Um dia após deixar o cargo de comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar em Santa Catarina, o coronel José Luiz Masnik, 52 anos, revelou ao Diário Catarinense os motivos que o levaram a tomar a decisão. Com 30 anos na corporação, destes um ano e sete meses como comandante, Masnik disse que vinha recebendo pressão para cortar gastos na atividade, que julga essencial, e não concordava. Ele também se queixou do tratamento que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) deu aos bombeiros nos últimos anos, “com poucos investimentos”. A seguir trechos da entrevista:

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Diário Catarinense _ Qual o motivo da sua saída? Foi o corte de gastos ou não?

Coronel José Masnik _ Na verdade, o problema mais grave que tem ocorrido nos últimos anos chama-se hora extra. Existe uma legislação que foi criada em 1995, que dá o direito do bombeiro, do policial, de receber hora extra. Em 2004, fizeram uma emenda constitucional limitando em 40 horas semanais o trabalho dos bombeiros e dos policiais. Até então não tínhamos uma carga horária estabelecendo porque somos militares e temos dedicação integral ao serviço. Em função disso, a partir de 2004, o pessoal passou a ter direito a mais de 40 horas semanais. E, como a nossa escala de serviço historicamente sempre foi de 24h de serviço por 48h de folga, ela continuou, mesmo a lei estabelecento que o militar só receberia 40h extras. Mas, de uns anos para cá, cerca de quatro anos, o pessoal tem ingressado na Justiça para cobrar essas hora excedentes e a Justiça tem dado favorável. Isso cria um grande problema para nós porque não temos efetivo para alocar em todos os quarteis, em todas as viaturas, limitando apenas em 40 horas mensais extras. Porque uma escala de 24h por 48h, se fizer um cálculo bem simples, simplório, você trabalha um dia e folga dois. Em 30 dias, o bombeiro trabalharia 10 dias. Dez dias de 24h daria 240h. Para uma carga de 160h que a lei fala, sobrariam 80h extras. O Estado autoriza pagar 40h. Só que gerava mais de 40h. Gerava 80h. Então, começamos a sofrer pressão para modificar essas escalas e isso redundaria no que: em fechamento de quarteis. Ou você teria que reduzir as guarnições, o que não é possível porque já trabalhamos no limite mínimo. Você trabalhar numa guarnição de bombeiro com o número inferior ao recomendado, coloca em risco a própria segurança dos profissionais.

DC _ O senhor se sentiu pressionado então e por isso deixou o cargo?

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Masnik _ Sim, é uma exigência que é o seguinte: o grupo gestor esse ano baixou uma resolução determinando que só fosse 40h. Eu fiz um documento ano passado para o secretário e novamente este ano, explicando as razões que nós não poderíamos cumprir essa resolução. Eles entenderam que havia má vontade de nossa parte em não querer cumprir e tal. E aí começou uma série de retaliações, de fatos, assim, forçando até a minha saída, achando que isso iria resolver o problema, quando na verdade o novo comandante não vai resolver esse problema.

DC _ O senhor acha que com 40h extras apenas o trabalho dos bombeiros pode ficar comprometido em SC?

Masnik _ Sim. Se forçar em 30h extras nós não temos guarnições para botar em todos os quarteis. Temos de ter no mínimo 80h extras, que isso que foi estabelecido até como limite nosso. Não é nem o mínimo, era o máximo que permitimos que o pessoal fizesse. Fazendo 80h extra você continua na escala de 24h po 48h e aí permitiria o serviço como ele está hoje e continua hoje ainda. Esse documento que coloquei e encaminhei para o secretário de Segurança fala as soluções que teria para isso: se incorporar essa hora extra no salário e se padronizar uma escala. Só que eles não fazem isso e querem que eu resolva o problema. Eu não consigo resolver o problema. Aí ficou essa pressão tremenda. E eu, para não fechar quartel do bombeiro em município algum, mesmo aqui na Grande Florianópolis, pedi para sair. Até porque a SSP trata o Corpo de Bombeiros de forma diferenciada.

DC _ Como assim coronel?

Masnik _ Veja, no ano passado a SSP definiu 700 viaturas. Sabe quantas viaturas a SSP deu para os bombeiros? Sete viaturas leves, sete viaturas Fiesta. Sendo que nossa frota de caminhões tem mais de 30 anos de uso. Estamos desde o ano passado insistindo em projeto de investimento para recompor a frota pesada, mas até hoje não tinha nenhuma resposta.

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DC _ Os caminhões dos bombeiros são velhos?

Masnik _ Sim, a maioria dos nossos caminhões são do ano de 1982, que foi uma grande compra que houve, na época, do governo do Esperidião Amin. Eles compraram cerca de 50 caminhões. Hoje, a maioria dos caminhões, ou estão vindo alguma coisa, muito pouco, do governo federal, através da Secretaria Nacional, ou são comprados pelas prefeituras. O que salva o bombeiro na verdade são as prefeituras. Mas o Estado há 30 anos não investe em caminhão de bombeiro.

DC _ Mas por que? Seria uma tendência de incentivar os outros bombeiros, como os voluntários e enfraquecer os militares?

Masnik – Eu não sei se é uma estratégia para enfraquecer o bombeiro do Estado e jogar isso para as prefeituras, atráves de bombeiros voluntários. Aí eu não posso te dizer.

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DC _ Hoje, como o senhor avalia a situação financeira do Corpo de Bombeiros Militar?

Masnik _ A nossa situação financeira estava razoável até o ano passado. Tínhamos um fundo de melhoria estadual, que ele é 7% da receita da segurança pública. Ocorre que no final do ano passado, o governo do Estado encaminhou uma lei para a Assembleia determinando que 20% desse fundo fosse utilizado para folha de pagamento, o que antes era pago com fonte do tesouro do Estado. Não era do fundo. Esse ano, para agravar mais a situação, no último mês, determinaram mais 10%. Então 30% do nosso fundo, que não tem nada para investimento, é só custeio, está sendo contigenciado para pagamento de folha. Então, hoje, o Corpo de Bombeiros passa a ter dificuldade até para adquirir fardamento, alimentação, combustível. Porque o recurso que tínhamos para custeio foi cortado em 30%. O governo quer cortar, mas corta em serviço essencial. Isso que eu não concordo. Tem outras coisas que podem ser cortadas. O pessoal fala muito, o próprio pessoal do governo fala, para que 36 secretarias regionais no Estado? Isso só gera custo para o Estado. Isso não traz benefício nenhum para a população. Aí quando é o bombeiro, polícia, saúde, educação, eles resolvem cortar. Agora os 36 secretários regionais que gastam não sei quantos milhões por mês, eles não cortam. Então tudo isso foi causando uma revolta. Achei que era por bem sair, passar o bastão para outro. Só tava estragando a minha saúde. Para implantar uma escala com mais folga, com diminuição da hora de trabalho, só se eu incluísse mais 600 bombeiros imediatamente. Tivemos também o problema da PEC 01, que pretende dar poder ao bombeiro voluntário na vistoria. Fomos contrário a essa emenda, que passou na Assembleia. Isso é absurdo, permitir que um cidadão de uma entidade privada vá vistoriar, aplicar sanção.

O que disse a Secretaria de Segurança Pública (SSP):

Por e-mail enviado pela sua assessoria de imprensa, o secretário da SSP, César Grubba, mandou a seguinte manifestação:

“Inicialmente, oportuno esclarecer, que nunca houve tratamento diferenciado às Instituições que formam o sistema de Segurança Pública (PM, PC, IGP, CMB e Detran). O tratamento é igualitário a todos os segmentos.

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Sobre horas extras, esclareço que, por determinação do Grupo Gestor do Governo do Estado, houve uma readequação no pagamento deste benefício que atingiu não só o Corpo de Bombeiros Militar, mas todas as instituições do sistema de Segurança Pública.

Reafirmo que não haverá fechamento de quartéis e/ou unidades do Corpo de Bombeiros Militar.

A SSP adquiriu em 2011 um total de 659 viaturas, num investimento de R$ 30 milhões. Cada Instituição disponibilizou recursos do seus fundos de melhoria, critério utilizado para definir a distribuição por Instituição.

O Corpo de Bombeiros, que disponibilizou R$ 300 mil, recebeu em contrapartida um total de 20 viaturas – 14 veículos leves e seis caminhonetes de tração 4×4, num investimento total de R$ 1.280.000,00.

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A diferença foi custeada pelo Fundo de Melhoria de Segurança Pública, mantido pela SSP, numa demonstração de que nunca houve tratamento diferenciado.

Polícia Militar e Polícia Civil receberam mais viaturas porque seus fundos liberaram recursos da ordem de R$ 14 milhões e R$ 7 milhões, respectivamente.

O Fundo de Melhoria da Segurança Pública também liberou recursos para aquisição de 73 viaturas, inclusive 15 caminhonetes para transporte de cadáveres (rabecões) para o Instituto Geral de Perícias, que ainda não mantém um fundo próprio”.

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