“Pai, um dia eu vou casar e ter filhos. E o que eu vou dizer a eles quando me perguntarem o porquê dos bisavós, da tia e do primo terem morrido assim, de forma tão cruel? Como eu vou explicar que eles foram assassinados por um de nós? A família Flores vai carregar essa mancha para sempre?”

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As perguntas, carregada de incredulidade e tristeza, foram feitas por um adolescente, filho de Carminha Flores e Waldir Ferreira Romão, filha e genro de Luiz, de 72 anos, e Carmen, de 69 anos, assassinados pelo próprio filho a marretadas e marteladas, na noite de 7 de dezembro, uma sexta-feira, em sua casa na localidade de Gravatá, no Bairro Olaria, em Penha, no Litoral Norte catarinense.

Além do casal de idosos, também foram mortos no mesmo local Leopoldina Flores, 41 anos, irmã do matador, e o filho dela, Pedro Henrique, de apenas 10 anos. Uma chacina em família.

Os pais não têm o que responder ao menino, incrédulo diante de tanta crueldade e violência. A família inteira não encontra palavras para expressar o que sente, e mesmo passada mais de uma semana da tragédia, falar sobre o assunto é muito difícil, e sempre acaba em lágrimas e muita revolta. Não tinha mesmo como ser diferente.

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Perder os parentes brutalmente assassinados já seria tragédia suficiente para abalar para sempre a vida de qualquer pessoa. O que dizer, então, quando o assassino é um dos filhos, que vivia sob o mesmo teto dos pais, da irmã e da criança? O que torna tudo ainda mais difícil de ser compreendido é que, pelos depoimentos dos outros irmãos, Luiz Carlos Flores, 35 anos, conhecido como Liquinha e autor confesso da chacina, vivia em harmonia com os pais, adorava a mãe, brincava sempre com o sobrinho pequeno. Tinha algumas desavenças com a irmã, mas nada que justificasse um acesso de fúria tão violento.

Os quatro foram encontrados com os rostos desfigurados pelos golpes de martelo. Respingos de sangue das vítimas ainda estão nos quartos da casa, uma moradia simples, sem luxo, mas onde, até a noite da tragédia viviam tranquilos os patriarcas da família Flores, uma das mais antigas e tradicionais no bairro. Um casal que só deu bons exemplos: honestidade, caráter, disposição para o trabalho, piedade, amizade.

Por motivos ainda não bem claros, um dos 10 filhos – pelo qual a mãe mais zelava e orava, por saber de seu envolvimento com drogas – matou um por um, a começar pela mãe. E, antes de se entregar à polícia, no domingo, foi ao velório da família no sábado. Parece coisa de cinema, mas é a vida real. No que ela tem de mais sórdido e cruel.

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Comunidade incrédula com violência

Uma semana após a tragédia, o clima na pequena cidade litorânea de Penha, que tem pouco mais de 25 mil habitantes (número que cresce para mais de 100 mil nos meses de verão), ainda é de incredulidade e medo. O assassino dos Flores está preso, em lugar não revelado, e deverá pagar pelo que cometeu. Mas o receio das pessoas é de que tragédias parecidas aconteçam, já que o consumo de cocaína e crack cresce dia após dia na região, principalmente entre os jovens.

– Ninguém está livre de uma barbaridade dessas, porque quando a pessoa está drogada ela perde a razão – comentou Maria Lucia Silveira, que mora nas redondezas da igreja, ao dizer que não se comenta outro assunto na cidade.

– Aqui a gente tem muito roubo, mas tragédia assim, envolvendo assassinatos em família, é a primeira vez. Infelizmente, Penha ficou conhecida no mundo inteiro de uma forma negativa – disse o comerciante João Rodrigues. Todos que entram em seu estabelecimento querem saber mais notícias sobre o crime.

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Na missa de sétimo dia de Luiz, Carmen, Leopoldina e Paulo Henrique Flores, realizada na noite de quinta-feira na Igreja São Judas Tadeu, na Armação, em Penha, a família Flores ocupou as primeiras fileiras de cadeiras, todos usando camisetas com as fotos dos quatro mortos e os dizeres: Saudades eternas da família.

A igreja estava lotada de amigos, vizinhos e conhecidos. Duas netas prestaram homenagens aos avós, a quem choram de “exemplos de vida”. Durante o sermão, o padre Alcimir Pillotto voltou a falar sobre o problema das drogas e criticou os governantes, que “fazem vistas grossas” a este problema tão grave, que vem destruindo a vida de muitas famílias no mundo inteiro.

– A partir de agora, é tentar dar a volta por cima. Esquecer o que aconteceu não vamos nunca, mas acreditamos que Deus nos dará força para seguir em frente – disse o pescador Roberto Flores, 50 anos, outro filho do casal que mora na mesma rua.

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Mais três irmãos foram depor na Delegacia de Polícia Civil de Penha, na manhã de sexta-feira. Na saída, o comentário era o mesmo: Liquinha tem que pagar pelo que fez, mas nada vai trazer nossos pais de volta. O único jeito é seguir em frente, deixando este caso nas mãos da justiça dos homens e, principalmente, na justiça de Deus. Atualmente, Liquinha trabalhava como motorista de um loja de materiais de construção em Penha.

O escrivão Maciel, da DP de Penha, é o responsável pelo procedimento de inquérito policial, e até sexta-feira havia colhido os depoimentos de 14 pessoas ligadas à família. Até terça-feira o relatório deverá ser entregue ao juiz da Vara Criminal de Balneário Piçarras. Maciel, que é policial há mais de 15 anos em Penha, diz que nunca havia visto um crime com tamanha brutalidade.

– Temos muitos casos de usuários e tráfico de drogas e cerca de 10 homicídios por ano, além de assaltos. Mas como esta chacina, eu nunca tinha presenciado. Foi realmente chocante.

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O último de 22 netos

A irmã “Preta” seria o alvo do assassino. Todos conheciam Leopoldina Flores, 41 anos, como “Preta”. Filha de Carmen e Luiz, trabalhou muito tempo como manicure, mas estava muito feliz, nos últimos meses, porque havia encontrado um bom serviço numa loja de peças para automóveis. O filho, Pedro Henrique, era fruto de um relacionamento antigo. Os dois moravam com os pais dela, onde cada um tinha seu quarto.

– A Preta vivia para aquele menino. Era tudo para ela, e para minha mãe também, porque ele era o mais novo dos 22 netos. Um menino alegre, inteligente. Ele havia se classificado para a etapa regional do Soletrando, programa do Caldeirão do Huck. Passou para a quinta série. Eles ainda tinham dois bisnetos, e mais um que está a caminho – diz Roberto Flores, que mora na mesma rua da mãe.

Preta e o irmão Liquinha tinham desavenças, mas nada que pudesse fazer alguém supor que um dia ele iria querer matá-la. Mas o irmão achava que ela “envenenava” a mãe contra ele e decidiu dar cabo da vida da irmã. Para a mãe não sofrer com a morte da filha, resolveu assassiná-la também. O pai e o sobrinho teriam sido mortos porque testemunharam o crime.

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