A menos de três meses da Copa, Carlos Alberto Parreira passa boa parte do seu tempo na sede da CBF, no quinto andar de um prédio comercial da Barra da Tijuca. Lá, cuida de todos os detalhes da preparação da Seleção Brasileira. Na função de coordenador técnico, tudo passa por ele: logística de hospedagem e treinamentos, valor de premiação em caso de título, e, claro, conselhos para o técnico Luiz Felipe Scolari fechar a lista de convocados no dia 7 de maio.

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Na sala onde trabalha, Parreira recebeu a reportagem de Zero Hora e falou abertamente até sobre os assuntos mais polêmicos. Aos 71 anos, e com a autoridade de quem vai para a sua oitava Copa (além do Brasil, já trabalhou em Mundiais com Arábia Saudita, Emirados Árabes, Kuwait e África do Sul), e conhecido no mundo inteiro como uma das personalidades mais respeitadas do futebol, ele criticou a falta de legado do evento e a inexperiência da comissão técnica de Mano Menezes, além de explicar porque Ronaldinho está fora dos planos:

– Para uma Copa do Mundo, talvez precise um pouquinho mais do interior, de vontade, de disposição.

Confira os principais trechos da entrevista:

Zero Hora – Qual a importância de reunir dois campeões mundiais, você e Felipão, para recuperar a confiança na Seleção?

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Carlos Alberto Parreira – A credibilidade da comissão técnica influencia muito os torcedores e os jogadores. A história ajuda você a se comunicar melhor e até ter um entendimento, uma vantagem com os jogadores. A comissão técnica anterior era boa, sem dúvida, mas ainda era muito inexperiente em termos de futebol internacional. Os atletas sabem que tem gente experiente, capaz de tomar as melhores decisões, e sobretudo gente transparente e que não vai se deixar envolver com nada que não interesse à Seleção. É evidente que só isso não resolveria o problema: seria importante que os jogadores comprassem a nossa ideia, que era fazer um time para disputar a Copa e ser campeão. A gente não critica, mas se houve alguma falha é que não se via aquela volúpia da comissão técnica anterior em ganhar o título em casa. Conversei com o Scolari quando ele chegou aqui e disse: temos que vender essa ideia desde o início, em casa temos que ser campeões do mundo e acabou.

ZH – E os jogadores?

Parreira – A resposta dos atletas foi ótima. Tivemos uma dificuldade inicial na formação do time, ficamos três jogos sem vencer, mas chegamos a conclusão que era importante ter time e maneira de jogar. É claro que a confiança voltou pelos resultados. Outro dia perguntaram para o Felipão ao que ele atribui esse clima maravilhoso, eu teria respondido de maneira muito simples: resultados. Nos últimos 15 jogos, ganhamos 14. Temos time para ganhar a Copa. Se olhar a nossa defesa, nossos laterais, meias, atacantes estão entre os melhores do mundo. E mais a história da camisa amarela, que também pesa muito.

ZH – Parece que ter fechado a transferência para o Barcelona, antes da Copa das Confederações, tranquilizou o Neymar, que fez um grande torneio. Ele preocupa agora, com essas denúncias de irregularidades da negociação?

Parreira – O Neymar vinha em um processo. Na Seleção, nem todos estouram no primeiro momento. Talentoso ele é, um jogador que faz a diferença, é o nosso grande nome, não só nosso, na história do futebol mundial nesse momento, ao lado do Cristiano Ronaldo e do Messi. E o Neymar é o mais jovem deles, está começando a carreira internacional agora. Antes tinha uma crítica, diziam que ele só jogava no Santos, quando pegava grandes times não ia bem, que na Seleção não era nem sombra do que no Santos. Sempre tivemos a confiança que esse garoto é de ouro e demos muito apoio a ele. Chegou na Copa das Confederações e desabrochou. Com relação a transferência, falamos com ele na África do Sul, o Neymar está muito tranquilo, tem uma retaguarda muito boa com o pai. Ele só joga futebol, a pare financeira quem toma conta é pai, que é um cara muito equilibrado, de bom senso, conversou com a gente também e disse que o departamento jurídico do Barcelona o chamou e passou toda a tranquilidade. Já pagaram 17 milhões de euros lá para o fisco. Não vejo porque o Neymar ficar preocupado, o problema dele é jogar futebol.

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ZH – Com a experiência de chegar a sua oitava Copa, você já manifestou preocupação com a organização do Mundial aqui, e fez críticas ao legado. Foi surpresa todos este atrasos nas obras?

Parreira – Quando teve o anúncio, em 2007, do Brasil como sede, nós todos ficamos felizes. Não só com a parte esportiva, porque vamos ter estádios de primeiro mundo, centros de treinamentos também de primeiro nível e obras de mobilidade urbana, infraestrutura, melhoria dos aeroportos, das estradas. Um legado real para o cidadão brasileiro. Infelizmente, metade dessas obras não vai sair. Desperdiçamos uma oportunidade maravilhosa.

ZH – De quê?

Parreira – De aproveitar esse momento para melhorar a nossa qualidade de vida e mostrar ao mundo que nós somos capazes, porque a gente quer que o turista chegue aqui e saia bem impressionado com o Brasil. E com determinadas situações ele não vai sair bem impressionado. Vai sair criticando. Mas com certeza, eu não tenho a menor dúvida, dentro dos estádios, onde também interessa muito, nós vamos ter uma das melhores Copas. O Maracanã está lindo, me disseram que o Beira-Rio está maravilhoso, todos os estádios que visitei estão muito bons, nível de primeiro mundo.

ZH – Ronaldo e Romário, craques que você reuniu em 1994, estão tendo uma briga pública por causa da Copa. Isso preocupa?

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Parreira – Não vou dizer que é saudável. Poderia ter sido evitado, mas cada um está expressando a sua opinião, o seu ponto de vista. As coisas funcionam assim. O Romário pensa de um jeito e o Ronaldo de outro, tenho acompanhado. Eu espero que eles cheguem a um acordo e fiquem amigos de novo como eles são. Eu tenho certeza que eles se admiram. Faz um tempo, o Romário não falava com o Zico, estavam brigados, hoje eu vejo eles se abraçando e fico feliz.

ZH – Como será o trabalho da comissão técnica até a convocação, como será a observação final dos jogadores?

Parreira – O primeiro passo, e estamos com tudo praticamente acertado, é deixar tudo pronto até o dia 7 de maio. Toda a logística da seleção, todos os deslocamentos durante a Copa, a que horas vai sair o avião, os hotéis, está tudo planejado até o último jogo. Em matéria de organização a Seleção está nota 10. Antes da apresentação também vamos resolver a questão da premiação, quando eles vierem para treinar só vão se preocupar em jogar, nada mais. Na fase de observação falta pouca coisa para encerrar a convocação, mas vamos seguir acompanhando. O Vicente Del Bosque (técnico da Espanha) fala muito isso: futebol é um esporte de momento. Não adianta tomar uma decisão hoje e daqui dois meses ter que mudar por uma série de razões. O time que foi bom no ano passado tem que ser bom na Copa.

Porque o Neymar, o Fred… eles têm que estar bem na Copa.

ZH – Vão estar?

Parreira – O Fred está voltando de uma maneira muito agradável, treinando, está melhorando nos jogos. Outro dia me perguntaram sobre o Neymar que se machucou, ficou um mês fora. Respondi: ótimo, vai descansar um mês, vai chegar menos desgastado na Copa. Outro perguntou sobre o David Luiz, que o Mourinho de vez em quando não o escala… Ótimo, está sendo poupado para a gente. É um desgaste muito grande ter que jogar todas até a final da Champions, que vai ser dia 24 de maio, quase na Copa. Não vou torcer contra, mas se uma equipe que tenha jogador brasileiro for desclassificada, não vou ficar triste não.

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ZH – Você comandou o Ronaldinho em 2006. Ele devia ser um jogador de quatro Copas, mas deve parar em só duas. Isso prova que hoje o jogador tem que estar totalmente focado no futebol?

Parreira – Você usou a palavra que eu ia começar a resposta. Não é que ele tenha perdido o foco, mas de certo modo ele não conduziu a carreira esportiva dele da maneira que você exige para a Seleção, com dedicação plena e total. O Ronaldinho, não sei, como vou analisar o comportamento de um ser humano que eu não conheço na intimidade? A gente não conversa, mas o que ele nos passa é que está feliz com o que atingiu no futebol, as conquistas que ele teve, e depois que ele está feliz em continuar jogando futebol, da maneira que ele gosta, da maneira que ele pretende. Acho que para a Seleção Brasileira, para uma Copa do Mundo, talvez precise um pouquinho mais do interior, da vontade, da disposição. Não é que ele tenha perdido isso, mas quando teve oportunidade a gente não viu, não pode constatar que essa chama estava viva lá. Ninguém discute a qualidade do Ronaldinho, um dos maiores jogadores que eu vi atuar na minha vida. Nossa, a fase dele anterior a Copa de 2006, jogando pelo Barcelona, foi uma coisa fantástica, de você ficar encantado, com as coisas que ele fez, e de repente a situação mudou bruscamente, o que não favoreceu o Ronaldinho, no aspecto de ser novamente convocado. Nós até demos duas oportunidades, foi titular no primeiro jogo do Felipão contra a Inglaterra, e depois na partida contra o Chile em Belo Horizonte foi capitão. Então ele teve as oportunidades, agora cabe a comissão técnica decidir se tem o interesse ou não em trazer.

ZH – Você trabalhou no Inter em 2000. Como viu os anos seguintes com a sequência de títulos e agora a tentativa de retomada?

Parreira – Eu trabalhei em um clube que fiquei imensamente honrado pela história e tradição. Aliás, os dois clubes do Rio Grande do Sul, Inter e Grêmio, tem essa história. Me coube trabalhar no Inter. Fiquei impressionado com a pujança daquele clube, com a força da torcida, do que ele representa para o estado e para o Brasil. Mas foi uma fase de transição muito grande. Tivemos um presidente, Fernando Miranda, maravilhoso, acho que para o clube ele foi fantástico. Ele e a equipe dele toda, com o Medina lá, eles reconstruíram o Inter, acertaram as dívidas, fizeram uma estrutura que proporcionou para quem veio depois, que era muito competente também, o Fernando Carvalho, que impulsionou aquilo tudo que foi feito. Então para mim o Miranda foi fundamental para essa retomada do sucesso. Ele vendeu o Lúcio e o Rochemback, não comprou ninguém, saldou as dívidas, saneou o clube e investiu na base e depois veio o Carvalho que é muito bom, então o Inter deu sorte com esses dirigentes. E agora com esse estádio maravilhoso que me disseram que é um dos mais bonitos da Copa, ainda não vi, tem tudo para retomar o caminho das vitórias.

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ZH – Mas a Arena você conheceu no amistoso Brasil x França, o que achou?

Parreira – Conheci, muito bom, é excelente, o Rio Grande do Sul vai ficar com dois estádios maravilhosos.

ZH – Normalmente em Copas se fala de alguma seleção que possa ser a surpresa. Teve o ano da República Tcheca, que chegou badalada, agora se fala muito no Chile e na Bélgica. Você vê algum time nesta situação?

Parreira – Candidatos para mim são sempre os eternos campeões do mundo, Brasil, Argentina , Uruguai, Alemanha, Inglaterra, Itália, Espanha, não tem jeito, a história mostra isso. A França está crescendo novamente. Mas eu acho que os sul-americanos vão fazer muito bonito nessa Copa. O Chile tem um timaço. Estava olhando agora, eles só tem um atleta que joga no Chile, todos os outros atuam em equipes de ponta do futebol europeu. É um time experiente, tem um baita jogador que é o Alexis Sanchez. Jogaram agora contra a Alemanha, perderam por 1×0, mas mereciam ter vencido por até três gols de diferença. Não vou dizer que deram um passeio, mas encurralaram o time alemão em casa, saíram vaiados pela própria torcida. Então o Chile pode surpreender naquele grupo que os favoritos são Espanha e Holanda. A Colômbia tem esse desfalque do Falcão Garcia, mas pode fazer uma Copa muito boa, a Argentina já é tradicional, tem o maior jogador do mundo que é o Messi, tem tradição, o próprio Uruguai tem time super experiente da última Copa e cresce nessas competições. Eu acho que os sul-americanos vão fazer um papel muito bonito.