Com dívida total de mais de R$ 5,6 bilhões, os grandes clubes do país são perdulários desde sempre. Gastam bem mais do que podem e pagam muito pouco do que devem. Apenas em impostos devidos, são R$ 2,7 bilhões – um valor alimentado pela leniência da União com a má gestão das equipes.
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Atolados em débitos com a Previdência Social que somavam R$ 284 milhões (valor atualizado pelo IGP-M), os clubes receberam o primeiro socorro oficial do governo duas décadas atrás. Como se fosse um bônus pela inadimplência, a União permitiu refinanciar a dívida em suaves prestações, pagas com a arrecadação de 5% da receita de bilheteria.
Após reunião de Dilma com dirigentes, governo acena com renegociação
Vinte anos após a primeira colher de chá aos inadimplentes contumazes, pouco mudou. Os dirigentes continuam não pagando o que devem. E o débito continua crescendo geometricamente: é praticamente 10 vezes maior do que era em 1993.
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Grande parte dessa dívida astronômica com o governo é multa, juro e juro sobre juro. Simplificando, o oba-oba funciona assim:
1 – Há períodos em que os clubes não depositam o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), não repassam as contribuições ao INSS, deixam para lá outros tributos, como ISS, e sonegam Imposto de Renda.
2 – O não pagamento desses impostos gera juros, a dívida aumenta e multas incidem sobre os débitos. É uma bola de neve tributária.
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3 – O governo oferece oportunidades aos clubes de refinanciar o que devem. Os dirigentes aderem ao refinanciamento, mas, muitas vezes, não pagam as parcelas.
4 – O não pagamento em dia gera juros, a dívida aumenta…
E por que os clubes não pagam os impostos? Porque podem. Sucessivos governos foram benevolentes com a conduta dos times brasileiros. Além de permitir que a dívida acumulasse, o Planalto lançou planos de refinanciamento capengas, sem sanção prática alguma àqueles que não cumprissem o acordado.
Foi assim na renegociação de 20 anos atrás, o erro se repetiu no Programa de Recuperação Fiscal (Refis), no início dos anos 2000, e persistiu na Timemania, em 2006.
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– É o apelo do futebol. Normalmente, autoridades públicas têm mais condescendência com o futebol. Agora mudou, há uma série de controles que antes não tinha – argumenta o presidente do Coritiba, Vilson Ribeiro de Andrade.
Clubes de olho em refinanciamento
Andrade lidera os dirigentes que negociam com governo e CBF um novo projeto de renegociação – o quarto, desde 1993. Antes chamado de Proforte e agora rebatizado como Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte, o plano prevê o refinanciamento de dívidas tributárias em 25 anos. O projeto pode ir à votação na Câmara esta semana, mas depende de ajustes e acertos políticos. Afinal, é ano de eleição.
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– As contrapartidas são o coração desse projeto: auditorias, controle de déficit nos clubes, dirigente não vai poder antecipar receita além do seu mandato, apresentação de certidão negativa de débito antes das competições. Se não pagar o repactuado, será rebaixado – diz o secretário nacional de Futebol e Defesa dos Direitos do Torcedor, Toninho Nascimento.
O Bom Senso F.C. é contra o projeto como está. O movimento afirma que os mecanismos de controle são insuficientes. E que, se aprovado, será apenas mais um refinanciamento, sem impacto algum sobre a gestão dos clubes.
Dupla nem tão mal, nem tão bem
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Grêmio e Inter acompanham atentamente as discussões. Devem bastante ao governo, mas ainda pagam as parcelas da Timemania, mesmo que signifique pouco.
– A Timemania foi tão fraca que o valor nominal da dívida aumentou muito. Apoio (a renegociação) porque a prestação ficará mais baixa – alega o presidente colorado, Giovanni Luigi.
Romildo Bolzan Jr., vice-presidente do Grêmio, entende que essa será a última oportunidades que os clubes terão para renegociar:
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– O cobertor é curto. O Botafogo se queixa de estar com as contas 100% bloqueadas, o Atlético-MG também. É a primeira oportunidade de uma nova cultura, postura. Os clubes amadureceram e estão refletindo suas governanças.
Entretanto, pagar em 300 parcelas o que se deve ao governo resolve apenas parte do problema. No caso de Grêmio e Inter – e de muitos outros clubes -, o furo da bala é mais embaixo.
Se ganha muito, gasta ainda mais
Em cinco anos, o déficit total das 24 maiores equipes brasileiras cresceu R$ 1,5 bilhão, conforme levantamento da consultoria BDO Brazil. A dívida total dos clubes é estimada em R$ 5,68 bilhões, entre o débito tributário, empréstimos, condenações trabalhistas e dívidas com jogadores e fornecedores.
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-O crescimento da dívida total é proporcional às receitas. Tivemos um aumento de receita muito grande nos últimos anos, principalmente pelos repasses da TV, mas a gestão dos clubes não segurou as despesas. O resultado é que ficaram mais deficitários. Se o Grêmio contrata algumas estrelas, pressiona o Inter a fazer o mesmo, independentemente da capacidade no momento. Para o dirigente e para o torcedor, não importa se o cube foi deficitário, mas, sim, se ele foi campeão – explica o economista Pedro Daniel, da BDO.
Para o consultor de marketing esportivo Amir Somoggi, o mais preocupante é que as dívidas não tributárias crescem com mais força há alguns anos, reflexo de administrações pouco preocupadas com o futuro.
– Não adianta só mexer na parte fiscal. Tem de trabalhar na administração. Se falar para um alemão que os times daqui administram com receita de TV de outra temporada, os caras não vão acreditar. É um prêmio à má gestão.
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