As calçadas da Rua Antônio da Veiga continuam disputadas. Em meio ao vaivém de carros, ainda é possível encontrar jovens praticando corrida, passeando com cachorros e estudantes universitários a passos rápidos a caminho da Furb ou retornando das aulas. Mas nos últimos anos neste endereço também passaram a se multiplicar restaurantes e estabelecimentos destinados à alimentação.
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Quem trafega pelos 2,3 quilômetros que compõem o trajeto entre as ruas Antônio da Veiga, Almirante Tamandaré e Alberto Stein, nos bairros Victor Konder e Velha, percorre o trajeto como quem vira as páginas de um cardápio. Pode escolher entre comida nordestina, brasileira, hambúrguer artesanal, sushi, pizza, petiscos, os clássicos “xis” e lanche árabe. Há dois anos, esta região ganhou ainda o reforço de um food park. Toda semana, sete carros diferentes estacionam por cinco dias para oferecer mais variações de comida de rua para o blumenauense e o turista.
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O que acontece na Rua Antônio da Veiga é apenas um exemplo em menor escala do que ocorre na cidade como um todo. Máximo respeito ao marreco recheado, joelho de porco e salsichão, que continuam tendo lugar cativo em restaurantes e principalmente nas festas típicas blumenauenses, sobretudo na Oktoberfest. Mas a gastronomia da cidade nos últimos anos abriu-se para novos sabores, originários da cozinha brasileira ou internacional, alcançando uma gastronomia mais diversificada, atual e cosmopolita.
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Essa identidade é fortalecida por iniciativas como a de Paulo Bardini, 26 anos. Formado em Economia, ele trabalhava como representante comercial até junho do ano passado, quando se associou a um conhecido para investir em algo próprio. A dupla criou um food truck que aposta em massas artesanais inspiradas na cozinha italiana.
Como todo negócio, no começo foram necessárias adaptações, mas agora Paulo conta que o truck já permite que ele e a namorada estejam “se estabelecendo financeiramente”. Em um sábado movimentado no food park são vendidas até 150 porções. A dupla investiu até mesmo em um segundo carro, destinado a diferentes cortes de carne.
– Queríamos desmistificar a ideia de que a comida de rua precisa ser apenas hambúrguer ou lanche. O blumenauense reagiu bem à novidade da comida italiana no truck, muito por causa de sua cultura. De dois ou três anos para cá a gente vê o mercado crescendo bastante, embora o blumenauense às vezes não seja tão aberto a mudar velhos hábitos – avalia o empreendedor.
Variedade por meio dos carros
O aumento de food trucks na cidade também ajudou a disseminar um conceito mais diversificado de culinária na cidade. Hoje há cozinhas sobre rodas especializadas em culinárias um tanto quanto fora do circuito, como iraniana, árabe e holandesa. Não há dados específicos deste setor porque ainda não existe uma regulamentação dos trucks na cidade – um projeto de lei ainda tramita na Câmara de Vereadores.
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Há dois anos, Stéfano Lucchesi identificou esse potencial que a comida de rua alcançaria e construiu o food park na Rua Almirante Tamandaré, que hoje integra a região batizada de Via Gastronômica. Nesse local uma lei municipal permitiu facilidades como o uso das calçadas para a colocação de mesas e cadeiras e é visto como um aliado por facilitar a localização para quem busca opções de alimentação em um local específico.
Quando alguém o consulta sobre um possível novo investimento, ele sempre sugere que o interessado procure o que ainda não é oferecido.
Preferência pelo hambúrguer e espaço para cozinha brasileira
Os carros de comida de rua viveram anos de crescimento e até de certo modismo, mas não são somente eles os responsáveis por mais diversidade na gastronomia local. Restaurantes mexicanos, italianos, japoneses e havaianos já firmaram lugar entre as opções da cidade. Mas também há espaço para as diversidades do próprio país.
Há três meses Renata Justi comanda um restaurante no coração justamente da Rua Antônio da Veiga. Depois de quatro anos com outro estabelecimento no mesmo endereço, ela criou uma casa com a proposta de oferecer comida brasileira. No cardápio, intercala carnes e pratos tradicionais que já caíram no gosto dos blumenauenses com comida de boteco, feijoada aos sábados e iguarias comuns da culinária nordestina, como bobó de camarão, moqueca, tutu de feijão e baião de dois. A cozinha também aposta em sucessos como carne de sol e linguiça Blumenau e traz ingredientes mais tropicais a alguns pratos.
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– No começo precisamos fazer algumas adaptações no cardápio, como incluir massas e risotos, algo muito pedido pelos clientes, mas mantendo a proposta de comida brasileira. Hoje temos clientes que procuram, por exemplo, o bobó de camarão, que praticamente não existia aqui. O cliente em Blumenau é muito específico. Se quer comida alemã, vai no restaurante específico, se quer pizza, vai em determinada pizzaria, eles são muito leais ao que o restaurante propõe – avalia Renata, que se diz satisfeita com os resultados dos três primeiros meses do novo restaurante.
Cardápio variado é bom e todo mundo gosta, mas o hambúrguer ainda é um queridinho dos blumenauenses. O restaurante do casal Bruno Henrique e Nana Oliveira surgiu há quatro anos como primeira hamburgueria artesanal da cidade, acompanhando uma tendência mundial da época. Caiu nas graças de um grande público. Construiu a trajetória justamente nos anos de maior recessão do país. A receita desse sucesso, segundo Bruno, é a qualidade do produto, feito artesanalmente, e dos ingredientes – 70% deles têm como origem produtores regionais. A ideia deu tão certo que o restaurante criou uma segunda unidade no ano passado e inaugura nesta segunda-feira a primeira unidade no modelo de franquia, em um shopping no Centro da cidade.
– O blumenauense gosta de comer fora e sabe comer bem, é exigente. Isso força os estabelecimentos a oferecerem produtos de qualidade, caso contrário podem ficar pelo caminho – avalia Bruno Oliveira.
Cultura da noite e espaço para comida típica
Os empresários da gastronomia da Rua Antônio da Veiga saíram na frente com a criação da Via Gastronômica. Mas para o presidente da Associação Blumenau Gastronômico, Develon da Rocha, esse é um fenômeno que vai se repetir em outras regiões que reúnem restaurantes de qualidade, como a Alameda Rio Branco e a Rua Curt Hering.
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A cidade que perdeu símbolos como o Frohsin viu crescer o número de outros estabelecimentos e até hotéis aprimorarem a vocação na preparação de pratos sofisticados. Assim como as cervejarias, que também se tornaram em atrações gastronômicas. O vice-presidente do Sindicato de Bares, Hotéis e Restaurantes (Sihorbs), Emil Chartouni Neto, conta que nos últimos 15 anos a cidade assistiu a uma mudança da cultura estritamente industrial, dedicada a dormir cedo para trabalhar no dia seguinte, para a cultura da noite, fortalecida pela chegada de moradores de outras partes do país. É essa mistura que, segundo ele, hoje favorece a lotação de bares e restaurantes de Blumenau em uma terça ou quarta-feira, por exemplo.
Segundo a Secretaria Municipal de Gestão Financeira, o número de bares e restaurantes cresceu 38,3%, passando de 615 para 851 nos últimos 10 anos.
– Gastronomia é arte, é cultura, é turismo também. A economia toda se mobiliza e ganha. Se (os empresários) estão investindo, é porque tem mercado. O poder aquisitivo do Vale Europeu também ajuda. O blumenauense sai de casa para comer – analisa Rocha.
Não é porque há uma variedade cada vez maior que a comida alemã tenha perdido espaço em Blumenau. O chef alemão Heiko Grabolle, referência na culinária germânica da cidade, afirma que nas padarias, as cucas e strudels mantêm vivos o DNA da cozinha alemã, mas reconhece que nas opções de jantar é mais difícil encontrar restaurantes que sejam totalmente dedicados aos pratos típicos. Um dos motivos que ele identificou foi porque há uma visão da comida alemã muito pesada. Em razão disso, há cerca de quatro anos ele comanda um projeto no Senac Blumengarten que trouxe pratos com mais molhos e mais texturas, que garantem uma sensação mais leve à cozinha germânica.
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– Criamos um conceito de cozinha alemã mais alegre e tem dado muito certo. Nós acreditamos muito nisso. Hoje vivemos a era do hambúrguer, como já existiu a era do sushi, da pizza há 20 anos. Acreditamos que a próxima vai ser a era dos embutidos artesanais – diz o chef.