Coordenador do Programa de Educação Superior do Banco Mundial, o mexicano Francisco Marmolejo, 53 anos, há duas décadas percorre países para captar boas práticas e influenciar as universidades a se desenvolver científica, econômica e socialmente. Doutor em Administração com foco em agropecuária, Marmolejo participou da criação da Rede de Associações de Educação Internacional (Niea), que reúne órgãos educativos e líderes das mais importantes universidades internacionais, e integra a Associação Internacional de Universidades (IAU), vinculada à Unesco. Ele esteve na PUCRS na semana passada para debater a necessidade de inovação no Ensino Superior, em especial quanto à internacionalização – considerada por ele, mais do que desejável, necessária.

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Ainda são poucas as aulas em inglês dentro das universidades brasileiras, algo comum em outros países. Começamos muito tarde a internacionalização?

É um pouco tarde para tentar resolver uma deficiência persistente na aquisição de uma segunda língua. Não basta a universidade esperar que, até essa idade, os estudantes dominem uma segunda língua. A internacionalização permite aos alunos ter melhor conhecimento de um mundo cada vez mais complexo, trabalhar em ambientes multiculturais e fazer com que os futuros profissionais tenham mais apreciação pelo próprio idioma e cultura.

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Por que ensinar estudantes universitários em outra língua é importante?

Não falar inglês é uma das limitações para o país. Se você for ver exemplos de países que conseguiram atrair mais estudantes internacionais, entenderá que eles decidiram ensinar, além da língua local, também em inglês. Veja os casos da China e de muitos países europeus. Até na América Latina você começa a ver isso. Para o Brasil ser relevante no mundo, precisa falar inglês.

Aulas em inglês não acabam segregando? São poucos os que dominam outro idioma.

Esse é um dos problemas. Creio que o maior desafio é o fato de que apenas poucos brasileiros se beneficiam do Ensino Superior, em português ou qualquer outra língua. Ao olharmos para os dados, fica bem claro que o país tem todos os ingredientes para se tornar um protagonista na economia global, mas sem a preparação adequada dos indivíduos, essa possibilidade se torna muito mais difícil. Falar outra língua é uma boa maneira de entender como as pessoas pensam, interagem, e assim se tornar um cidadão global mais tolerante.

Essa medida não acarreta no risco de mercantilização da educação?

Há uma série de riscos que a educação internacional traz consigo. Entre eles está a mercantilização, o caso indesejável de ver estudantes como “mais dinheiro”, o que acontece em vários países. Os europeus, por exemplo, indicaram a necessidade de desenvolver regras mais adequadas para zelar pelos direitos de estudantes internacionais como se estivessem em casa. Outro risco significativo é de que, quanto mais internacionais as instituições ficarem, mais elas terão a tendência de se tornarem menos conectadas localmente.

O senhor salienta a necessidade de aumentar o acesso ao Ensino Superior, mas o que é mais importante: qualidade ou quantidade?

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O que é mais relevante para o Brasil? Pensemos na Universidade Harvard: qual seu mérito, quando há um grande número de estudantes tentando entrar lá? Eles têm o luxo de pegar os melhores. Em comparação, vejamos uma universidade de tamanho médio em um Estado mediano: eles não pegam os melhores estudantes, mas aqueles que apresentam alguma deficiência em sua educação anterior. Essa instituição pode estar ajudando mais os estudantes do que aquela que tem o luxo de escolher. Então, qual é melhor? Tudo é relativo. Qual mais contribui para as necessidades da sociedade e da economia? Creio que ambas.

Programas como o Ciência sem Fronteiras, que oferece bolsas para alunos estudarem fora do país, são válidos para desenvolver a educação aqui dentro?

Estratégias como essas são boas, mas não suficientes. Por quê? No melhor cenário, mesmo com todo o dinheiro do mundo, elas poderiam beneficiar apenas um número muito pequeno de estudantes. No caso brasileiro, ir de 1% para 3% de estudantes representa um grande esforço, mas ainda estamos deixando 97% deles sem a oportunidade de ter essa dimensão global em sua preparação.

Qual a receita para que o país tenha mais relevância internacional quando se fala de Ensino Superior?

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É preciso aumentar o acesso ao Ensino Superior, para mais pessoas no país, especialmente aquelas que vêm de setores desprivilegiados. Em segundo, ter certeza de que a educação seja muito mais relevante, que os conteúdos oferecidos aos estudantes sejam mais importantes, e que essa relevância se traduza no posicionamento do país de maneira mais competitiva.

* Zero Hora