Crescer jogando futebol no bairro, inspiração no maior atleta do país, atravessar o Oceano Atlântico, viver uma “profecia” e chegar em Joinville. Apesar dos inúmeros desafios e aventuras, essa é a trajetória do ainda jovem Paul Henry Heume, de 21 anos, nascido em Camarões e atacante do Nação Esportes na Segunda Divisão do Campeonato Catarinense.

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Ainda criança, em um bairro da periferia de Duala, maior cidade do país africano, Paul vivia com a mãe e seus cinco irmãos. Lá, começou a carreira de atleta em uma academia de futebol, mas a ideia de brincar chutando uma bola com o pé precisou ser interrompida pela necessidade de cuidar dos familiares mais novos. 

O sonho de seguir no esporte, a inspiração em Samuel Eto’o, maior jogador camaronês da história e nascido na mesma região que ele, unida a uma “previsão divina”, o motivaram para driblar os adversários da vida e retornar para o caminho do gol. 

— Recebi uma revelação na igreja de dois profetas que eu ainda iria disputar uma competição com a seleção do meu país. Eu não jogava em nenhum time na época, mas ela se tornou verdade — relembra o caso profético. 

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Um ano depois, o jovem já disputava o Torneio de Montaigu, na França, um dos principais campeonatos de base do mundo, inclusive onde jogadores brasileiros como Reinier e Endrick jogaram. Mesmo com uma das piores campanhas do campeonato, os rumos mudaram para Paul a partir de então. 

— Foi assim que começou a mudança da minha vida — reflete. 

Após a competição, Paul foi contratado para a base do Cruzeiro, um dos maiores times do Brasil. Após uma breve passagem, as temporadas foram sendo disputadas e o camaronês rodando pelo país. Ele já vestiu a camisa do pelo Tombense-MG, Juventude e Athletic-MG, por exemplo.

Paul jogando pelo Juventude, em 2021 (Foto: Gabriel Tadiotto/E.C.Juventude)

Agora, está usando as cores amarela e azul do time de Joinville, onde disputa a segunda divisão do Campeonato Catarinense e a Copa Santa Catarina. É no clube que ele mora, treina, faz academia, tem um cachorra de estimação e se constrói dia após dia. 

Eto’o: uma entidade da esperança

Apesar de Duala ser uma cidade de periferia, tem em Eto’o a sua principal motivação. É por causa dele que surgiram diversos times na região, revelando centenas de jogadores desde então. 

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— Vai que outro Eto’o sai dali, pensam isso — expõe Paul.

Samuel Eto’o, maior jogador da história de Camarões (Foto: John Macdogall/AFP)

A idolatria na figura do ex-jogador é assistência para todas as crianças que sonham em jogar futebol em Camarões. É como ter em uma só pessoa a possibilidade de outra vida. A ideia de colocar a própria existência nas pontas das chuteiras, que tocam os gramados pensando no gol, mas também em transformar a vida de si, da mãe solitária e dos irmãos que precisavam de apoio na criação. 

— Ele sempre vai ser nosso ídolo. Quando jogava inspirava nós, os meninos da cidade dele, todo mundo queria ser igual. A gente brincava na rua e falávamos que éramos o Eto’o — expressa. 

Autoestima para combater preconceito: “Eu me amo”

Adaptado e feliz em Joinville, ele elogia a cidade pela forma que o acolheu, onde diz se sentir em casa e que, mesmo projetando deixá-la em algum momento por questões profissionais, pensa em voltar no futuro para morar em definitivo. 

(Foto: Bruno Andala/Nação Esportes)

Mesmo assim, ele ressalta que a vida no Brasil não são só alegrias, precisando, inclusive, enfrentar casos de preconceito como racismo e xenofobia. A autoestima e a aliança com outros jogadores negros são ferramentas de combate. 

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— Algumas pessoas deixam na cara que não gostam. Já fui insultado na minha vida, já fui criticado por onde eu vim, mas nunca me afetou. Eu me amo. Eu me amo muito. E essa é a primeira vez na minha carreira que eu gosto do pessoal do clube, porque tem vários ‘negão’ aqui no Nação — afirma.

Saudades de casa, um adversário duro de enfrentar

Atravessar 7.140 quilômetros de Duala até Joinville deixa marcas sentimentais, principalmente a saudade. É lá que está a família, amigos e outros fatores fundamentais para a alegria de um ser humano, como a comida que está acostumado a botar no prato durante um almoço com quem gosta. 

Um pedaço da existência de Paul parece ter sido interrompida por conta de tantas viagens e mudanças ao redor do planeta. 

— Eu saí da escola direto para cá. Não conheci a vida no meu país. Eu deixei para trás. Parece que eu estou preso naquele lugar ainda. Eu ainda vou para casa, pois Camarões não tá mais como antes. Sinto falta de tudo que tem lá — decide, reflexivo. 

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Apesar de estar em outro continente, ele ainda mantém contato frequente com a família e os amigos mais próximos por telefone e chamadas de vídeo. Um deles, inclusive, é seu guardião até hoje no continente africano. 

— Tenho um amigo que não vejo há dois anos, mas se falar mal de mim na frente dele, o cara vai na porrada contigo — brinca. 

Sonhos são como gols: todos podem fazer

Com objetivo de conquistar títulos com o Nação, Paul não esconde que tem diversos planos e sonhos. Muitos deles são ousados. 

Na vida pessoal, os principais objetivos são encontrar uma companheira para se relacionar e conseguir trazer os familiares de Camarões para morar próximo, se possível ainda em Joinville. 

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Paul atuando com a seleção de Camarões (Foto: Redes sociais/Reprodução)

Já no aspecto profissional, a ideia é ter ótimo desempenho, construir a carreira e voar. Não pelos ares, mas em cima da planta verde que cobre o solo geralmente lamacento e que provoca as paixões mais intensas em torcedores: um campo de futebol.

— Eu tenho muito potencial. Eu pretendo voar no Brasil, no mundo inteiro. Ser um dos grandes jogadores, ir para Champions League e sonhar em jogar uma Copa do Mundo — finaliza.

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