Outro dia saí para jantar num restaurante bacana de São Paulo e, como acontece desde que comecei a escrever aqui, o evento se transformou em uma experiência sobre a qual poderia falar. Faltava apenas a sobremesa, quando chegou na mesa ao lado uma dupla que roubou o tema do texto. Duas mulheres, que descobri serem mãe e filha, jantaram sem trocar uma palavra, praticamente sem olhar nos olhos uma da outra. Não estavam brigadas, mas os iPhones, estrategicamente posicionados ao lado dos pratos, avisavam com luz e som, que elas estavam ali, mas a conversa era com terceiros. Unidas por uma mesa, pelos laços sanguíneos e separadas pelo abismo da tecnologia. Terminei a refeição como quem acaba de assistir a um espetáculo sobre a falta de amor. Onde ele foi parar? Será que está nos ícones de coraçõezinhos pulsantes e carinhas amarelas com corações nos olhos? Saindo do restaurante, dei de cara com uma frase, escrita num orelhão que fica no caminho da minha casa, perdido numa esquina no Centro. Era um pedido: “mais amor, por favor”. Uma intervenção urbana, uma frase pichada em letra cursiva, bem desenhada, reproduzida em outros pontos da cidade, implorando por amor, em meio a toda agressividade, indiferença e velocidade da metrópole.
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Nessa mesma semana, li no Estadão a seguinte notícia: restaurante em Jerusalém dá desconto de 50% para os clientes que não usam celular durante a refeição. “Smartphones destruíram a experiência do jantar”, dizia Jawdat Ibrahim, dono do estabelecimento.
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Dois filmes sobre histórias de amor. Tatuagem, de Hilton Lacerda, que estreou em novembro e está em cartaz em Florianópolis, e Azul É a Cor Mais Quente (La Vie d’Adèle), longa francês de Abdelatiff Kechiche, que estreia em algumas capitais na próxima semana. O primeiro é um dos filmes brasileiros mais premiados do ano, com destaque nos festivais de cinema de Gramado e do Rio. O outro é vencedor da Palma de Ouro em Cannes 2013. Tatuagem conta um amor vivido no Brasil de 1978, entre um jovem militar (Jesuíta Barbosa) e um artista de cabaré (Irandhir Santos), que comanda apresentações cheias de sátira e deboche, um contraste à disciplina do quartel e ao governo autoritário da época. Azul… é a França dos dias atuais, onde uma jovem estudante (Adèle Exarchopoulos) está em plena descoberta da sexualidade e se apaixona por outra menina (Léa Seydoux). Um faz referência ao tropicalismo e ao teatro dionisíaco de José Celso Martinez Corrêa. O outro cita trechos de Mar- rivaux e Choderlos de Laclos, autores franceses do século 18, que trataram dos jogos de amor dentro da corte. Nesses filmes, o amor está nos olhos, no toque e na dança dos corpos. E as cenas eróticas são sempre uma polêmica. São apaixonadas, fortes, como as que acontecem entre quatro paredes, e o cinema tem licença para olhar através do buraco da fechadura. Certas pessoas ficam incomodadas, chegam a sair no meio da projeção. É curioso que reclamem da nudez na tela grande e a tolerem na TV, em novelas ou em programas de variedades bizarros. Mas reduzir o debate às cenas de sexo é esconder o que há de mais belo nos enredos: o amor. São amores proibidos. Não por serem de famílias como os Montecchio e os Capuleto, mas porque envolvem pares do mesmo sexo. Sobre Azul, um crítico em Cannes chegou a escrever que o filme é a “primeira grande história de amor do século 21”. E se tudo parece padronizado, se vivemos conectados e isso nos deixa menos humanos, o amor é o que nos salva. O amor, sem regras e julgamentos, é o que nos livra de ter que implantar chips e nos conectar na tomada.
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