Os protestos nas ruas do país nos últimos dias chamam a atenção também pela variedade de reinvindicações. As placas não pedem só pela redução da tarifa de ônibus, mas criticam a Copa no Brasil e clamam por direitos como educação e saúde. O doutor em Ciência Política e professor do curso de Ciências Sociais e do Programa de Pós Graduação em Sociologia Política da Universidade Federal de Santa Catarina Julian Borba expõe que esse movimento “multicausais” é inédito no país.
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A conjuntura política atual foi determinante na propagação dos movimentos nas capitais, como explicou o professor, em entrevista por telefone ao Diário Catarinense nesta terça-feira.
Diário Catarinense – Qual é o diferencial das manifestações anteriores no país para essas de agora?
Professor Julian Borba – Elas são diferentes principalmente porque, apesar de terem abordado a redução das tarifas de ônibus, se ampliaram e não têm um único conteúdo e nem um único endereçado. As manifestações condenam a classe política, cobram o preço das passagens, são para um conjunto de questões e endereçados.
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DC – A que o senhor atribuiria essa variedade de abordagens?
Borba – Apesar das coisas estarem acontecendo ainda, há uma explicação parcial. Os protestos se iniciam em torno do movimento do Passe Livre, se articulam com um conjunto de atores em torno de preço de passagem, com essa estrutura de comunicação e mobilização. Aparentemente, ele desencadeia para mobilizações com outras pessoas em um conjunto de outras questões. A conjuntura econômica do país é elemento-chave, não me parece ser coincidência.
A inflação, os baixos índices de crescimento econômico dão a oportunidade para novas questões. Os reflexos do ressurgimento da inflação começaram a partir de fevereiro e março deste ano. Quando a inflação aumenta e há uma redução do poder de compra, o quadro altera significativamente e até os índices de popularidade da presidência caem. A situação gera descontentamento e isso se reflete em ação.
DC – Teve alguma outra movimentação parecida no país ou em outros países?
Borba – Tivemos o “Fora Collor”, as “Diretas Já”, mas elas tiveram reivindicações claras e endereçadas para grupos determinados, com problemas políticos claros. Nos outros países também as reivindicações estavam ligadas a demandas específicas. As manifestações atuais no Brasil, com essa natureza “multicausal”, é inédita. Com a ampliação das causas, corre o risco de se perder o objeto, as reivindicações. Mas ainda é cedo para se avaliar.
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DC – Qual é o papel dos protestos para a democracia?
Borba – O que parece é que a sociedade coloca as questões para se discutirem direitos e se abordarem questões em espaços públicos. São debates que não existiriam na ausência dos movimentos. Os protestos fazem com que a sociedade tematize, debate, discuta o que estaria fora de discussões na opinião pública e na classe política.
DC – Quais devem ser as consequências desses movimentos?
Borba – É cedo para dizer, mas algumas já estão acontecendo. Algumas prefeituras, como de São Paulo, estão negociando os valores das passagens de ônibus e isso já é um efeito. Outros efeitos são difíceis de serem mensurados, como “queremos mais saúde, educação”, são questões políticas.
DC – Como o senhor avalia essa intenção dos manifestantes de não se veicularem a partidos políticos?
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Borba – As manifestações acompanham um fenômeno global, pelas dificuldades dos partidos políticos canalizarem os interesses e demandas de setores da sociedade. No caso brasileiro, historicamente a maior identificação com as reivindicações era o Partido dos Trabalhadores e ele está no governo. Isso potencializa esse efeito da não-partidarização. O partido que era o grande articulador das reivindicações hoje é o governo, isso traz uma dificuldade de diálogos.