Quem sai nem sempre sabe por que vai, mas quase sempre alcança a resposta quando chega, ainda mais se a saída for voluntária, fruto apenas de decisão própria. Aliás, quantos livros de autoajuda nos dizem isto? Que é preciso ir para bem longe a fim de se alcançar o autoconhecimento? Para se ir, desbravar a própria vida e abrir mão do conforto do lar ou do apoio da família e dos amigos, tendo apenas o inesperado como certeza, é necessário também coragem. Tudo o mais que nos move é a vontade de aventura, de experiências, sentidos e memórias. Vai-se para viver e não apenas sobreviver, já que a ideia é justo poder voar, partir!

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Quanto ao conhecimento, ele nem sempre está óbvio diante do nosso nariz – pelo menos não antes de ser descoberto – e, caso esteja, também não é garantia para conseguirmos enxergar direito, afinal o que está muito próximo dos olhos torna-se distorcido e vesgo. Faça o teste e tente enxergar a ponta do seu nariz!

Assim, como gostam os gurus, os autores motivacionais ou os coaches, devemos agir como o sábio que amplia a sua capacidade de percepção ao se afastar, quando sobe o topo da montanha e lá, longe e distante de tudo, finalmente sua visão alcança o todo e o horizonte. É a vontade, ainda que dolorida e insegura de partir para longe, o real motivo do exilio voluntário. É para se encontrar ou se achar, não importa a desculpa – se por amor, dinheiro, segurança ou apenas simpatia.

Toco nesse assunto porque no fim de semana assisti a um filme no cinema que fazia justo esta pergunta, por que você partiu?, e fiquei a pensar em motivos, já que eu mesma nunca fui muito longe, mas como me considero adepta do afastamento de livre e espontânea vontade, fiquei curiosa.

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O filme, que suscitou a questão, é do diretor estreante Eric Belhassen. Ele batiza o longa com esta mesma indagação que seu pai lhe faz diante da câmera. Além do próprio Eric, participam mais seis homens, todos chefs de gastronomia francesa que conquistaram fama e dinheiro com sua culinária neste país que escolheram para chamar de seu. São todos autoexilados que para cá vieram e ficaram. E – não contente com o depoimento do grupo e dele mesmo sobre os motivos de cada um – Belhassen, que é um geneticista que se aventura no cinema, percorre a França numa espécie de road movie gastronômico atrás dos seus pais e dos pais de todos os chefs para desvendar o que determinou a partida de cada um e os efeitos que causaram tanto para os que foram como para os que ficaram.

Por que Você Partiu? apresenta momentos engraçados e emotivos e fala sobre as alegrias e tristezas da separação da família e do país, da língua e da terral natal, além do trabalho em cozinhas brasileiras e das diferenças culturais, ainda que o tempero e o requinte francês no preparo dos alimentos impere. Não é genial, mas é um documentário sincero que mostra, além da culinária, relações de grandes afetos e decepções.

Emmanuel Bassoleil, um dos mais celebrados chefs do país, por exemplo, não esconde que, apesar da carreira famosa e prestigiada, tomou dois cambalachos de pessoas próximas que cuidavam da sua bem-sucedida contabilidade e que roubaram sua confiança e seu dinheiro. “O Brasil tem destas coisas”, avisa Alain Uzan, outro profissional estrelado radicado no país que, além de frutas e aromas exóticos, é de população dada a comportamentos duvidosos. O longa – com uma trilha sonora que beira o insuportável nos primeiros minutos por conta de uma canção horrível do Lô Borges sobre um tal de Manuel audaz – apresenta também uns enquadramentos estranhos que incomodam, mas vale a pena ser visto, pois muito mais interessante do que saber por que partiu, é conhecer o caminho percorrido.

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