Interpretar, orientar, planejar e fiscalizar. Os verbos que se repetem entre os principais líderes partidários de Santa Catarina tecem o tapete em que políticos de todas as legendas terão de pisar a partir do dia 16 de agosto. A data, que marca o início da disputa pelo comando de prefeituras e de vagas nas casas Legislativas de todo o Estado, também acende um alerta no radar dos dirigentes. As campanhas, até então milionárias, terão que se enquadrar em novas regras de financiamento sancionadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2015.
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Elencado como uma das principais mudanças, o limite para gastos que vão financiar as campanhas, estipulado Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – anteriormente, cada partido fixava seu próprio teto –, parece impactar principalmente os candidatos de cidades com mais eleitores. Calculado com base nos maiores valores declarados em 2012 – naquele ano, as eleições em SC movimentaram R$ 47,6 milhões –, 199 dos 295 municípios do Estado terão tetos específicos para prefeito e para vereador. Isso por que essas cidades se enquadram na regra dos locais com até 10 mil eleitores. Sendo assim, prefeitos tem direito a gastar R$ 100 mil e vereadores, R$ 10 mil.
Apesar deste cenário, o teto, que varia entre 50% e 70% dos valores declarados no último pleito para as demais cidades, não parece preocupa os partidos. Com o veto aos financiamentos privados e com o tempo de campanha reduzido de 90 para 45 dias, eles acreditam que o teto dificilmente será atingido.
— É uma lei muito restritiva. A grande dificuldade é justamente adequar a campanha à realidade eleitoral de agora. Estamos buscando entender e interpretar o texto, mas acima de tudo orientar os possíveis candidatos sobre essa nova realidade. Esse ano vai ser sola de sapato e muita conversa. Os hábitos precisam ser revistos para dissipar essa nuvem de dúvidas que se criou em cima das questões relacionadas a arrecadação. Estávamos acostumados a uma cultura que desapareceu — avalia o presidente em exercício do PSD, Antônio Ceron.
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Sem um plano de ação para conseguir injetar mais dinheiro nas campanhas, os partidos estão focados em promover reuniões e encontros com os filiados para explicar como as novas regras vão impactar na disputa deste ano, afinal a lista de restrições e mudanças é extensa. Além da redução da campanha em si, o tempo dos candidatos no rádio e na televisão também encolheu: de 45 passou para 35 dias de exibição. Já nas ruas, o que antes era considerado campanha antecipada – como participar de eventos ou ter as qualidades exaltadas por aliados –, foi liberado.
Agora, há também quem defenda que, aliado as restrições de doações de pessoa jurídica, os gastos durante o pleito também vão diminuir influenciados pela redução do espaço para fazer campanha e com o período consideravelmente mais curto.
— Essa vai ser uma eleição totalmente nova, vamos ter que reaprender a fazer campanha política e, provavelmente, aprenderemos isso durante o processo eleitoral. Serão campanhas muito franciscanas, com pouco dinheiro e financiamento muito escasso, mesmo assim, temos uma leve vantagem. Somos um partido com uma militância muito grande e, de certa forma, isso consta — projeta o presidente do PMDB e deputado federal, Mauro Mariani.
Fiscalização é o maior desafio
Fixar um limite para os exorbitantes gastos durante as campanhas foi um passo positivo no processo eleitoral brasileiro, mas este é só o começo. Instituído com base nos maiores valores declarados no último pleito, em 2012, a grande maioria dos candidatos segue com um orçamento polpudo na briga pelos votos. Ponto crucial para fazer valer a nova lei, o Tendão de Aquiles do TRE segue sendo a fiscalização. O processo recém institucionalizado só mostrará seu real valor se houver o controle da prestação de contas, defende a secretaria de Controle Interno e Auditoria do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Denise Goulart Schlickmann.
— O melhor seria se a própria Justiça Eleitoral tivesse estabelecido esses limites com base nos custos das campanhas e não nos gastos já feitos. Por que esses gastos foram feitos de acordo com os parâmetros estabelecidos pelos próprios partidos. A forma como se deu esse teto certamente não é a melhor — reforça Denise.
Para dar conta da tarefa de casa, o TRE passa a contar com parcerias para aguçar a fiscalização durante o processo eleitoral de outubro. Cruzamento de informações de órgãos público, visando coibir o caixa dois – que são recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos competentes –, e de dados externos estão na lista de ações. Para comandar os chamados de controles de inteligência, auditores e demais funcionários que já atuam no TRE devem ter acesso aos extratos eletrônicos das contas de todos os candidatos, além de conseguir, por meio do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), verificar indícios de ausência da capacidade operacional de fornecedores da campanha, bem como da capacidade econômica dos doadores.
— Já tínhamos controle dos gastos antes, mas agora isso ficou mais intenso. Por exemplo, não havia esse compartilhamento de informações com o Tribunal de Contas da União, Ministério do Trabalho e da Fazenda — esclarece Denise.
De olho no adversário
Com o discurso de que a lei vale para todos, a vontade de fiscalizar o adversário não é unanimidade entre os principais partidos políticos de Santa Catarina. Enquanto uns querem crer que, por conta do tempo curto para a campanha se desenrolar, a incidência de irregularidades será praticamente nula, outros estão atentos à fiscalização.
— A restrição (de financiamento) vai tornar a campanha mais justa desde que haja fiscalização. Não adianta um cumprir e o outro não. Isso só vai aumentar o desequilíbrio. Nós vamos fazer o que é legal, mas também vamos nos preparar para ajudar a fiscalizar. A eleição tem sido fortemente influenciada pelo poder econômico e politico, então temos que reduzir a força dessas duas influencias — adverte o presidente do PP e deputado federal, Esperidião Amin.
ENTREVISTA
Eduardo Guerini, mestre em sociologia política e professor na Univali
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As novas regras que balizam o financiamento das campanhas eleitorais deste ano e que também interferem no calendário eleitoral não atingem apenas os políticos. Ponto chave de todo o processo, o eleitor, que há pelo menos três anos ocupa as ruas em busca de mais democracia, será o mais impactado. Sem capacidade para oxigenar os partidos, as restrições para buscar verba também acabam determinando quem serão os candidatos e, consequentemente, inibem a entrada de novos nomes da disputa, explica o mestre em sociologia política e professor na Univali, Eduardo Guerini. Somado à estas questões, outro ponto questionado por Guerini é o iminente risco do caixa dois. Confira abaixo a entrevista completa.
De que forma as mudanças instituídas pelo STF impactam no dia a dia dos candidatos e também na decisão do eleitor?
Na verdade essa reforma eleitoral vai produzir uma manutenção na estrutura dos candidatos que tenham densidade eleitoral e capacidade de angariar fontes de financiamento. Isso impede, categoricamente, a entrada de novos candidatos. Não terá uma renovação de figuras que não estão vinculadas à estrutura histórica dos partidos. Mesmo que se deseje uma renovação, as pessoas terão como resultado final aqueles candidatos que já tem capacidade de voto e de fontes de financiamento. Será uma campanha cara, rápida e com propostas que não atendem aos interesses gerais da comunidade, principalmente para os vereadores. Vai ser uma disputa inglória.
O que o senhor acredita que deveria ter sido feito então?
Isso (a reforma) foi uma resposta ao movimento que tratava de renovar a politica brasileira pela sociedade, ou seja, dar uma oxigenada nas estruturas partidárias e que estavam combatendo as fontes de financiamento privado. Era necessário discutir o voto distrital, mas agora temos um modelo que está no meio do caminho. É uma lista fechada dentro de um partido que por sua vez está vinculado a candidatos que tem potencial de eleição e de financiamento. Até porque as pessoas físicas não vão fazer doações vultuosas, quem vai fazer isso são as empresas e daí teremos uma espécie de distribuição por CPFs, que estão vinculados dentro da militância partidária. Na prática vai se institucionalizar o caixa dois. Isso vai dar força a uma falsa ideia de que não teremos financiamento privado em campanha.
O senhor acredita que a Justiça Eleitoral tem capacidade para fiscalizar este novo processo?
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Existe um entendimento do ponto de vista financeiro, por que há um limite, mas esse limite vai estimular o caixa dois. Vai ser a grande campanha eleitoral do caixa dois. Por que o Tribunal Eleitoral não tem condições de fiscalizar. Nunca teve. Hoje não conseguimos impedir crimes eleitorais na época da eleição, quem dirá fazer alguma auditoria nas candidaturas após a eleição. As maquinas partidárias funcionarão atendendo aos interesses das lideranças politicas e atenderão aqueles candidatos que estão vinculados a essa estrutura de poder e de financiamento, mas sem uma renovação objetiva. Teremos um esquema de financiamento muito nebuloso, por que provavelmente as pessoas físicas vão fracionar as doações das pessoas jurídicas e o caixa dois vai funcionar a todo vapor. Vai ser uma eleição pautada no caixa dois, na velocidade de informações e das propostas. Uma campanha superficial onde o eleitor não vai ter outra alternativa se não fazer uma escolha vincula a interesses específicos daqueles candidatos que foram colocados na vitrine eleitoral.
Isso torna as eleições menos democráticas?
Não existe nenhuma possibilidade de alterar o atual quadro. Então, o que vai acontecer é que veremos estelionatos eleitorais continuados e teremos um afastamento cada vez maior entre representantes e representados. Ou seja, os partidos políticos vão perdendo vida partidária. O exemplo mais simbólico disso é o PT, que tinha um vinculo forte com os movimentos sociais e foi se afastando a medida que foi entrando no sistema político partidário brasileiro para garantir a governabilidade. Teremos alianças esdruxulas, não programadas ou ideológicas, mas sim alianças oportunistas para garantir a vitória eleitoral do candidato que tenha a maior densidade politica eleitoral. Teremos pouquíssima renovação e o quadro seguira o mesmo: corrompido, deprimente, deplorável e degenerado.