O sonho de uma América Latina unida alimentou durante séculos as esperanças de lideranças históricas do subcontinente. Guerras e disputas territoriais ocasionais não conseguiram impedir a formação de blocos de interesses econômicos, comerciais ou culturais entre as nações. Na segunda metade do século passado, várias iniciativas facilitaram o trânsito entre os países. Com a pandemia do novo coronavírus, um pesadelo se instalou: em pouco tempo, acessos foram fechados, a circulação dos habitantes impedida e a cordialidade deram lugar ao medo da ameaça invisível, que pode estar à espreita, do outro lado da fronteira.

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Como todas as atividades, o jornalismo também sofre as consequências das restrições provocadas pela pandemia. Ao mesmo tempo em que precisa seguir as regras de segurança recomendadas pelas autoridades sanitárias, os profissionais têm que encontrar modos alternativos para realizar seu trabalho. Mais do que nunca, percebe-se a importância da informação confiável para se contrapor à massa de desinformação do mundo virtual, a peste das Fake News.

Com essas questões em mente, a autora desta reportagem estabeleceu uma estratégia diferente: dar voz aos profissionais da imprensa latino-americanos para que relatem a situação em seus países no combate à pandemia. Não deixa de ser uma forma de derrubar novamente as fronteiras, dessa vez, pela informação, mostrando as dificuldades e as soluções encontradas na região frente a seu mais recente flagelo.

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O Livro

O título desta reportagem é um trocadilho com o título da obra “As Veias Abertas da América Latina”, do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). Na publicação, de 1971, o autor faz uma análise da história da América Latina sob o ponto de vista da exploração econômica e da dominação política, da colonização europeia até a contemporaneidade da época do lançamento. As páginas se tornaram um clássico dos sentimentos anticolonialistas e anticapitalistas e seus impactos no continente.

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O livro foi publicado no contexto da Guerra Fria (1945-1991), que levou a um ciclo de regimes ditatoriais nos países latino-americanos. Identificado como sendo uma obra revolucionária e de esquerda, o livro foi banido na Argentina, Chile, Brasil e no Uruguai, durante as ditaduras militares nesses países. Galeano chegou a ser preso em solo uruguaio e depois obrigado a se exilar. Primeiramente na Argentina, depois na Espanha. Galeano morreu em 2015, vítima de câncer no pulmão. O livro foi publicado quando ele tinha 31 anos e, conforme o próprio escritor, naquela época ele não tinha formação suficiente para realizar essa tarefa.

Em entrevista ao jornal El País, em 13 de abril 2015 Galeano disse: “Veias Abertas tentou ser um livro de economia política, só que eu não tinha a formação necessária". Mas destacou: "Não estou arrependido de tê-lo escrito, mas foi uma etapa que, para mim, está superada".

paraguai
(Foto: Arte / NSC Total)

A pandemia do coronavírus mexeu com a geografia da América Latina, declarada como novo epicentro da doença pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Com 15 mil quilômetros de divisas com 10 dos 12 países sul-americanos, o Brasil tem o maior número de mortes e infectados desta tragédia sanitária e humana. Pela primeira vez na história, a linha internacional entre a cidade brasileira de Ponta Porã e a vizinha paraguaia Pedro Juan Caballero foi “cerrada”, como dizem os hermanos. A medida visa à contenção do coronavírus entre o lado do Mato Grosso do Sul e o Departamento de Amambay.

– Se passaram dois meses e sabe-se lá quanto tempo isso vai durar? – pergunta-se o repórter investigativo Candido Figueredo, do jornal ABC Color, do Paraguai. Um dos mais experientes jornalistas e profundo conhecedor da área, rota no comércio internacional de maconha e cocaína, Figueredo reconhece a importância do governo paraguaio em se preocupar com o isolamento: – A situação do Brasil é preocupante não só para o Paraguai, mas para a toda a região. Nosso presidente, Mario Abdo Benitez, telefonou para Jair Bolsonaro e avisou: as fronteiras permanecem fechadas, sem prazo para reabertura.

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O governante paraguaio levou a sério o coronavírus, diz o jornalista que, pelo trabalho investigativo, precisa andar acompanhado por seguranças. Benitez baixou decreto de isolamento total por 40 dias, suspendeu aulas, voos comerciais e civis e mandou trancar todas as fronteiras. Para garantir a obediência, colocou a polícia, o exército e o Ministério Público na rua para multar e prender todos que circulavam sem necessidade especial, como compras de medicamentos, de comida ou busca de hospitais. Dois meses depois, o Paraguai colocou em funcionamento um sistema de flexibilidade – “cuarentena inteligente” -, o qual permite a saída da população para trabalhar em determinados setores. Até quinta-feira eram 11 os paraguaios mortos pelo coronavírus.

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(Foto: Arte / NSC Total)

Depois do Brasil, é o Equador o país mais impactado pela pandemia na América Latina. As cenas dos corpos e caixões nas ruas e portas das casas na província de Guayas, a mais atingida, assustaram os latino-americanos. As imagens aproximaram do continente uma realidade até então distante, do outro lado do mundo. Inicialmente na China, depois da Itália. Até terça-feira, 26, dados oficiais davam conta de 3.221 equatorianos mortos pelo novo coronavírus. Mas os registros não revelam o número de óbitos registrados no país principalmente nos meses de março e abril, o pico. – O governo reconhece que o número de mortos por Covid-19 é impreciso.

Muitos equatorianos morreram sem exames que comprovassem o motivo – explica a jornalista Bessy Granja, que trabalha para a Ecuavisa, a TV do país. Guayaquil, localizado em Guayas, tornou-se o epicentro da pandemia. Isso foi evidenciado pelos números de óbitos registrados de janeiro a abril deste ano, um total de 20.736 em Guayas. Em janeiro, as mortes nessa província foram de 1.960; mas em março aumentaram para 4.853, enquanto em abril o número chegou a 10.945 (em um único mês). No Equador, diz a jornalista, ainda existem corpos perdidos em hospitais, pessoas que perderam três, quatro membros de uma única família, homens e mulheres que morreram em casas sem receber qualquer cuidado. Nas áreas rurais do país, os mais pobres são afetados não apenas pela falta de comida e trabalho, mas também pelas dificuldades no acesso aos serviços de saúde.

No pior momento da pandemia, os médicos foram transferidos para hospitais em grandes cidades. Os centros de saúde são desprovidos do necessário para atender a esses casos. Por esse motivo, considera-se que nas áreas rurais há também subnotificação das pessoas infectadas pelo Covid-19. No caso do Equador, avalia Bessy, a pandemia expôs as fraquezas do sistema público de saúde e as necessidades não atendidas da população. Isso aumentou a corrupção concentrada no setor público.

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Para a jornalista, o coronavírus não foi o único mal que o Equador enfrentou: – Em meio à tragédia, multiplicaram-se as queixas de compra de suprimentos para a proteção de médicos com sobretaxas, o que agravou ainda mais o descontentamento dos cidadãos cansados de tanto roubo. Em licença-maternidade desde 20 de abril, Bessy diz que segue acompanhando as notícias do seu país. – É verdade que nenhum país estava pronto para passar por uma pandemia, mas há exemplos de países da América Latina que enfrentaram esse mal. Portanto, as decisões do governo influenciam bastante o impacto que o vírus tem sobre cada população.

chile
(Foto: Arte / NSC Total)

No Chile, o Covid-19 chegou em meio ao “estallido social”, como os chilenos chamam os protestos realizadas em espaços públicos. A jornalista Carola Gonzalez, que trabalha no setor cultural da capital Santiago do Chile, acredita que o governo se utilizou da pandemia para impor toque de recolher após às 22 horas, com repressão policial, e colocar algumas regiões em lockdown, o mesmo que “cuarentena” ou “confinamento”. O que, segundo ela, não surtiu efeito. – Até o final de março, o Chile estava sendo citado mundialmente como exemplo na prevenção por conta dos baixos índices de contágio.

Nas últimas semanas, os registros explodiram nas regiões mais populosas e pobres, onde vivem trabalhadores que não podem ficar trancados em casa. Mais recentemente o governo chileno determinou o lockdown geral. Para a jornalista, a medida é bastante positiva. Para sair de casa, as pessoas precisam de autorização que dure até três horas, justificar o motivo da saída e o raio de mobilidade. Mas as críticas da população continuam, principalmente pelo não repasse do Bônus Covid, que pretende subsidiar as famílias com 50 mil pesos chilenos – em torno de R$ 342 – quantia que a população considera insuficiente, pelo baixo valor.

Os chilenos também reclamam que boa parte dos pobres e miseráveis não estão contemplados. Carola Gonzalez relata que os movimentos em defesa dos direitos humanos e sociais também se queixam que, quando há mobilização civil para ajudar a população mais vulnerável, a polícia aparece reprimindo para que voltem para casa em respeito a quarentena.

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O distanciamento social não mudou o ritmo de trabalho da jornalista, que há três anos faz home office. Como todo o setor cultural está sem previsão de retorno aos palcos e galerias, Carol diz que busca se reinventar na produção de textos. Mas sem descolar-se dos sentimentos do povo chileno:

– Sinto ansiedade e preocupação sobre como a vida voltará ao normal, se é que vai voltar e como será – diz.

peru
(Foto: Arte / NSC Total)

O Peru até que foi rápido. Em 16 de março o país andino tornou-se conhecido como um dos primeiros da América do Sul a adotar medidas de isolamento social e paralisar atividades. O objetivo das medidas era ganhar tempo para conseguir mais leitos e equipamentos hospitalares. Mas o abandono em que o setor de saúde se encontrava para atender a uma população de 32 milhões de pessoas não deu bons resultados:

– A pandemia encontrou o Peru com 250 leitos com ventiladores em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) em todo o país, isso unindo o setor público e privado – conta a jornalista Elizabeth Salazar, especialista na cobertura de temas sociais do Ojo Público, veículo digital peruano especializado em jornalismo investigativo.

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A realidade peruana se assemelha a de outros países pobres do continente. Com uma população de cerca de 31 milhões, a estimativa é que 30% esteja desempregada. Além disso, sete de cada 10 empregos são na informalidade. Por causa da pandemia, as aulas continuarão virtualmente até o final do ano; os meios de transporte operam de maneira restrita e as fronteiras estão fechadas. O transporte de carga e portos é permitido apenas para alimentos básicos.

Alguns setores econômicos estão sendo retomados. A jornalista conta que algumas medidas sociais não tiveram bons resultados, como os subsídios econômicos para famílias pobres. Assim como no Brasil, muitos beneficiários peruanos estavam com cadastros desatualizados. Com o olhar de uma repórter aguçada, Elizabeth quis saber o motivo de muitas famílias andarem pelas ruas desobedecendo o isolamento social: – Nos setores mais pobres há o que podemos chamar de superlotação.

Muitas dessas pessoas não têm geladeira para fazer compras durante a semana. Por isso, as ruas estavam ocupadas com as pessoas que precisavam trabalhar e também comprar alimentos para o dia a dia. Para a jornalista, as medidas de apoio sanitário, econômico e social adotadas pelo governo tiveram a população como foco. Os planos primeiro quiseram salvar a vida das pessoas, antes da economia concentrada nas grandes empresas. Mas ela observa que a compra de testes rápidos para o coronavírus foi dificultada por problemas com fornecedores.

Em algumas regiões, foram detectados casos de corrupção. A expectativa é de que, apesar da queda severa, o Peru consiga levantar-se rapidamente. A jornalista peruana trabalha remotamente. Para ela, esta cobertura é definitivamente um desafio para o jornalismo no enfrentamento das notícias falsas. Agora, mais do que nunca, diz, o jornalismo entende a necessidade de se aliar à ciência e aos bancos de dados para processar esse turbilhão de informações. – Acima de tudo, precisamos de uma abordagem humana e não revitimista, porque estamos contando mortes, negligência, corrupção, mas também esperança.

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venezuela
(Foto: Arte / NSC Total)

Marcada por uma profunda crise econômica e social que gerou grande fluxo migratório mesmo antes da pandemia, a realidade na Venezuela foi ainda mais tensionada. A chegada do novo coronavírus não impediu a continuidade de protestos diários por falta de água ou serviços públicos. A gasolina permanece sendo um grande problema e mesmo médicos e doentes precisam esperar até três dias pelo abastecimento de veículos. Situação que atinge ambulâncias e carros de resgate que, com tanques vazios, hão conseguem atender emergências. A cobertura da imprensa também se tornou mais difícil.

– Trabalho como repórter de trânsito no circuito "The Machine" e no KYS FM 101.5. Meus boletins devem ser das ruas da Grande Caracas, mas a falta de combustível interfere no trabalho. Já fiquei quatro dias em uma fila sem conseguir a cota máxima de 30 litros por veículo – relata a jornalista Nathali Vidal Sánchez.

Além dessa agonia para abastecer o carro, a repórter conta que é preciso enfrentar outro problema: os insultos ou gritos dos membros da Guarda Nacional Bolivariana (GNB), que às vezes são flexíveis, às vezes não. Quando não pode sair de casa, a jornalista recebe informações de pessoas sobre o trânsito e repassa aos ouvintes. Pelos dados oficiais, os números de morte e infectados pelo novo coronavírus não são alarmantes na Venezuela. Seriam em torno de 300 contaminados e 10 mortes, até segunda-feira, 25 de maio.

Mas a preocupação aumentou, explica a jornalista venezuelana, a partir dos 177 novos casos registrados: 42 foram detectados em zonas de fronteira com a Colômbia (32) e Brasil (10). Além disso, existem venezuelanos que, frustrados com a situação de imigrantes, voltam para o país, podendo levar a doença.

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Mesmo com as dificuldades do país, a jornalista reconhece as medidas positivas do governo para proteção dos venezuelanos contra o coronavírus. No início, conta, foram bastante rígidas; mas se tornaram mais flexíveis, não exatamente pelo governo de Nicolás Maduro, mas pelos próprios cidadãos, para atender às suas necessidades. Para algumas situações, ela acredita que as polícias deviam aplicar medidas disciplinares.

No metrô de Caracas, por exemplo, apesar de "restringido" pelas autoridades, o distanciamento social não é respeitado. Assim como há muito vaivém de pessoas e gente dormindo pelas ruas. Nas rodovias, apenas setores prioritários podem circular: pessoal de saúde, segurança, mídia, telecomunicações e serviços públicos, entre outros. Mas aqueles que não entram na exceção circulam nas rotas internas. Apesar do cenário, a jornalista não deixa de se solidarizar com o impacto da pandemia em terras brasileiras: – Esperamos que em breve o Brasil possa sair desta situação lamentável e diminuir os números das vítimas do coronavírus.

uruguai
(Foto: Arte / NSC Total)

Com uma população de 3,82 milhões, o Uruguai experimenta uma situação mais tranquila, se comparado com outros países da América do Sul. O êxito, talvez, deva-se ao fato de que as medidas foram tomadas imediatamente ao registro dos quatro primeiros casos, em 13 de março, evitando contágios em massa. Até quinta-feira eram os 22 mortos pelo coronavírus. O governo nunca decretou quarentena obrigatória, mas recomendou o distanciamento físico e o uso de máscara. As fronteiras foram fechadas e as aulas, suspensas. Passados 80 dias, o crescimento é considerado subexponencial e a pandemia parece sob controle. Como isso é possível?

– A população respondeu de forma positiva às sugestões do governo. Um grupo de cientistas de alto nível (e não políticos) foi formado para assessorar na tomada de decisões e análises. A Universidade da República (a maior do Uruguai) gerou testes locais, desenvolvimento de sequenciamento de vírus e tudo isso permitiu um bom sistema de testes – conta o jornalista Tomer Urwicz, que trabalha para o jornal El País, em Montevideo. Além disso, observa o jornalista, o Ministério da Saúde monitorou rapidamente e de forma rigorosa os contatos de cada caso positivo.

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Há, ainda, outros fatores que de acordo com Tomer Urwicz ajudam neste momento de crise: – O governo apostou no "uso responsável da liberdade". É um governo liberal e, portanto, fez uma mistura entre medidas de isolamento, priorizando a saúde sem paralisar totalmente a economia. Os uruguaios se mostram unidos em torno do combate ao coronavírus. Pesquisas de opinião publicadas recentemente mostram que, na maioria das vezes, os uruguaios aprovam as ações governamentais.

– A oposição tem sido solidária com as medidas do partido no poder. É preciso lembrar que o Uruguai está entre os países da América do Sul que mais confiam na democracia e nas instituições políticas, e isso gera uma certa confiança – observa o jornalista. Mestre em Educação e responsável por reportagens sobre o tema no El País, Tomer explica que a cada ano o Uruguai entrega um computador portátil para cada aluno e professor. O Plano Ceibal permitiu que quase 80% dos estudantes continuassem a ter educação a distância. O restante teve acesso a outras plataformas (WhatsApp, trabalhos de casa por correio) e apenas 4% ficaram um pouco para trás. – Os que estão atrasados são prioridade agora que o ensino está sendo retomado. Esses estudantes são os primeiros a retornar às aulas presenciais.

Apesar da aparente tranquilidade, o Uruguai se mantém vigilante quanto ao coronavírus. Atenção redobrada na região Fronteira da Paz, como é conhecido o território de Rivera e Santana do Livramento, consideradas como uma cidade só. Rivera é a capital departamental de mesmo nome. Nesta semana, o lugar tornou-se o segundo no país com o maior número de casos: 40, com 2 óbitos. Em Livramento, o último boletim apontou 35 casos confirmados, 30 recuperados e um óbito. A disparada do lado uruguaio causou preocupação nas autoridades. Na noite do domingo (24), o presidente Luis Lacalle Pou aterrissou em Rivera, com a intenção acompanhar de perto e tomar novas medidas no combate ao Covid-19. Como o departamento, agora, é o segundo em índices, Lacalle Pou novamente marcou presença, na quinta-feira (28).

As visitas de Luis Lacalle Pou foi foram bem recebidas, diz Ciro Götz, jornalista da Rádio Reconquista, de Rivera. Até 13 de abril, explica, as fronteiras permaneceram fechadas, com ingresso permitido apenas para uruguaios ou estrangeiros residentes. Por determinação, todas as aulas já haviam sido interrompidas. Livramento segue as determinações do governo estadual gaúcho e, por enquanto, encontra-se sob bandeira laranja, que indica risco médio. Para Götz, é difícil calcular o desfecho. Mas, no caso da fronteira, ramos do comércio como o dos free shops, que são importantes para a economia local, foram bastante afetados. Na região e no Uruguai, explica, de uma forma geral ainda não há o desabastecimento de produtos básicos. Mas o panorama é preocupante, já que o Uruguai é um grande importador e sua economia gira, principalmente, em razão da carne, derivados do leite e turismo: – Uma crise nos países vizinhos refletirá diretamente no cotidiano uruguaio.

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méxico
(Foto: Arte / NSC Total)

O fim de maio pegou o México com quase 8,5 mil mortes e 74 mil infectadas pelo novo coronavírus. Mas as autoridades de saúde calculam que para cada morte há mais três casos subnotificados. Para cada um infectado, mais oito. Como exemplo de outros países, os pobres e especialmente os que estão na fronteira com os Estados Unidos são os mais vulneráveis. – A maior incidência da Covid-19 está nas regiões fronteiriças da Tijuana e Mexicali – observa o jornalista Rodrigo Vera, que trabalha na Revista Proceso, do portal de notícias Proceso.

Esta população, explica, é duplamente afetada: apresenta altas taxas de contágio, devido à superlotação, e passa fome, devido ao desemprego em massa. Por outro lado, comunidades camponesas e indígenas, embora pobres, têm a vantagem de viver com menos exposição ao vírus. Além de produzir seu próprio alimento. Desde o primeiro registro de coronavírus, em 28 de fevereiro, medidas foram tomadas, como o cancelamento de voos para alguns países. Isso fez com que alguns estrangeiros fossem presos no México, e alguns mexicanos no exterior. Outra questão relatada pelo jornalista é sobre ao transporte comercial. – Os turistas quase desapareceram. No início da pandemia, os grandes navios de cruzeiro do Caribe enfrentavam dificuldades para desembarcar seus passageiros nos portos mexicanos.

Agora, eles praticamente pararam de vir e a ocupação hoteleira em Cancún, por exemplo, está em 3%. No México não existe um sistema de saúde único como no Brasil. Trabalhadores do setor privado são atendidos pelo Instituto Mexicano de Seguridade Social (IMSS), que é uma instituição estatal apoiada por taxas de funcionários e empregadores e fornece serviço médico gratuito. Enquanto os trabalhadores a serviço do Estado são atendidos por outra instituição pública, o Instituto de Segurança e Serviços Sociais dos Trabalhadores do Estado (ISSSTE), que também possui sua própria rede de hospitais e serviços médicos gratuitos.

Há dois meses a pandemia colocou Rodrigo em home office. Dois colegas da revista Proceso foram infectados. Nos últimos dias, o jornalista teve que visitar moradores de bairros empobrecidos e que precisam de alimentos. Também saiu para cobrir manifestações, marchas e bloqueios de estradas realizados por médicos e enfermeiros que exigem equipamentos de proteção. – Penso que a pandemia provocará uma crise econômica em toda a América Latina. Para o México, a previsão de queda é de 7%. Mas o pior deste cenário é que o Covid-19 poderá ressurgir em nova onda.

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argentina
(Foto: Arte / NSC Total)

Júlio Fernandez Baraibar, 72 anos, é um experiente jornalista argentino que mantém o olhar estendido sobre todo o continente latino-americano. Sobram-lhe memórias e leituras cirúrgicas de cenários construídos ao longo dos anos e passagens por várias redações. É o atual diretor do Arquivo Histórico de Rádio e Televisão da Argentina, colunista de programa de televisão e consultor para rádios. Como faz parte do grupo de risco ao coronavírus, desde 20 de março trabalha em home office.

Baraibar entende que os argentinos aderiram ao isolamento social de uma maneira muito positiva. Acredita que isto se deve à avaliação do presidente Alberto Fernández – tem 80% de aprovação, segundo pesquisas realizadas na segunda quinzena de maio – e às medidas de contenção ao coronavírus. Mas Baraibar se diz preocupado sobre o que pode acontecer após a pandemia. Não apenas com o seu país, mas em todo o continente latino-americano.

– A pandemia mostra a deterioração dos sistemas de saúde e bem-estar dos países, assim como a falta de proteção das grandes massas populares.

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Na América Latina, diz, isso resultará em consequências seríssimas: – Entre os países que melhor enfrentam a pandemia e com os melhores resultados estão, paradoxalmente, Cuba e Venezuela, dois países que a onda contrarrevolucionária dos últimos cinco anos tentou subjugar. Enquanto países onde o neoliberalismo é estabelecido há anos, como Chile e Peru, ou desde os últimos cinco anos, como Equador e Brasil, a pandemia produz uma catástrofe econômica, social e humana. Para o jornalista, no Brasil a situação é ainda mais grave por ter sido despertado sentimentos sombrios que ameaçam a democracia.

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O mesmo, segundo ele, ocorre na Bolívia. – Para a grande maioria dos argentinos e para o movimento popular argentino, o Brasil é nosso aliado natural e estratégico para a construção de um espaço político, econômico, social e cultural sul-americano. O fato de o Brasil emergir dessa pandemia e deste regime político ameaçador é, para nós, não apenas um desejo, mas uma necessidade urgente.