Era um Natal no final dos anos 1940 e Aroldo da Silva não tinha mais do que cinco anos de idade quando ouviu alguém batendo forte à porta de casa, em meio à festa da noite de 24 de dezembro.

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— Vai lá atender, menino. É o Papai Noel — incentivou o pai.

Aroldo era jovem, mas tinha na lembrança que, a cada travessura e birra feitas até então, ouvia sempre dos adultos que seria dedurado ao Papai Noel. E “ai dele quando o Bom Velhinho chegasse para cobrar as malcriações”. Por isso, quando ouviu a pessoa do outro lado esmurrando a porta e chamando seu nome, paralisou, com o coração acelerado, cheio de medo. Só recuperou o fôlego quando, após um momento de coragem, abriu a porta para o visitante e reconheceu o vizinho da casa ao lado, vestido de vermelho e com uma espécie de bromélia, chamada popularmente de “barba-de-velho”, pendurada ao pescoço.

Passados 70 anos desde aquele Natal, Aroldo conta a história aos risos. A barba, grisalha e comprida naturalmente, desce até abaixo do queixo, e todo o corpo está coberto pelo figurino acetinado de vermelho com detalhes brancos. Ele é o próprio Papai Noel, e é assim que, há 11 anos, cumprimenta as pessoas no mês de dezembro.

Aroldo é um dos profissionais que assume o papel do personagem icônico do Natal nos shoppings de Joinville, em uma prova de que aquele garotinho superou o medo e, principalmente, aprendeu que o trabalho do Papai Noel nunca foi de assustar ninguém.

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Depois de uma década cumprindo a maratona de trabalhar diariamente por cinco semanas consecutivas, Aroldo sentiu vontade de compartilhar os momentos vividos enquanto, trajado de Papai Noel, foi a figura onde muitos joinvilenses encontraram conforto — e não só aqueles que ainda acreditam que ele deixou sua fábrica de brinquedos no Pólo Norte para ouvir os pedidos das crianças para o Natal.

— Muitos adolescentes vem de má vontade e eu pergunto a eles: precisa mesmo acreditar que é de verdade? Entra no clima e aproveita! Agora, chamo a família inteira para fazer fotos, porque via os pais morrendo de vontade de estar junto — conta ele.

Essas experiências tornaram-se relatos no livro “Histórias do Papai Noel”, que a direção do shopping onde ele atua publicou sem que ele soubesse, e o presentearam com as edições no início da temporada. Ali, ele conta como, com pequenas ações, salvou alguns espíritos de Natal e, principalmente, como foi salvo por ele.

Como nasce um Papai Noel

Aroldo já pensava em ser Papai Noel há 20 anos, mas Wally, a esposa com quem viveu por 42 anos e teve três filhos, não gostava nada da ideia de ter um marido barbudo. Ele guardou a vontade por amor. Por amor também, sentiu despedaçar o coração ao assistir a esposa perder a saúde por causa de complicações causadas pelo diabetes. Quando ela faleceu, pouco antes do Natal de 2006, ele passou meses difíceis.

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— Quando você se acostuma a viver tanto tempo com uma pessoa, é complicado se adaptar sem ela. Naquele primeiro ano eu fiquei muito deprimido — recorda ele.

A ideia de trabalhar com o Papai Noel foi resgatada pelo neto mais velho, Ricardo. Ele fez a sugestão como uma forma de animar o avô e deu certo. Aroldo salvou fotos e um currículo em um CD e enviou para shoppings da região. Foi contratado na primeira entrevista, pelo Shopping Mueller, na região Central de Joinville.

A experiência de lidar com pessoas ele já tinha, pelos anos atuando em grupos da igreja católica. Mas não existe curso para ser Papai Noel. Aroldo deixou a barba crescer, vestiu o figurino e esperou sua primeira aparição, no evento de lançamento do Natal de 2007, como um novo dia em um emprego comum.

— A cantora Karina cantou no lançamento e, nos bastidores, ela estava elétrica, andando de um lado para o outro. Eu não entendia o porquê de tanta ansiedade. Então chegou a hora de entrar no palco e saí rodeado por seguranças. As pessoas acenavam pra mim, eu acenava de volta, achando todos muito simpáticos… Estão subi no palco e entendi o nervosismo: havia centenas de pessoas esperando pelo Papai Noel, e o Papai Noel era eu — conta ele.

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Desde então, Aroldo já viveu momentos de grande superação como Papai Noel. Os desafios não foram apenas os do dia a dia lidando com crianças, nem com choro de bebês, nem passar horas no mesmo lugar. Ele já sentiu o coração acelerar por receber como pedido de Natal de uma criança que ele trouxesse a mãe dela de volta, é por adultos que buscaram naquela figura paternal algum consolo. E, apesar dos 60 e tantos anos, surpreendeu ao chegar no lançamento de Natal de formas radicais, como descer a fachada do shopping de cinco andares de rapel.

— Nunca pensei que faria algo assim na vida. Eu desci e sentei na letra M da fachada. As pessoas acenavam para mim lá de baixo e eu, morrendo de medo, sorria e acenava de volta, mas, no fundo, eu pensava: o que é que eu estou fazendo aqui? — lembra ele, aos risos.

Amor compartilhado

Há quatro anos, Papai Noel está acompanhado. Aroldo reencontrou o amor onde menos esperava. Ele e Anita já se conheciam há 27 anos, desde que os filhos haviam se casado e dado a eles um neto — Ricardo, o mesmo que o incentivou a trabalhar como Papai Noel. Apesar da proximidade e de viverem na mesma cidade, em Jaraguá do Sul, os sentimentos entre eles só nasceram quando, ambos viúvos, começaram a participar da mesma pastoral na igreja.

— Um dia, combinamos de almoçar juntos em um domingo, porque estávamos sozinhos. Conversamos muito e, na hora de ir embora, ele falou: no próximo domingo, no mesmo lugar? — conta Anita.

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De tanto acompanhá-lo no trabalho, ela acabou assumindo a figura de mamãe Noel. Assim, desde 2017, o casal vive juntos a experiência de fazer mais feliz o Natal de centenas de crianças.

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