HQ de ficção do ilustrador e roteirista Pedro Franz e que pode ser lida também no site do autor: www.pedrofranz.com.br/incidente-em-Tunguska.
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* É ilustrador e roteirista, autor das HQs Promessas de Amor a Desconhecidos Enquanto Espero o Fim do Mundo, Suburbia (adaptação para os quadrinhos da teledramaturgia de Luiz Fernando Carvalho e Paulo Lins) e um dos artistas responsáveis pela adaptação do romance Ensaio do Vazio, de Carlos Henrique Schroeder.