“Não há nenhuma segurança, nem proteção para os cristãos”, lamenta Haitham Behnam. Para este morador de Mossul perseguido pelo grupo Estado Islâmico (EI), a questão do regresso sequer passa por sua cabeça, apesar da derrota dos extremistas.

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“É melhor ficar aqui e se calar”, ironiza o homem de 40 anos, que se instalou em 2014 no Curdistão iraquiano, após a chegada do EI em sua cidade, a segunda maior do país.

“Eles vieram até nós em nossas lojas. Eles disseram ‘não temos nada contra vocês, se alguém incomodar vocês é só nos dizer’. Uma semana depois, era ‘fora todos os cristãos”, recorda este ex-comerciante de roupas.

Ao assumir o controle de Mossul em junho de 2014, os extremistas impuseram um ultimato à pequena comunidade cristã de cerca de 35.000 fiéis: converter-se ao Islã, pagar um imposto especial, ou deixar a cidade sob a ameaça de execução.

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Hoje, embora as autoridades iraquianas tenham declarado sua vitória em Mossul em 10 de julho, o retorno parece uma escolha difícil para milhares de cristãos que, em três anos, reconstruíram suas vidas em outros lugares.

– ‘Lavagem cerebral’ –

“Mesmo se quiséssemos retornar, não poderíamos”, diz Behnam, com as roupas pretas de sujeira.

Para sustentar a família, este pai de dois filhos se tornou mecânico e trabalha em uma pequena loja que aluga na periferia de Erbil, capital da região autônoma do Curdistão iraquiano.

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“Nos últimos três anos, houve uma lavagem cerebral. Mesmo as crianças se tornaram do Daesh. Eles ensinaram as crianças a degolar”, afirma, usando um acrônimo em árabe para o EI.

Um de seus clientes concorda. “Eu, se fosse cristão, não voltaria para Mossul antes que as pessoas provassem que estão dispostas a me aceitar”, afirma Omar Fawaz, um muçulmano da cidade.

Ao final dos combates, seus pais retornaram para essa cidade, mas sua casa havia sido ocupada pelas forças de segurança.

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“Logo os vizinhos nos disseram para ocupar a casa de um cristão, localizada a quatro casas da nossa”, recorda o engenheiro de 29 anos.

“É a mesma mentalidade”, diz ele.

“Nas mesquitas, pregam contra a EI, mas os salafistas acreditam que os cristãos não têm o seu lugar”, completa.

– ‘Não resta qualquer pessoa’ –

Ao deixar Mossul em 2014, Essam Butros perdeu tudo: “cinco lojas, duas casas e, do dia para a noite, precisei começar tudo de novo”, lembra o comerciante de roupas.

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Ele teve de vender o carro para pagar os três primeiros meses de aluguel de uma loja em Erbil e convencer seus fornecedores na Turquia a lhe entregarem a mercadoria sem pagamento prévio.

Hoje, o negócio vai bem, como se vê por sua bonita loja de dois andares: perfumes e cosméticos disputam lugar com bolsas e vestidos coloridos.

Obviamente, ele não esqueceu de suas três lojas em Mossul, as quais ele ainda não foi ver.

“Quero voltar pelo trabalho, sou otimista. Mas sem a família. É difícil assumir riscos com a família”, desabafa ele.

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Uma das vendedoras de sua loja, Samaher Kiriakos Hanna, fugiu da pequena cidade predominantemente cristã de Bartalla, perto de Mossul.

“Estávamos com medo de que o EI nos matasse, pegasse nossas filhas, que estavam aterrorizadas”, lembra, com a voz trêmula, essa mãe de três filhas, a mais velha de 13 anos.

“Vimos o que eles fizeram com as nossas irmãs yazidis” – sequestradas e transformadas em escravas sexuais pelos extremistas – lamenta.

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Hoje, Hanna trabalha para reconstruir sua casa, na esperança de poder voltar um dia. Mas enfrenta uma escolha difícil.

“Aqui estamos bem. Encontramos de tudo. Temos o que comer, conseguimos alugar uma casa”, admite a mulher de 37 anos de idade, com o cabelo amarrado em um rabo de cavalo.

“Se pudermos garantir nossa segurança, retornaremos”, afirma, com cautela.

“Mas… Meus vizinhos, minha irmã, meus irmãos? Todos eles emigraram, não há ninguém lá”, lamenta.

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* AFP