O pastor indiciado pela Polícia Civil por discriminação contra a comunidade LGBTQIA+ em Santa Catarina usou expressões como “lixo moral”, “nojeira” e “distúrbio sexual” ao criticar um trabalho escolar que abordou a diversidade em Rio Negrinho, no Planalto Norte de SC. O inquérito policial foi concluído em 4 de agosto e segue em análise pelo Ministério Público de SC, órgão que recebeu as primeiras denúncias.

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O caso teve início em 15 de julho, quando uma turma do 9º ano de ensino fundamental coloriu uma escada da Escola Henrique Liebl. Nos degraus, além das cores do arco-íris, foram anexadas palavras presentes na sigla LGBTQIA+, o que gerou polêmica no município.

Representantes religiosos usaram uma foto tirada enquanto o trabalho ainda estava em construção para questionar a atividade pedagógica. Alguns vídeo publicados por um dos pastores, porém, excederam a liberdade de expressão, conforme apontou a investigação policial.

Em uma das gravações feitas pelo pastor indiciado, ele usa termos pejorativos como “nojeira”, “palhaçada” e “porcaria”, ao se referir a orientação sexual diversa à dele, como chega criar, segundo a polícia, um dado sem embasamento científico para justificar os ataques que faz contra a atividade escolar e a comunidade LGBTQIA+. Os trechos fazem parte do relatório, ao qual a reportagem teve acesso.

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– 98% dessa galera cresceram em um lar destruído sem a figura paterna, cresceram num ambiente totalmente transtornado. (…) Lá na frente essa galera com esse comportamento, esse distúrbio sexual aí, eles querem adotar uma criança, entendeu? Adotar uma criança. Eles querem levar uma vida como se isso fosse uma normalidade. Não, não é normalidade não. Não, não é. Vocês já viram o caso de homossexuais que adotaram crianças e mataram essas crianças? Tem vários casos aí, notícias correndo à solto.”

O que significa LGBTQIA+?

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À frente do caso, o delegado Rubens Freitas relata que o pastor não admitiu o erro. Ao contrário, disse, quando ouvido pela polícia, que somente expressava sua opinião.

– A conduta do indiciado extrapolou a simples manifestação do pensamento e contemplou expressões odiosas, de cunho discriminatório – disse o delegado.

Na investigação, a Polícia Civil também concluiu que por possuir “grande influência sobre parcela de pessoas que lhe consideram um líder religioso”, o pastor cria uma espécie de “fake news discriminatória” ao relacionar homossexualidade à tendência de “matar criancinhas”.

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Além disso, o mesmo pastor chamou de “terroristas”, em outro vídeo publicado, as pessoas que integram o movimento LGBTQIA+ e afirma que pertencem a uma “máfia”, sugerindo até mesmo que os educadores sejam retirados dos seus cargos por permitirem atividades que abordem o tema.

Entre as testemunhas ouvidas durante a investigação, uma profissional que atua no colégio comentou aos policiais que há alunos de orientação homossexual na escola e que são alvos de preconceito com frequência, motivo por que o grupo escolheu o tema “diversidade” para o trabalho.

O professor que ministrou as atividades, ao ver a sequência de ataques que ele, a escola e o trabalho realizado pelos alunos sofriam, chegou a deixar o município temporariamente por medo de represálias. Com o retorno das aulas e após as férias de inverno, o educador retornou ao trabalho no colégio.

A reportagem tentou contato com o pastor indiciado, mas não teve retorno até as 16h30min desta sexta-feira (20).

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“Quero deixar meu legado e ajudar pessoas” diz gêmea trans que fez mudança de sexo em Blumenau

“Eu agrido o outro como forma de defesa da minha fragilidade”

Doutora em Psicologia Social pela PUCSP e professora do curso de Psicologia da Universidade Regional de Blumenau, Catarina Gewehr explica que a conduta agressiva, independentemente contra quem ocorra, sempre é uma autodefesa.

– Então, se eu sou agressivo com um homossexual, com uma pessoa transexual, eu estou me defendendo do quê? O que essa pessoa faz que me agrida de forma importante? – pontua a especialista.

Essa mesma percepção, segundo Catarina, ocorre com aqueles que praticam violência doméstica ou mesmo feminicídio, porque é a forma que o agressor encontra para defender uma fragilidade diante de um potencial perigo:

– Eu agrido o outro como forma de defesa da minha fragilidade. Eu vou defender aquilo que me é frágil e que no outro, por incrível que pareça, na condição do outro, é muito potente.

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Além disso, de acordo com a psicóloga, os ataques contra pessoas com outras orientações sexuais estão relacionadas às perspectivas de cultura machista e homofóbica da sociedade e, psicologicamente, ligada ao vazio da vida do agressor, à fragilidade das competências emocionais e afetivas de quem agride.

– Então essa relação é muito delicada porque o outro, diferente de mim, naquilo que faz a sua vida ser satisfatória e plena, é uma ameaça à minha vida medíocre, à minha vida reduzida de potência, à minha vida vazia – conclui.

O que diz a Aliança Nacional LGBTQIA+

O presidente da Aliança Nacional LGBTQIA+, Toni Reis, está na Dinamarca em um encontro internacional que trata sobre os direitos humanos e a igualdade. De lá, mas acompanhando o caso de Rio Negrinho, disse que as situações discriminatórias como essa, ocorrida após um trabalho escolar, precisam ganhar visibilidade, para que sejam penalizadas e não voltem a ocorrer:

– As pessoas que ferem a dignidade humana têm que ser processadas e contidas, pois isso levou à 2ª Guerra Mundial, com uma filosofia nazista. Respeitamos a diversidade religiosa, cada um pode ter a sua religião, mas acima de todos está a Constituição Federal e a Declaração Universal de Direitos Humanos que dizem que todos nós nascemos iguais em direito e em dignidade.

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