Seria um aperitivo para a Copa do Mundo, um ano antes. Era de se esperar brasileiro enrolado na bandeira e rosto pintado com tinta verde e amarela. Ninguém previa, no entanto, que a massa apaixonada pelo futebol se aproveitaria da vitrine do planeta bola para estourar a revolta mais ampla da história recente do país. Nas duas últimas semanas, 1,2 milhão de pessoas saíram às ruas – e o sentimento nacionalista esperado para ascender nos estádios recém-inaugurados mudou de rumo, se transformou em brado de uma multidão que canta o hino como apelo por melhorias.
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Hino nacional em coro. Nos estádios, sim, mas principalmente como barulho ensurdecedor por mudança. Em frente a assembleias, durante o percurso das caminhadas em protesto, no Congresso Nacional – ou como comemoração de cada conquista, como no sepultamento da PEC 37 (a proposta que tentou limitar o poder de investigação do Ministério Público). Ambulantes com oferta de bandeiras verde-amarela nos portões de acesso aos jogos se multiplicam pelas ruas das principais cidades.
Tem quem discorde, mas não há como negar o renascimento do patriotismo – latente em cores e nas vozes que ecoam país afora. Doutor em História do Brasil, o diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Paulo Pinheiro Machado, tem duas explicações para a exaltação aos símbolos nacionais. Primeiro, porque se trata de comoção coletiva, com causas pulverizadas pelo descontentamento geral. E, depois, porque o uso da bandeira pode funcionar como escudo para os manifestantes.
– Os policiais não costumam encostar em quem está enrolado na bandeira – diz, lembrando que no início do século passado manifestantes já usavam a bandeira do Brasil nos protestos.
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Nas greves operárias de 1917 a 1919, viam-se as bandeiras verde-amarela em meio as pretas e vermelhas, símbolos de socialistas e anarquistas.
Quem tem entre 30 e 40 anos deve lembrar. Teve a chance de repetir o comportamento de seus pais no final da década de 1960. Em agosto de 1992 nascia o Movimento dos Caras-Pintadas, manifestação com alvo no impeachment do presidente Fernando Collor. E lá se vão mais de duas décadas.
Pedro dos Santos, sociólogo e professor da Unisul, bem lembra: os jovens de hoje são os filhos da democracia, de uma economia estabilizada e tempos de políticas públicas. Quem acreditaria que a geração das redes sociais sairia às ruas? Quando se pensou que um brasileiro deixaria de assistir aos jogos para protestar?
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– Estamos sendo vistos por todo o mundo. Só que desta vez o brasileiro se vestiu de Brasil e foi para a rua, não para a arquibancada. O patriotismo ganhou outro contorno, que é o da consciência política, outro estágio da democracia. O brasileiro percebeu que pode mudar o país, o gigante realmente acordou.