Condenado pelos deuses gregos a, todos os dias, carregar uma pedra nas costas montanha acima e, ao chegar à metade do morro, ter que descer e voltar a subir carregando a pedra, o mortal Sísifo dá nome à operação da Polícia Federal de SC em que 21 paraguaias foram libertadas do peso de se prostituírem em boates no Sul do Estado. Duas mulheres e um policial militar da reserva foram presos por suspeita de tráfico internacional de pessoas.
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As 21 mulheres paraguaias estavam vestidas para satisfazer seus clientes de todos os tipos e idades quando policiais federais e militares anunciaram sua chegada, por volta das 23h de quarta-feira. Equipes com 30 policiais da PF e do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar se dividiram entre as boates Love Night e Talismã, em Imbituba, e Boate da Arlete, na vizinha Imaruí. Representantes do Consulado do Paraguai em Curitiba acompanharam a operação coordenada pelo delegado Roberto Cardoso, titular da Delegacia de Repressão ao Tráfico de Pessoas da PF.
As jovens paraguaias, com idade entre 18 e 24 anos, algumas bonitas e todas muito pobres, ficaram surpresas com a chegada da polícia. Elas não falam o português e mal entendem o espanhol. Estão acostumadas a se comunicar em guarani, idioma oficial de seu país. Nasceram em famílias humildes e viviam em situação de vulnerabilidade social. São da região de Ciudad del Este, cidade que faz fronteira com o Brasil e onde trabalha uma das pontas da rede de tráfico internacional.
Uma cafetina que agencia as jovens e cobra até R$ 800 por mulher ao atravessador no Brasil. Para algumas, promete trabalho como empregadas domésticas. Para a maioria, garante dinheiro com a prostituição. Não é o que acontece. Muitas retornam ao seu país sem dinheiro, porque são obrigadas a pagar os custos da viagem. Algumas querem retornar, mas não são liberadas sem antes pagar a viagem. As moças acabam pagando para trabalhar. Seus exploradores, os donos das boates, ficam com quase a totalidade da renda.
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Aos 20 anos de idade, a paraguaia filha de policial chorou de tristeza e pavor com a possibilidade do pai descobrir que ela não veio a Santa Catarina trabalhar como empregada doméstica, profissão que exercia antes. Algumas se emocionaram com a possibilidade de serem libertadas. Depois de prestarem depoimento à PF, partiram num ônibus fretado pelo Consulado, às 7h30min, rumo ao Paraguai. Elas e um bebê que ainda está na barriga de uma das jovens traficadas.
Polícia acredita que tráfico de pessoas acontece há pelo menos um ano
A PF acredita que este tipo de tráfico existe há pelo menos um ano em SC. Os traficantes de pessoas agem com voracidade. Fazem sistema de rodízio, com média de 20 paraguaias por leva de mulheres. Só as liberam depois de seis meses, com a viagem paga.
Um policial militar da reserva é suspeito de ser sócio da boate Love Night, uma casa alugada em Imbituba que ele e a sócia adaptaram em pequenos cômodos onde as paraguaias se deitam com brasileiros. É lá que trabalha uma das 21 mulheres libertadas. Fazia programas mesmo grávida de seis meses.
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O policial registrou boletim de ocorrência há 15 dias reclamando que na “encomenda” trazida do Paraguai vieram duas adolescentes de 17 anos. Elas não sabiam que seriam prostituídas. A polícia acionou o Conselho Tutelar. Uma retornou ao país de origem, e a outra está foragida. O PM, a sócia dele e a dona da boate em Imaruí foram presos em flagrante.
O dono da Talismã não foi encontrado e será indiciado no inquérito. Todos responderão por tráfico internacional de pessoas, cuja pena é de três a oito anos de prisão, e também por manter casa de prostituição para exploração sexual, crime com pena de dois a cinco anos. São crimes inafiançáveis. Os três ficaram detidos na carceragem da PF.
As paraguaias entram no Brasil com visto de turista. Normalmente, são 90 dias prorrogáveis por mais 90, mas há casos de vistos de 10 dias. Uma das 21 mulheres recebeu os 10 dias em julho. Esta e outras licenças vencidas foram apreendidas na operação. As investigações continuam.
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– Estamos atentos a este tipo de crime revoltante contra a pessoa humana. Geralmente são pessoas humildes, induzidas a viajar a países com promessas de melhorar de vida e acabam em regime de escravidão – observou o delegado Ademar Stocker.