Em uma das 24 carteiras dispostas em formato de círculo na sala de aula do Sesi de Blumenau, Jéssica Flores Divino, 26 anos, repousa os braços cobertos pela manga comprida na semana mais fria do ano, faz anotações e observa com olhares fixos os sinais da intérprete de Libras. A deficiência auditiva de nascimento, por complicação de um caso de rubéola da mãe na gestação, nunca foi motivo para afastar a moradora do bairro Velha Central da sala de aula. Hoje casada e com um filho de seis anos, ela já cursou semestres de Publicidade e Propaganda, Design e fez cursos como o de auxiliar de veterinária.

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Há três semanas, porém, Jéssica começou a frequentar o curso Escola Inclusiva, fruto de uma parceria entre a Viacredi, o sistema Cecred e o Sesi. Durante três meses, 24 alunos com deficiência terão aula duas vezes por semana sobre competências de trabalho, português e matemática. Ao final das disciplinas, os estudantes poderão ser contratados pela cooperativa ou mesmo por outras empresas que recrutam pessoas com deficiência.

¿Meu objetivo é o desenvolvimento pessoal e poder mostrar que a pessoa com deficiência tem que estar no mesmo padrão, é capaz de fazer tudo e tem que estar em condição de igualdade¿, contou a aluna por meio de língua de sinais à intérprete.

A consultora do Programa de Inclusão do Sesi, Thaís Tavares Pompeo, explica que o diferencial do curso em comparação com outras iniciativas semelhantes é o fato de a formação ser customizada de acordo com as necessidades do mercado.

– Muitas empresas trazem queixas de que entre pessoas com deficiência às vezes falta a capacitação adequada e a intenção do curso é oferecer essa demanda mais adaptada ao que as empresas precisam – aponta.

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– Se tivermos pessoas com aderência ao perfil (das cooperativas), pretendemos reter, mas o foco é aplicar nossos valores e dar oportunidade de desenvolvimento – completa a coordenadora de Gestão de Pessoas da Cecred, Maria Helena Torquato.

Oportunidade de qualificação para voltar ao mercado de trabalho

O curso é uma oportunidade que também enche os olhos de Jefferson Filipe Carvalho, 20 anos. Ele sofre de uma distrofia muscular e não pensou duas vezes quando viu as propagandas do curso. As lições de matemática financeira são as que mais o empolgam. Entre 2014 e 2015 trabalhou como menor aprendiz em uma empresa têxtil, gostou da experiência com recursos humanos e quer voltar ao mercado após a conclusão do curso.

– Gosto de trabalhar com números e espero conseguir uma oportunidade na área de finanças ou de contabilidade. Mas também ainda penso em uma faculdade de Engenharia de Produção – cogita o morador do bairro Itoupava Central.

A distância que ainda predomina entre candidatos como Jefferson do mercado de trabalho infelizmente não chega a ser exceção. A Lei de Cotas exige que empresas com mais de 100 funcionários tenham de 2% a 5% do quadro de pessoal composto por pessoas com deficiência – as PCDs. Segundo cálculo do Ministério do Trabalho, isso significa que Blumenau deveria ter 2,2 mil vagas ocupadas por trabalhadores com este perfil. No entanto, hoje há apenas cerca de 800 postos preenchidos por PCDs, o que representa uma lacuna de pelo menos 1,4 mil vagas. Segundo o Censo de 2010 do IBGE, Blumenau tem 19,6 mil pessoas com deficiência total ou de grande dificuldade.

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– Essa diferença ocorre por uma junção de fatores. Por um lado muitas empresas relatam dificuldade para chegar até essas pessoas, mas por outro muitos já não se candidatam por estarem um pouco calejados de processos seletivos em que não são contratados, muitas vezes por um pré-conceito do recrutador, que não considera a pessoa capaz de determinada função, sendo que ela é – avalia Thaís, do Sesi de Blumenau.

Para ela, falar sobre o assunto nas empresas e na sociedade e mostrar as potencialidades das pessoas com deficiência é a principal forma de mudar essa realidade e confirmar a promessa de um futuro mais inclusivo.