A pecuária é frequentemente vista como uma das grandes responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa (GEE). No entanto, em Santa Catarina, pesquisadores da Epagri/Ciram estão aplicando uma solução que não apenas está zerando as emissões de carbono na produção de carne e leite, mas também removendo dióxido de carbono (CO2) da atmosfera em grande escala. A chamada “pecuária de carbono zero” surge como uma alternativa sustentável para o meio ambiente e economicamente viável para os produtores.

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Segundo a Epagri/Ciram, o segredo está na alimentação dos animais à base de pastagens perenes, que não precisam ser semeadas todos os anos e se perpetuam a longo prazo. As raízes dessas plantas crescem em maior profundidade e são as aliadas para retirarem o carbono da atmosfera. Enquanto os animais pastejam com manejo ideal, a captura de carbono ocorre embaixo da terra.

— É a partir da raiz que as plantas vão acumular e armazenar carbono no solo. A planta faz a fotossíntese, ou seja, captura CO2 e o utiliza para produzir folhas, colmos e raízes. Como a planta serve de alimento para os animais, as raízes constantemente se renovam. A raiz morta se degrada e o carbono que foi obtido da atmosfera vai parar no solo — descreve Tiago Celso Baldissera, pesquisador da Estação Experimental da Epagri em Lages.

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Algumas espécies de pastagens perenes podem ter raízes que ultrapassam 2 ou 3 metros de profundidade. Quando manejadas corretamente, essas plantas têm potencial de remover até 3,79 toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente) por hectare a cada ano.

O crescimento dessas raízes também traz outros benefícios ambientais para a pecuária. Elas potencializam a infiltração e o armazenamento da água no solo, reduzem o risco de erosão, aumentam a capacidade de resistência a estresses, como secas mais prolongadas, e tornam o solo um abrigo fértil para diversos macro e microrganismos.

Outra vantagem é a redução do número de operações com maquinários para plantio ou semeadura, impactando também na pegada de carbono da produção animal. Reduzindo o uso de equipamentos que necessitam de combustíveis fósseis, diminui-se a emissão de carbono.

Pecuária de carbono zero é econômica e gera lucros

A solução da pecuária de carbono zero também é vantajosa para os produtores. Depois que testou as pastagens perenes em uma área de cinco hectares, em 2021, o pecuarista Fábio Zen Salces, de Bocaina do Sul, na Serra catarinense, ampliou a área ano após ano. Hoje, 48 dos 50 hectares de pastagem da propriedade têm espécies perenes. Elas alimentam um rebanho de bovinos de corte que varia entre 120 animais no inverno e 200 no verão.

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Fábio trabalha com pastagens de Tifton 85, uma espécie de verão, e com áreas de consórcio de Dactylis, trevo branco e vermelho e cornichão.

— O investimento é maior no primeiro ano, mas as pastagens permanecem por anos. Sem falar que não há vazio forrageiro, então o custo fica muito inferior às pastagens anuais — destaca o produtor.

Além de aumentar a oferta de forragem com custos menores, Fábio viu o desempenho econômico da atividade melhorar. Isto porque o animal que recebe um alimento de excelente qualidade nutricional vai ter maior deposição de gordura subcutânea e marmoreio, o que dá maciez e sabor à carne.

Estas pastagens perenes, pelo fato de já estarem implantadas e não precisarem ser semeadas todos os anos, trazem mais segurança para os produtores do que as pastagens anuais. O pesquisador Cassiano Eduardo Pinto, da Epagri, explica:

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— Quando são semeadas em época de seca, as pastagens anuais podem não germinar; já as pastagens perenes estão estabelecidas e, mesmo com volume menor de chuva, são adequadas para média produção. No outro extremo, quando há muita chuva, as sementes das pastagens anuais podem até apodrecer, como ocorreu na primavera de 2023.

No ano passado, Santa Catarina passou por episódios de excesso de chuva, consequência das mudanças climáticas. Os eventos extremos afetaram a produção agropecuária do Estado. Porém, na propriedade de Fábio, as pastagens perenes se mantiveram produtivas durante o período.

— O solo tem excelente cobertura, então fica resistente ao pisoteio e à erosão. Não preciso tirar os animais quando chove muito, apenas fazer ajustes de lotação de carga — conta.

Além disso, Fábio, consciente da importância de produzir de forma sustentável, ocupou com pastagens menos da metade da área da fazenda, que tem 116 hectares. O restante é coberto de mata.

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A produção de pasto de qualidade, garantida durante o ano todo, tem motivado cada vez mais pecuaristas a investir nas espécies perenes em Santa Catarina. Afinal de contas, a alimentação dos animais é o principal custo de produção da pecuária e impacta diretamente nos indicadores econômicos da atividade. Isso significa que, enquanto “economizam” na alimentação dos animais, as famílias lucram mais e preservam o meio ambiente. 

Comprometimento com a sustentabilidade

A produção de carne e leite à base de pastagens faz parte de uma iniciativa para atender o compromisso assumido por Santa Catarina de reduzir as emissões de gases. O Plano Agricultura de Baixa Emissão de Carbono ABC+SC, construído pela Secretaria de Estado da Agricultura e Pecuária, tem o objetivo de gerar um potencial de mitigação de 86,78 milhões de toneladas de carbono até 2030.

Na pecuária, uma das metas é aumentar em 75,7 mil hectares a área de pastagens recuperadas, por meio da adoção de tecnologias que aumentem o teor de matéria orgânica no solo e a produtividade. Esse plano está em ação e, em 2023, o manejo e a recuperação de 8,7 mil hectares de pastagens degradadas no Estado resultaram no sequestro de 50 mil toneladas de carbono equivalente.

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Usar as pastagens para melhorar os indicadores econômicos e ambientais da pecuária exige conhecimento. Nas propriedades rurais, a Epagri orienta os produtores a escolherem as espécies perenes mais adequadas. A escolha envolve fatores como região, clima, solo, necessidades do produtor, se é pecuária de leite ou de corte ou, ainda, se é de cria ou terminação, por exemplo.

Em 2022, a pesquisa da Epagri mergulhou ainda mais fundo nas questões ligadas à emissão de carbono e iniciou o projeto Pecuária ConSCiente Carbono Zero. Esse projeto, que segue até 2026, busca desenvolver tecnologias e estratégias de mitigação de gases do efeito estufa, principalmente o metano entérico, além de definir parâmetros para calcular a pegada de carbono da pecuária de corte e leite bovina à base de pastagens em Santa Catarina.

— A intenção é buscar estratégias de manejo para a pecuária à base de pasto que levem à mitigação das emissões e, se possível, a um balanço neutro de carbono, associando a imagem da pecuária catarinense a um ambiente de produtividade, qualidade e sustentabilidade — explica o pesquisador Tiago Baldissera, que coordena o projeto.

*Sob supervisão de Luana Amorim

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