De um jeito ou de outro, a pandemia impactou a sua vida financeira. Você foi forçado a trabalhar em home office? Teve a jornada de trabalho reduzida junto com o salário? Seu contrato de serviço foi suspenso? Perdeu o emprego e se viu na situação de pedir o auxílio emergencial liberado pelo governo?

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Se você respondeu sim para alguma das perguntas acima, então 2020 te trouxe um grande desafio que não era tão debatido pelos brasileiros até este ano: aprender a lidar com o dinheiro. Isso porque uma das grandes consequências trazidas pela pandemia do novo coronavírus foram as mudanças nos hábitos financeiros e de consumo da população. Dentre os mais variados motivos, todos passamos a viver em uma realidade diferente da que estávamos acostumados muitos meses atrás.

Diversas pesquisas ao longo dos anos mostram que o brasileiro não é um povo que tem o costume de guardar dinheiro. A economista Pollyanna Gondin destaca que esse comportamento é um dos principais erros cometidos em relação às finanças e que ficou ainda mais evidenciado com a pandemia, mas que pode ser explicado por mais de uma razão.

— Primeiro temos que pensar que existem pessoas que, de fato, não têm recursos para guardar. Somos um país desigual, então muitos ganham o suficiente para apenas se sustentar e não sobra para poupar. Mas mesmo os que têm essa condição também não tinham esse costume, de modo geral. Só que veio a pandemia, a questão do desemprego, cargas horárias reduzidas, salários reduzidos e as pessoas precisaram começar a se importar com essas questões – analisa a economista.

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A mentalidade de achar que o emprego estava garantido, que o salário cairia na conta no final do mês e que tantos outros benefícios trabalhistas poderiam cobrir um imprevisto como a demissão faziam com que o brasileiro não tivesse o cuidado necessário com seu próprio dinheiro, conforme explica a contadora e especialista em finanças Nardéli Alves.

— Jamais se imaginaria que, de um momento para o outro, todos os empregos e empresas estariam comprometidos. Isso causou um choque de realidade nas pessoas que não fazem uma reserva financeira. Ao verem seus salários sendo reduzidos ou até mesmo a falta de emprego sem uma perspectiva de retomada, com quase todas as empresas fechadas, as pessoas se deram conta de que a responsabilidade pelo planejamento financeiro é de cada um.

As pessoas se deram conta de que a responsabilidade pelo planejamento financeiro é de cada um Nardéli Alves

Hábitos e prioridades de consumo também mudaram com a pandemia

Nardéli Alves destaca outro ponto que ficou evidente ao longo desses meses: as mudanças de prioridade nos gastos. Antes da pandemia, quase tudo que as pessoas desejavam adquirir, mesmo que não coubesse no orçamento, era comprado parcelado, independente dos juros e do valor total pago – se o valor da parcela “coubesse no bolso”, a compra era feita.

Hoje, as prioridades mudaram. O cenário de pandemia demonstra que os gastos com itens não tão necessários foram substituídos por itens básicos como a alimentação, produtos de higiene pessoal e medicamentos. Mas, além da mudança nas prioridades, o hábito de consumir também mudou no Brasil.

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— As pessoas começaram a armazenar mais alimentos e produtos relacionados à higiene pessoal. Os brasileiros não tinham o costume de estocar mantimentos desde as décadas de 1980 e 1990, na época da hiperinflação. A gente ia ao mercado apenas para comprar o que tinha necessidade naquele momento. Com a pandemia, para evitar sair de casa, voltamos a ter essa prática – explica Gondin.

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Já as restrições para evitar que as pessoas saíssem de casa aliadas ao medo da contaminação pelo novo coronavírus também fizeram com que as compras on-line passassem a fazer ainda mais parte da vida dos brasileiros. Mas será que o fato de ficar mais tempo em casa nos fez gastar mais ou menos do que antes?

— Para as pessoas mais adeptas a tecnologia, acredito que houve um aumento de consumo por conta das ofertas de compra via e-commerce. Mas ainda temos muitas pessoas que não têm essa segurança de comprar pela internet, neste caso teve um consumo menor – destaca Nardéli.

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Para Pollyanna, isso é relativo:

— Por um lado não estamos mais gastando com deslocamento, com compras em shoppings e com alimentação fora de casa. Mas, por outro, como o brasileiro está passando mais tempo em casa, acaba gastando mais com reformas, decorações e aplicativos de delivery.

Governo tem papel fundamental na área econômica em tempos de crise

Outro fator que precisa ser levado em consideração quando falamos das mudanças causadas pela pandemia nos hábitos financeiros é o papel do governo nessas situações atípicas. Para a economista Pollyanna Dondin, enquanto as empresas têm como finalidade o lucro, o governo deve ter como objetivo a promoção do crescimento e o desenvolvimento econômico.

— O governo deveria atuar no sentido de gerar mais benefícios para as empresas, porque assim a economia gira e gera crescimento econômico, que é um dos objetivos do governo. Mas o que temos visto é que o auxílio emergencial para os trabalhadores não é suficiente e algumas ações que estão sendo feitas para empresas também não têm funcionado. Isso ainda sem falar no aumento da inflação e o problema da desvalorização cambial – analisa.

Por mais que possam parecer medidas muito específicas para a área de economia, tais ações impactam diretamente no bolso de cada um de nós, pois estão ligadas ao preço de produtos que fazem parte do cotidiano dos brasileiros, como itens da cesta básica, por exemplo.

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— Com o real desvalorizado, é estimulada a exportação dos produtos e não a importação. Isso quer dizer que vale mais para o produtor vender para fora do país, assim muitos produtos acabam ficando mais caros por aqui.

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Precisamos aprender e falar sobre dinheiro 

Entre tantos desafios e dificuldades, uma das principais mudanças que esse cenário trouxe em relação às finanças foi a busca por conhecimento sobre essa área. Especialistas dizem que ficou claro para muitas pessoas que é preciso uma maior consciência para cuidar melhor do próprio dinheiro.

— Não basta apenas receber o salário e pagar as contas, existe um futuro que precisa começar a ser planejado desde já. Para muitas pessoas a pandemia foi o momento de abrir os olhos e tomar para si a reponsabilidade sobre seu dinheiro e orçamento. O conselho que eu dou é ter organização, disciplina e foco. Não existe milagre, nem fórmula mágica. As pessoas precisam entender que o sucesso das finanças depende apenas delas — destaca a contadora Nardéli Alves.

Mas engana-se quem pensa que para entender de dinheiro é preciso gastar com aulas e cursos. Atualmente existem muitos profissionais que prestam esse serviço de forma gratuita e por meio de redes sociais. Nardéli, inclusive, usa sua conta no Instagram @poupandomeudinheiro para dar dicas e responder as principais questões referentes à educação financeira. 

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A contadora ressalta que é preciso começar pelo básico: anotar as despesas e organizar um orçamento para ter melhor controle financeiro são tarefas que qualquer pessoa consegue e deve fazer. Só então deve ir para os próximos passos, como aprender a poupar e investir.

A lição que a gente tira desse período é que temos que estar sempre preparados para imprevistos – Pollyanna Gondin

— O principal cuidado é não esquecer das lições aprendidas durante esse período e voltar a desorganização financeira de antes da pandemia. Entender que cuidar do planejamento financeiro não compete ao outro e, sim, a cada um e isso deve ser feito independente da situação pessoal, do mercado financeiro, da política ou da economia. Dentro das possibilidades de cada um, o controle financeiro e o cuidado com as contas devem ser mantidos, assim como uma parte do salário deve ser guardado e investido mensalmente — completa.

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A gente sempre fala que a economia vive em ciclo e em cada um deles tiramos um aprendizado. A lição que a gente tira desse período é que temos que estar sempre preparados para imprevistos. Poupar, ter um recurso de reserva e não gastar todo o dinheiro são medidas importantes quando pensamos no futuro e em poder nos precaver — conclui a economista Pollyanna.