O saco plástico que dona Maria Campos segura vai ficando pesado de acordo com os pãezinhos que ela coloca lá dentro. O bolso da aposentada também começa a ficar mais vazio quando ela pensa que pode pagar mais caro pelo produto nos próximos dias.

Continua depois da publicidade

Desde que começou a desembolsar mais moedas no balcão da padaria, há alguns meses, quando o valor do trigo aumentou, ela achou que um novo reajuste não fosse aparecer tão cedo.

– No último aumento, senti bastante a diferença no bolso. Acho um absurdo aumentar de novo, mas não tenho o que fazer. Sou obrigada a remanejar o orçamento porque não dá para deixar de comer – argumenta dona Maria.

Assim como ela, muita gente anda torcendo o nariz quando vê diferença no preço do quilo do pão. No ano, segundo o IBGE, o produto já acumula uma alta de 5%, a maior desde 2008.

Continua depois da publicidade

Na hora de pagar, o consumidor está sentindo os impactos dos problemas que acontecem a milhares de quilômetros da padaria. Problemas climáticos vêm afetando a produção em importantes produtores mundiais. Mais gente está disputando menos trigo. O cereal está custando mais caro para os moinhos, e as sacas de farinha, consequentemente, ficaram mais caras.

– Nos últimos meses, tivemos acréscimo de cerca de 40% no preço do trigo. Os valores estavam extremamente defasados e era necessário fazer reajuste. Ainda não está no patamar ideal, portanto, ainda devemos ver o cereal ficar um pouco mais caro – diz Egon Werner, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo de Santa Catarina (Sinditrigo).

Outro fato que preocupa Werner é que muitos produtores estão desistindo de plantar trigo, porque não é tão rentável quanto outras culturas. Segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área plantada com trigo encolheu 13,1% neste ano.

Continua depois da publicidade

Em Santa Catarina, a queda foi um pouco menor: 11,7%. A produção vai cair. As projeções para esta safra indicam uma produção nacional de 5,2 milhões de toneladas, 9,8% a menos do que em 2011.

– Apenas o Sul do Brasil tem solo e clima característicos para cultivar trigo. Como não está sendo tão rentável, os produtores investem em outras commodities. E a livre comercialização do produtos está incentivando isso. Antes, os produtores precisavam de apoio dos governos para vender suas safras. Neste ano mudou. Eles fazem o negócio do jeito que acharem que fica melhor para o bolso – explica Márcia Cunha Varaschin, economista analista de mercado de trigo, feijão e fumo da Epagri.

E como o Brasil precisa importar metade do trigo que consome, vai ser preciso trazer o cereal de fora para compensar a diferença. A expectativa é de que as importações, a um preço mais alto, aumentem 11,4% em comparação ao ano passado. ?????

Continua depois da publicidade

PDF: por que o pãozinho ficou mais caro?

Momento de fazer muita pesquisa

Apesar do receio de dona Maria em ter que pagar mais pelo pão, o aumento do preço do quilo não é regra para as padarias. A tendência é que o valor não suba em estabelecimentos que fizeram reajuste nos últimos meses.

Por enquanto, vai ser comum encontrar preços diferentes em cada canto da cidade, com acréscimos que variam de poucos centavos a até mais de R$ 1.

– Na prática, a diferença maior vai ser para os moinhos. Não há padrão para aumentar o preço. Haverá estabelecimentos que vão sentir necessidade de fazer reajuste. Outros não – diz Egon Werner, presidente do Sindicato da Indústria do Trigo (Sinditrigo).

Continua depois da publicidade

A conta, neste caso, é simples. Cada saca de 50 quilos produz em média 1,2 mil pães. No preço antigo, de R$ 50 o pacote, a quantidade de farinha de trigo em cada pãozinho custava R$ 0,04. Com o preço a R$ 75, o valor unitário sobe para R$ 0,06.

A dica para defender o bolso agora é ficar de olho no preço praticado pela padaria em que o consumidor costuma comprar os pãezinhos. Se houve reajuste nos últimos meses, é provável que tudo fique como está. Entretanto, se os valores não são atualizados há algum tempo, prepare a carteira. A chance de o preço subir é grande. ??

Problemas lá fora chegam à padaria

Se serve de conforto, você não está sozinho na hora de pagar mais caro pelo pãozinho. Os motivos que fazem o preço do produto subir ultrapassam as fronteiras do País e se tornam questões delicadas para as pessoas de todo o mundo.

Continua depois da publicidade

Basicamente, existem três maneiras principais de o trigo chegar aos moinhos brasileiros: importado de grandes produtores mundiais, como o Canadá e a Rússia; comprado da hermana Argentina; e produzindo no Sul do País. As três alternativas apresentam dificuldades no momento.

O fato de os produtores brasileiros estarem trocando a cultura do trigo por outras mais lucrativas faz com que uma quantidade maior do cereal precise ser importada. Intensificar o comércio com outros países agora não seria o ideal, já que a cotação do dólar ultrapassa os R$ 2.

– Há oito meses, mais ou menos, praticávamos os valores na faixa de R$ 1,60. De repente, o dólar foi subindo e passou a casa dos R$ 2. É um grande problema porque fica impossível comercializar o grão sem ter que repassar esse aumento para o nosso consumidor – explica Egon Werner.

Continua depois da publicidade

Com a produção brasileira diminuindo e o dólar mais alto encarecendo as transações, a alternativa mais lógica seria aumentar a importação da Argentina, que é responsável pelo abastecimento de grande parte do consumo do Brasil. Negociação incentivada pelas taxas diferenciadas praticadas entre países do Mercosul. A crise econômica da Argentina inviabiliza que o trigo passe as fronteiras.

– Houve redução da área plantada. O governo controla a produção e só deixa os produtores exportarem quando o mercado interno já está totalmente abastecido – afirma Márcia Cunha Varaschin, a analista de mercado da Epagri.

Se a Argentina não pode abastecer o mercado, a saída é subir ainda mais e fechar negócio com grandes produtores mundiais. Mas como até líderes têm seus dias ruins, as alterações climáticas nesses países estão castigando as safras. Muitas estão se perdendo por causa do solo seco demais.

Continua depois da publicidade

– O que já foi perdido não poderá ser recuperado. A única chance de conseguirmos abastecer a demanda mundial é se começar a chover. Agora é o momento em que o grão precisa de água para crescer forte até a colheita. Se o clima continuar seco, teremos um problema grave.