Em fevereiro do ano passado, quando a o conflito sírio contabilizava menos de 10 mil mortos, a analista política Randa Slim, libanesa-americana que se dedica a estudar o conflito sírio disse a Zero Hora que o regime de Bashar al-Assad não cairia sem antes derramar muito sangue, mas que, naquele momento, era difícil projetar tamanha tragédia. Diante do que parece ser o pior massacre entre massacres diários no país árabe, Randa continua cética sobre o futuro do país. Leia a entrevista concedida por e-mail na sexta-feira:

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Zero Hora – Bashar al-Assad está vencendo a guerra?

Randa Slim – A atual trajetória da guerra está a favor de Al-Assad. Desde a batalha de Qusseir, em maio , na qual as forças do Hezbollah tiveram um papel decisivo, a maré da guerra inverteu a favor de Al-Assad. Entretanto, essa guerra na Síria passou por marés altas e baixas, e as vitórias recentes podem ser revertidas no futuro. A situação militar na Síria permanece relativamente dinâmica. Al-Assad conseguirá reconquistar a Síria? Definitivamente não. O território que está firmemente em poder dos grupos rebeldes foi perdido para Al-Assad, e não pode ser recuperado pelas forças do regime.

ZH – A oposição se dividiu em muitos grupos desde o início do conflito. Qual é a força atual dos rebeldes? E quem são eles?

Randa – A oposição que importa nessa luta é a oposição interna e armada. A oposição política expatriada não goza de nenhuma legitimidade dentro da Síria, e é improvável que exerça algum papel no futuro do país. Há centenas de facções rebeldes armadas. Os grupos islâmicos têm a preferência. São mais disciplinados, seguem uma ideologia, têm as melhores armas e recebem os melhores pagamentos. Alguns dos grupos são afiliados à Al-Qaeda. São liderados por homens endurecidos pelo campo de batalha, que lutaram no Iraque contra as forças dos EUA. Há evidências cada vez maior de um grande número de insurgentes estrangeiros entre os rebeldes. O Supremo Conselho Militar liderado pelo General Selim Idriss, que reúne diferentes unidades e brigadas de desertores militares agora está mais organizada, embora esteja carente de armas e de dinheiro para bancar melhor a luta contra o regime e para competir com os grupos islâmicos pela liderança da oposição armada.

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ZH – Qual o papel do Hezbollah no conflito atualmente?

Randa – O papel do Hezbollah evoluiu desde o início da revolta síria. O grupo começou como conselheiro do regime sírio, rapidamente começou a treinar os grupos paramilitares do regime conhecidos como Shabiha e transformando-os na força que são. Desde julho de 2012 o Hezbollah luta ao lado das forças do regime. O escopo de seu papel na luta aumentou em abril de 2013, quando empenhou algumas centenas de seus combatentes na luta de Qusseir, na província de Homs, e foi uma presença decisiva em tomar dos rebelde o controle de Qusseir. Desde então, Sayyed Hassan Nasrallah, o líder do Hezbollah, indicou que colocará mais de seus homens para lutar pela Síria.

ZH – É possível que o novo presidente do Irã, Hassan Rouhani, reduza seu apoio a Al-Assad?

Randa – O eixo Irã-Síria-Hezbollah é controlado pelo Irã: pelo supremo líder iraniano e pela Guarda Revolucionária Iraniana. O presidente do país tem autoridade limitada em ditar uma mudança drástica na mudança da política em relação à Síria. Por outro lado, o regime iraniano não está casado à sobrevivência política de Al-Assad. Os líderes iranianos, inclusive o líder supremo, estão interessados em garantir seus interesses na Síria, os quais eles nutrem e desenvolvem desde a Revolução Iraniana. Um elemento crítico entre esses interesses é impedir que a Síria se transforme em uma plataforma que trave ataques contra o Hezbollah no Líbano.

ZH – Quais são as chances de uma intervenção militar? Quais são as dificuldades e as possibilidades de sucesso?

Randa – O último suposto ataque com armas químicas no leste de Ghouta, subúrbio de Damasco, desta o custo da passividade, especialmente quando nos referimos a não punir a violação das linhas vermelhas. Em agosto de 2012, o presidente Obama afirmou que tanto movimentar quanto usar armas químicas era uma linha vermelha para os Estados Unidos. Agora, há fortes evidências de que o regime de Al-Assad usou armas químicas ao menos cinco vezes, embora o tenha feito em uma escala menor, provocando menos mortes do que as vistas há dois dias. Todo esse tempo, o presidente sírio esteve testando os EUA. Uma vez que os EUA não o confrontaram antes, ele tomou a incerteza, indecisão e falta de ação como uma permissão para prosseguir com a matança. Um ataque aos mecanismos sírios de entrega de armas químicas e às estruturas de comando e controle, que degrade a capacidade do regime de repetir esse comportamento no futuro, mandará uma mensagem clara a Al-Assad e sua corja de que haverá consequências à violação das linhas vermelhas, e ajudará a impedir que Al-Assad cometa outros ataques com armas químicas.

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ZH – Há de fato alguma linha vermelha dos Estados Unidos para a Síria?

Randa – Veremos se esse último suposto ataque químico, principalmente por causa de sua larga escala, será mesmo uma linha vermelha tão forte.

ZH – Esse massacre com armas químicas pode representar uma virada no modo que a comunidade internacional encara a Síria?

Randa – Os pedidos de ação militares cada vez mais numerosos evidenciam a culpa do regime sírio. A Rússia, principal aliada de Al-Assad, pediu que o presidente Sírio permita a entrada do time de investigadores da ONU em Damasco, no local dos ataques. Ele provavelmente tentará comprar tempo e baterá o pé contra a proposta, principalmente porque, com o passar do tempo, fica mais difícil conseguir evidências de um ataque químico. Há mais ultraje expressado pela comunidade internacional. Se isso se traduzirá em algum tipo de ação é difícil de determinar atualmente. Tudo depende da resposta americana ao ataque.

ZH – Quem está por trás do uso de armas químicas? Isso poderia alterar o apoio da Rússia a Al-Assad, por exemplo?

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Randa – Até agora, a Rússia promove a narrativa do regime sírio de que o ataque foi perpetrado por inimigos de Al-Assad, apesar de saber que apenas o regime tem acesso a armas químicas. Acredita-se que os rebeldes sírios não têm armas químicas. Não creio em uma mudança de posição da Rússia tão cedo.

ZH – Por que o regime de Al-Assad atacaria os civis com armas químicas? E por que escolheria o momento da presença de investigadores da ONU, exatamente um ano após o discurso de Obama sobre a “linha vermelha” e praticamente sem grandes ações da comunidade internacional? O que isso quer dizer? É desespero do governo ou ele simplesmente não tem medo?

Randa – Al-Assad se sente legitimado principalmente por ter sobrevivido aos desafios à sua autoridade, apesar de previsões contrárias. Seu cálculo é de sobrevivência a qualquer custo, usando quaisquer meios que estiverem a disposição. Ele não pensa que esse ataque químico será punido, assim como aconteceu com os ataques químicos promovidos por suas forças no passado. Então não foi um ato de desespero. Foi um movimento calculado, motivado pela compreensão do regime dos custos e benefícios de um ataque assim.

ZH -Como o câmbio de poder no Egito pode influenciar a pressão internacional na Síria?

Randa – O câmbio do poder no Egito encorajou a crença do regime sírio de que a luta contra o aquilo que eles chamam de “terrorismo islâmico” seja aceitável para o Ocidente, uma vez que o argumento, no Egito, era de que os militares removeram do poder um governo dominado por islâmicos. Agora que os grupos sírios rebeldes são, na maioria, islâmicos, pessoas próximas do regime sírio afirmam que a comunidade internacional está menos propensa a intervir por uma mudança de regime na Síria. Por outro lado, já que o Egito ficará em conflito interno por bastante tempo, a atenção da comunidade internacional pode ficar mais lá e menos na Síria.

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