A cidade é um organismo vivo. Tem corpo, alma e também tem memória. É o cenário de muitas vidas na sinfonia inacabada das gerações. Ela se constrói e se reconstrói, dia e noite, na ciranda do tempo. As mudanças ora são lentas, e quase não as percebemos, ora se aceleram e mudam o nosso cotidiano, às vezes para melhor, mas, não raro, para pior.

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A isso chamam de progresso. Trata-se de um processo cujos efeitos podem ser duvidosos e até indesejáveis, mas que é inexorável. Este também é o preço que pagamos pelas fraquezas da nossa própria humanidade. Nós mesmos criamos nossos problemas e, depois, sofremos e gastamos à procura de soluções para eles.

Mas há cidades que, apesar das mudanças impostas em seu corpo pelo tempo e pelo homem, não alteram a sua alma, seu jeito de ser e de viver, e lutam para preservar, ao menos na memória coletiva, o legado ancestral. Florianópolis, outrora Desterro, assim é. Aquela pacata e provinciana capital dos lampiões, os bondes puxados por burros, do Miramar e do Pasto do Bode sumiu em uma esquina do tempo.

Se, até a década de 1950 as transformações eram lentas, no ritmo suave que alimenta a alma ilhoa, sugerido pela beleza exuberante da paisagem de mar e montanha, a partir dos anos 1960 os impactos se sucederam em vertiginosa velocidade. A fundação da universidade federal, a BR-101, as novas pontes, o aterro, a descoberta do turismo, o asfalto se derramando pelos caminhos da Ilha, e as migrações, um fluxo contínuo de gente atraída pela beleza deste privilegiado recanto do Brasil meridional. Novos sotaques se misturaram ao doce falar ilhéu, inclusive no perfi l da cidade, que se verticalizou. O ritmo acelerou. Cada vez mais, e até demais para muitos de seus filhos. Mas o que se há de fazer? É o pedágio que se paga na ponte para o futuro. Mas será este o futuro que nós desejamos e com o qual tanto sonhamos?

Esse processo sugere alguns cuidados para evitar que, no avanço para o futuro, a cidade perca, de vez, algumas das suas melhores características. Entre os temores, há um a causar especial preocupação. Trata-se da progressiva perda da memória urbana, fenômeno comum em cidades como Florianópolis, que atraem cada vez mais migrantes.

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É necessário zelar por esse patrimônio coletivo da nossa Desterro do século 21, um legado que a torna única e diferente de todas as outras, conferindo-lhe encanto e magia insubstituíveis.

Meu livro se debruça sobre a origem e a história de ruas, de praças e de outros cenários do espaço urbano. Resgata acontecimentos históricos e a lembrança de algumas personalidades marcantes deste “pedacinho de terra perdido no mar”. O objetivo é estimular, principalmente nas gerações mais jovens, o interesse pela preservação dos valores que correm o risco de ser enterrados no esquecimento.

Além de oferecer aos leitores um passeio nostálgico por paisagens que fazem parte do cotidiano ilhéu, mas cuja significância a maioria desconhece, meu livro é também um trabalho de garimpo, baseado em pesquisa histórica e na tradição oral de uma cidade tão rica em histórias como é rica de inesquecíveis paisagens.

Escrever este livro foi a maneira que eu achei para retribuir a esta terra e a este povo a hospitalidade com que me receberam na data de mais um aniversário da nossa bela Florianópolis.

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