A pandemia do novo coronavírus virou o mundo de cabeça para baixo. Desde março, rotinas foram transformadas, preocupações surgiram e a vida de quase toda população mudou. A incerteza sobre o que pode acontecer e o isolamento forçado para evitar o contágio pela Covid-19 trouxeram uma série de novas experiências que despertaram habilidades até então adormecidas ou desconhecidas pelo ser humano.
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A capacidade de adaptação e de lidar com o medo foi uma delas. Nunca fomos tão testados sob esse aspecto de nossas vidas. Coisas simples, como o fato de não precisar mais se arrumar e se dirigir até o local de trabalho, para alguns proporcionou uma sensação de maior aproveitamento do tempo, mas para outros causou estranhamento.
Para a psicóloga Vanessa Cardoso, isso acontece porque algumas pessoas têm na rotina uma sensação de conforto e tendem a não se adaptar tão facilmente à uma nova realidade como outras.
— As pessoas gostam de ter uma rotina porque ela acalma, ela organiza, e traz para o nosso controle algo que a gente às vezes não consegue controlar no mundo. De certa forma, ficamos mais tranquilos porque temos uma noção do tempo seguinte, do que vai acontecer.
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Vanessa destaca que ter uma rotina é importante, pois faz com que nosso cérebro não gaste tanta energia com comportamentos que devem ser automáticos, como acordar e lembrar de levantar, por exemplo. Mas que essa rotina não pode ser rígida, e ter flexibilidade também é fundamental para a saúde mental.
— É essencial ter uma mínima estrutura de rotina montada para que a gente não tenha que, a cada segundo, passar por um processo decisório grande. Mas essa rotina também deve ser flexível, ela não pode ser um gesso que quebre a criatividade.
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No entanto, não é muito fácil lidar com essas mudanças e adaptações de rotina em meio à uma pandemia e com um cenário inédito. O fato de termos que conviver com um novo vírus circulando, que causa tantas alterações no mundo, gera inseguranças e pode ser bastante cansativo.
Estamos tendo que atravessar situações e dilemas que na correria e no dia a dia não estavam sendo necessários Vanessa Cardoso, psicóloga
— Como nosso cérebro teve que fazer novos caminhos para se adaptar, isso causou um gasto de energia tremenda. Então a gente teve algumas perdas, como a da concentração. As pessoas estão mais distraídas porque tiveram que empregar uma energia para esses novos comportamentos. Adquirir novos hábitos é algo tremendamente penoso — completa a especialista.
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Falta de socialização é um grande desafio
Para quem já trabalhava de casa e estava adaptado a essa rotina, o impacto pode não ter sido tão grande. Mas a falta de liberdade e de socialização pode ser, sim, outro grande desafio. Ingrid Folha Neutzling é gerente de marketing e trabalha no modelo home office desde 2015, mas, ainda assim, 2020 a tirou da zona de conforto:
— O que mudou foi a vida social. Sempre fui muito ativa. E esse tem sido o grande desafio, a falta de contato com o ciclo social, o lazer, a vida fora de casa, devido ao isolamento. Também sinto muita falta de praticar esportes, frequentar bares, encontrar com os amigos – desabafa.
A psicóloga Vanessa destaca que essa falta do convívio social pode ter uma consequência bastante negativa. E mesmo com o uso da tecnologia para tentar superar a carência da socialização, algumas faixas etárias terão maiores danos com a perda do convívio diário e físico.
— A diminuição da socialização das crianças, dos adolescentes e dos idosos, principalmente, traz um prejuízo porque é nas relações também que a gente se constitui, que temos o sentido de quem somos. Isso nos foi retirado e, em conjunto com medo, acabou deixando as pessoas solitárias, sozinhas, aumentando os casos de depressões e outras síndromes.
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Brasileiros sofrem com ansiedade
Essa observação pode ser constatada a partir de inúmeras pesquisas sobre saúde mental realizadas neste ano. Uma delas, divulgada no início de junho pelo Instituto Ipso, coloca o Brasil no topo da lista, entre 16 países, em que a população mais sofre com ansiedade por causa da pandemia do novo coronavírus.
— A pandemia acabou trazendo uma série de problemas ligados ao medo e à ansiedade. Questões da nossa saúde mental que, para muitas pessoas, estavam embaixo do tapete, a pandemia nos obrigou a lidar. Ansiedade, medo, falta de projeto de vida, solidão, depressão, conflitos familiares, uso abusivo de substâncias, compulsão alimentar. Todos esses fatores aumentaram como forma de as pessoas lidarem com essa situação nunca antes vivida – explica a especialista.
Lições e aprendizados
O fato é que ninguém vai sair de 2020 sem ter aprendido alguma lição ou passado por um grande desafio. Ingrid acredita que a rotina de home office é um dos pontos positivos que devem ser levados adiante, mesmo quando a pandemia acabar.
— O ano de 2020 veio para transformar o mercado de trabalho, assim como as nossas vidas. Espero que as empresas comecem a pensar nos benefícios que o trabalho em casa pode oferecer. Estar em maior contato com quem a gente ama aumenta nossa qualidade de vida e pode ser bom para a produtividade. Além disso, acho que traz vantagens também para o meio ambiente: menos trânsito, menos poluição. Se todos tivessem essa possibilidade, a qualidade de vida das pessoas transformaria o mundo.
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E ao mesmo tempo em que a pandemia trouxe impactos positivos e negativos para o planeta, também demonstrou que o ser humano é, sim, capaz de superar as adversidades, outra grande lição para levar de 2020:
— Somos capazes de viver um dia de cada vez, somos seres adaptáveis, conseguimos tomar consciência do que é nosso. 2020 mostrou nossa grande adaptação de saber que podemos lidar com crises e que não precisamos nos desesperar. A gente pode, sim, ficar com medo, mas temos que ter comportamentos congruentes que nos levam a desenvolver novos hábitos — destaca a psicóloga Vanessa Cardoso.