Calmo na maior parte do tempo, ele costuma passar despercebido entre as vidas que o rodeiam. Segue seu rumo lento, abre caminho da nascente à foz, ganha força por onde passa e alimenta a vida que cresce há mais de um século a partir de suas margens. É o centro das atenções quando se enfurece, mas basta se amansar para que a cidade lhe volte as costas uma vez mais. Esta é sina do rio Itajaí-Açu, que corta o povoado nascido na região onde ele já foi rei. A relação entre os dois foi bastante abalada, mas há quem ainda encontre no rio um companheiro: de trabalho, de lazer ou de vida. Neste Dia Mundial da Água, o Santa mostra histórias de quem tem uma relação mais íntima com o Itajaí-Açu.
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Parte das águas
(Foto: Patrick Rodrigues)
Ele rema, rema, rema e rema. Quando se cansa rema mais um pouco, e então retorna ao ponto de partida. Sente-se parte da imensidão, e de fato é correspondido por ela. Assim é a rotina de Roque Zimmermann, 30 anos, 20 deles vividos dentro das águas pardas do Itajaí-Açu.
O remador lembra de estar no rio ainda muito antes de começar os treinamentos, com quatro ou cinco anos de idade, ao acompanhar o pai (também remador) nas aulas no Clube Náutico América. O tempo passou e as primeiras remadas, já por volta da nona primavera, fortaleceram o indelével laço com o rio que atravessa a cidade e a vida dos blumenauenses. Quando está na água, são como um:
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– (O rio) Faz parte de mim, essa é a definição. Sinto falta quando não estou na água, é uma saudade que bate forte.
Roque cresceu nas remadas entre as pedras e corredeiras do Itajaí-Açu. Fez do hobby esporte, do esporte profissão e necessidade. Entra na água para treinar, se fortalecer e encontrar a paz nos “passeios” entre Blumenau e Gaspar, quando chega a remar até 24 quilômetros. Saiu das águas que cortam o Vale para a Seleção Brasileira e já esteve perto do Olimpo.
Difícil, para quem vive dentro do rio, é ver a cidade dar as costas ao leito que é um dos grandes responsáveis pelo que Blumenau se tornou. Usado como caminho para o progresso no início dos tempos, hoje o principal sentimento relacionado às águas é o medo, que Roque credita ao desconhecimento da história e da capacidade do Itajaí-Açu.
– Só se vê o rio nos momentos trágicos, para medir o nível quando está cheio e saber se vai entrar nas casas, mas quando ele está baixo, que é a maior parte do ano, ninguém sabe o que tem ali. Tem que existir a preocupação, mas as pessoas precisam saber que o rio não é só perigoso. Na maioria das vezes ele é bonito e acessível. É preciso ter cuidado, mas não tanto medo – ensina o jovem atleta, criado pelo rio.
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Cuidar para existir
(Foto: João Luiz Muniz, Arquivo Pessoal)
Há quatro anos João Muniz, 51 anos, era um cidadão comum, como ele mesmo define. Ia trabalhar de ônibus, observava o ribeirão Garcia e se incomodava com a sujeira acumulada ao longo do curso d?água. Um dia a indignação foi mais forte e ele começou a convocar alguns amigos para um churrasco acompanhado de limpeza no ribeirão. Apareceram 60 pessoas para comer e ajudar. Na segunda empreitada o Exército mandou um reforço de 20 soldados. Em quatro edições da limpeza no ribeirão os Amigos da Natureza – projeto criado por João para reunir os voluntários – já retiraram 10 toneladas de lixo de dentro do córrego: de roupas íntimas a carcaças de automóveis.
– É um trabalho sério, que começou pequeno e está se expandindo. Até já pensei em desistir, porque é cansativo, mas não posso. Cada vez me apaixono mais, porque tenho o sentimento de que fiz a minha parte – revela.
João e os companheiros concentram as ações de limpeza no ribeirão Garcia pela possibilidade de fazer um trabalho mais rápido, já que o rio Itajaí-Açu exigiria uma estrutura maior. Porém, ele acredita que é possível reproduzir o mesmo trabalho nos outros ribeirões da cidade, o que por consequência vai atingir o rio principal e colaborar para reduzir a poluição.
– Nesse trabalho de quase quatro anos conseguimos conscientizar muita gente. Precisamos, somos obrigados a cuidar do meio ambiente, senão o que vamos deixar? Quem ama seus filhos vai cuidar do meio ambiente.
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Perfeito para diversão
(Foto: Mauro Fiamoncini, Arquivo Pessoal)
Bastou um passeio para Mauro Fiamoncini, 48 anos, se apaixonar pelo jet ski (moto aquática). Com o veículo de um amigo e algumas voltas em uma represa já estava decidido. Na semana seguinte comprou o próprio equipamento e decidiu: o rio Itajaí-Açu seria explorado.
– Foi aí que comecei a ver o rio com outros olhos. Fomos andando, desvendando os segredos, outras pessoas foram chegando e formamos um grupo que passou a se encontrar para fazer um churrasquinho e passear pelo rio – conta.
O início foi em 2005. A criação do grupo trouxe melhorias que hoje são aproveitadas por muitas pessoas, como a rampa de acesso à água que beneficia quem pratica qualquer atividade náutica. Outra coisa que chama a atenção de Mauro é a mudança na qualidade da água, que para ele é resultado direto da melhoria no saneamento básico da cidade.
Uma das atividades preferidas do Jet Clube Blumenau – grupo oficial que se originou dos encontros de amigos e que hoje reúne 22 sócios – é fazer longos passeios. É comum o grupo seguir, por exemplo, até o litoral. Em uma das incursões mais recentes o destino foi Balneário Camboriú e pelo caminho Mauro se encantou com o “movimento do rio”:
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– É incrível o número de pessoas que tu encontras pelo leito do rio praticando a pesca. Nós encontramos muita gente, isso mostra que o rio tem vida, uma vida que é desconhecida pela maioria.
O piloto de jet ski celebra ainda que novos eventos tragam de volta as pessoas para o Itajaí-Açu, que aproxime os cidadãos novamente das águas e ajude a quebrar o temor que se estabeleceu com as catástrofes passadas. Além disso, dá uma dica:
– Deveria ser feita a poda das árvores na Beira-Rio, para se ter mais visão do rio, ver que ele é navegável, que pode se praticar várias atividades. Claro que não é como antigamente, mas não é impossível. Falta o blumenauense poder ver o rio.
Extensão do quartel
(Foto: Corpo de Bombeiros Militar de Blumenau)
Eles estão sempre preparados. Para tudo. Qualquer cidadão sabe que quando a situação fica complicada de verdade basta discar aqueles três números: 1, 9, 3. E em alguns minutos o alento chega avisando o bairro inteiro. Tanta segurança só pode ser transmitida por dois motivos: treino e preparação, itens que fazem parte da vida de qualquer bombeiro militar. No 3º Batalhão, em Blumenau, a corporação conta com mais um aliado que garante o preparo ideal para os desafios do dia a dia: o rio Itajaí-Açu.
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Mês sim, outro não, os homens de macacão vermelho estão lá dentro das águas para aprimorar as habilidades de salvar vidas. Integrante da força- tarefa da unidade de Blumenau, o subtenente Evandro de Mello do Amaral conta que a relação dos bombeiros com o rio vai muito além do atendimento a ocorrências:
– Está muito atrelado às nossas atividades. Treinamos salvamento no mar, mas as estatísticas mostram que a maioria dos afogamentos acontecem em água doce, nos rios, lagos, represas… Então fazemos os nossos treinamentos aqui porque, principalmente no trecho de Blumenau, o rio Itajaí-Açu está muito próximo e oferece todas as condições que a gente precisa: tem muitas corredeiras, onde a gente simula os salvamentos em enxurradas e enchentes, é navegável em alguns pontos, então temos os treinos de condução de embarcações, e até os treinos de salvamento em altura com aeronaves e rapel, onde utilizamos as pontes. São todas ações pertinentes ao nosso trabalho.
O uso do rio para aperfeiçoar as técnicas de trabalho sempre fez parte das atividades dos bombeiros do Vale do Itajaí, mas se tornou mais frequente a partir de 2008, depois da tragédia que assolou a região. Desde então, os encontros com as águas se tornaram rotineiros. Foi neste momento que a corporação criou as forças-tarefa especializadas no atendimento de desastres ambientais. A proximidade com o Itajaí-Açu fez dele mais do que uma extensão do quartel: estabeleceu uma parceria.
– A gente se desgasta muito nesses treinamentos, mas o resultado é muito bom porque o rio oferece um ambiente muito próximo da realidade que vamos encontrar nas ocorrências. Ele está sempre à nossa disposição, é nosso companheiro.
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