Passou o tempo em que resiliência era o sentimento essencial para sobreviver no Brasil sendo mulher. Agora é necessário evocar sentimentos que mexem com o estômago e contar com a sorte.
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Nos últimos dez dias (e não apenas neles) fomos atacadas selvagemente com atitudes privadas expostas em julgamentos de praça pública. Primeiro uma menina de 10 anos, estuprada em casa, que teve o aborto legal ao qual tinha direito negado pela Justiça e por um hospital.
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O fato, mesmo contado com responsabilidade, foi para o tribunal dos comentários e de forma leviana e cruel passou a ser político como se falássemos da uva passa no Natal. Todos queriam opinar, sem delicadeza na abordagem até mesmo nas instituições que deveriam amparar a vítima. O caso culmina com um pedido insano de CPI na Assembleia Legislativa de Santa Catarina expondo menina, mãe, investigação, falando de um assunto sério que não foi tratado no âmbito legislativo até então, mas se tornou “interessante” três meses antes da eleição.
Este caso ainda nem tinha sido digerido quando veio a história de Klara Castanho à tona. E aqui invoco quem teve filhos com planejamento, organização, estrutura. É lindo, mas alucinante. Requer habilidades que vão além do financeiro. Imagina para quem engravida de um estupro. Um ato não consentido, violento, criminoso e traumatizante. Amparada pela lei e pela privacidade que lhe é de direito, a artista entregou o bebê à adoção.
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O mais revoltante é ver que outras mulheres trazem isso à tona sem qualquer responsabilidade, respeito, sem pensar na palavra da moda, a tal “sororidade”, como donas dos bons costumes, sem citar que na solidão engolem a seco o comportamento machista do pai, do marido ou do desconhecido. E não falo de feminismo, falo do esquecido respeito.
Agressões a jornalista se tornaram comuns. Louvável quem vai à Justiça, leva adiante ofensas gratuitas por simplesmente fazerem o seu trabalho. Há ainda os milhares de casos que ficam à margem com vazamento de telefone, mensagens no privado, piadas de corredor, ameaçadas veladas, grosserias no dia a dia, humilhações, piadas infames, ameaças. Parte do que ruiu com o mandato de Pedro Guimarães na Caixa Econômica Federal, uma das principais estatais do país. Dezenas de funcionárias denunciando comportamentos dignos de náuseas.
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E se quisermos ficar no âmbito de “casa” é só lembrar daquela tradicional dificuldade de andar em segurança na rua, das piadinhas do homem que passa de carro enquanto você corre, da justificativa do assédio pela roupa decotada ou curta.
Enfim, está valendo lembrar que o que nos diferencia do animal é a racionalidade, ou seja, de controlar o instinto primitivo com amparo da inteligência. Mas os fatos que tiram o sono e a paz nos últimos dias parecem ser só o meio caminho andado para a volta ao primitivo. Só falta a forca.
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