Quem lida com negociação sabe que a tarefa não é para amadores. Dominar as técnicas, conhecer bem o negócio e o interlocutor são algumas das exigências, mas quando a missão envolve outro país, o que já era difícil torna-se mais desafiador.

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O negociador terá que dominar, também, as particularidades daquela nova cultura. E experiências internacionais serão cada vez mais frequentes com o fenômeno da globalização.

O tempo de negociação, a construção de relacionamentos e até a postura, tudo muda de um lugar para outro. Para ter sucesso, é preciso aprender cada cultura, como fez a diretora administrativa e comercial da empresa joinvilense NSO Borrachas, Karla Rosane Ernst de Mello Kalef.

Há quatro anos, ela participa de feiras e rodadas de negócios durante missões empresariais para Arábia Saudita e no Sudão. Já fez bons negócios e, de tão acostumada, já sente até saudades.

– Dizem que na Arábia Saudita não se negocia com mulheres, mas isto não é verdade. Negociam, desde que a mulher tenha postura – afirma.

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Logo ao desembarcar no aeroporto, Karla veste a roupa feminina padrão na Arábia Saudita: o véu e a abaya (vestido preto que cobre todo o corpo). Mas não é só isso. Para impor respeito, cuida de cada gesto.

Nas reuniões, as mãos ficam em cima da mesa sobrepostas, a esquerda em cima da direita para mostrar a aliança. As mangas do vestido cobrem a pele até o punho. Os cabelos ficam, de preferência, totalmente cobertos pelo véu. Mas, às vezes, o véu sai do lugar e os cabelos loiros aparecerem um pouquinho. Karla diz que não faz mal, por se tratar de uma estrangeira.

Embora muito comunicativa, quando está na Arábia Saudita karla também evita sorrir abertamente. E um aperto de mão é suficiente ao cumprimentar os interlocutores.

Certa vez, um descuido acabou tendo um efeito inesperado. Ao ligar o notebook para projetar a apresentação de sua empresa, esqueceu que na tela inicial havia uma grande foto de sua familia. Como a família é sagrada para eles, a cena foi o suficiente para ganhar o respeito e a simpatia entre os presentes.

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Karla também procura conhecer a região que visita, pois sabe que as oportunidades podem estar em qualquer lugar. Foi assim quando fechou um dos negócios internacionais mais recentes.

Certo dia, no Sudão, percebeu muitos pneus jogados nas estradas e procurou entender o que ocasionava aquilo. Descobriu que os pneus estouram frequentemente devido à grande oscilação de temperatura. Da curiosidade, nasceu uma parceria para transferência tecnológica e de material para reciclagem do produto.

Planejamento, a palavra-chave em negociação

Se você é iniciante no ramo de negociação e seu chefe lhe deu a missão de discutir negócios com estrangeiros, é bom se preparar com antecedência. Planejamento é a palavra-chave antes de qualquer negociação internacional, explica a assessora de relações internacionais e professora da Universidade da Região de Joinville (Univille), Jurema Tomelin Barg.

Ela aconselha estudar sobre o país, seus costumes e ter bem claro o objetivo da viagem. Um cuidado simples para não errar logo de início, é verificar os feriados locais. Algumas datas são tratadas com muita importância e marcar reuniões nesses dias é uma grande gafe.

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Vale a pena, também, dar uma olhadinha nos jornais locais ao chegar. Jurema afirma que isto demonstra interesse pela localidade e contribui para estabelecer uma conversa informal com os interlocutores.

Gesticular demais é algo que deve ser evitado em qualquer lugar, diz Jurema, porque pode ser interpretado como falta de preparo.

Alguns costumes são bem específicos, por isso, cada viagem é única. De acordo com a professora da Univille, os árabes querem conhecer a pessoa por trás do cartão de visita. E nessa cultura, nunca se deve mostrar a sola do sapato. Algo considerado indelicado.

A troca de cartão acontece com as duas mãos e este nunca deve ser colocado imediatamente no bolso. Ainda que não entenda o idioma, o ideal é fazer uma expressão de aprovação, olhar atentamente para o que está escrito no cartão e, só então, deixá-lo na mesma ao seu lado. Jamais colocá-lo no bolso ou na pasta imediatamente.

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Outro cuidado é não tirar conclusões precipitadas. Os japoneses escutam atentamente e fazem movimentos afirmativos com a cabeça, mas isto não é sinal de concordância, somente de educação. Depois farão as considerações.

Para saber como agir em ambientes tão distintos quanto a China, Sudão ou Estados Unidos, uma dica é conhecer os padrões de comportamento descritos pelo mestre em negociação e escritor Frank L. Acuff. Entre eles, está o uso do tempo. A pontualidade tem peso diferente conforme a cultura. Também é importante saber em que regiões o negociador pensa de forma coletiva e onde é mais individualista, ou quem valoriza mais a forma da apresentação e quais focam o conteúdo.

Confira os padrões de comportamento mais comuns

USO DO TEMPO

Os norte-americanos, suíços, alemães e australianos são normalmente exigentes e exatos na sua administração do tempo…na América Latina, pode-se pensar, e inclusive esperar, que uma sessão de negociação comece meia hora depois da hora marcada. Um atraso de dois meses num projeto no Oriente Médio pode ser considerado mais normal do que anormal. Talvez pensem: “O nosso país tem sobrevivido durante séculos sem esse novo equipamento, e não faz mal se esperamos mais dois meses”.

INDIVIDUALISMO VS. ORIENTAÇÃO COLETIVA

Um estudo clássico do pesquisador holandês Geert Hofstede encontrou grandes diferenças entre países. Sendo 100 a nota mais alta, os gerentes norte-americanos obtiveram 91 pontos, os mais individualistas de todos os países pesquisados. Em seguida, vieram outros países ocidentais como Austrália, Grã-Betanha e Canadá. A maioria das culturas dos países da Orla do Pacífico tem contagem muito menor, indicativa de uma cultura coletiva, como Japão, Hong Kong, Cingapura e Taiwan. Em menor grau, isso também ocorre nos países latino-americanos, onde a contagem variou entre 46 (Argentina) e 16 (Venezuela).

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A ênfase ao grupo ajuda a explicar por que os japoneses são tão lentos ao tomar decisões nas negociações. Precisam de tempo para assegurarem-se de que todos os membros da equipe concordam com a decisão. A ênfase no grupo também condiciona a quem você tenta convencer na mesa de negociações. Os norte-americanos que negociam com outros norte-americanos normalmente procuram o representante mais importante do outro lado. Porém, nas culturas centradas na coletividade, é o grupo, não o indivíduo, que você deve convencer.

ESTABILIDADE DE FUNÇÕES E CONFORMIDADE

Algumas culturas, como as da Orla do Pacífico, frenquentemente, enfatizam mais a forma ou estrutura do comportamento do que o conteúdo. Como fazem as coisas tem uma importância fundamental. Esse fator ajuda a explicar por que os japoneses enfatizam mais o relacionamento com o interlocutor. Conhecer a outra pessoa ajuda a estabilidade e a previsibilidade do processo de negociação. De forma semelhante, os japoneses prestam muita atenção ao ritual, como a apresentação de cartões de visita. Por outro lado, os negociadores norte-americanos, alemães e suíços tendem a enfatizar mais o conteúdo das negociações que a forma como se chega aos resultados finais.

PADRÕES DE COMUNICAÇÃO

Os negociadores norte-americanos, especialmente, prezam a comunicação direta e aberta (vá direto ao assunto). Já as pessoas da Orla do Pacífico, por exemplo, de culturas de conteúdo denso (nas quais o significado da mensagem está embutido no contexto da comunicação)podem considerar essa abordagem agressiva e insensível. Os norte-americanos podem achar difícil acompanhar, julgando inclusive ser enganosa, a comunicação indireta daquela pessoa de sociedade de denso conteúdo, pensando que esta pessoa deve ser dissimulada já que não responde sim ou não.

COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL

Saudações e aperto de mão se fazem de formas diferentes. Por exemplo, os negociadores norte-americanos , alemães e russos têm forte aperto de mão, comparados com os demais. Os norte-americanos normalmente também gostam de muito espaço físico nas suas vidas organizacionais. Isso se reflete numa distância física de mais ou menos um metro, em situações de conversas de negócios. Não há muito contato físico. Quando ocorre, geralmente há desconforto. Se apenas dois passageiros permanecem no elevador após o seu esvaziamento, imediatamente se dirigem para os lados.

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Em outras culturas, a proximidade física, em situações sociais ou de negócios, é muito maior que nos Estados Unidos. Em parte da América Latina e do Oriente Médio, é costume dois colegas de negócios se abraçarem, se beijarem levemente no rosto, e ficarem a apenas uma distância de 30 centímetros, ao conversar sobre negócios. O que faz com que um comportamento não-verbal seja considerado exagerado ou apropriado é uma questão de interpretação cultural. Por exemplo, os latinos se tocam mais que os norte-americanos ou canadenses, que, por sua vez, se tocam mais que os suecos ou ingleses.

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