Tratada como “culinarista”, algo entre a empáfia ostentada pelo termo chef e o lugar-comum da cozinheira, Palmira Nery da Silva Onofre, a Palmirinha Onofre, que morreu neste domingo (7), aos 91 anos, ficou conhecida pelo seu jeito doce de ensinar a cozinhar. Por trás do rosto simpático, havia uma história de luta e sofrimento em um casamento abusivo.

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A amiga, Ana Maria Braga, prestou homenagem nas rede sociais: “Minha grande amiga Palmirinha. Mãe, amiga e irmã que a vida me deu. Hoje o céu está mais doce com a tua chegada! Sorte de quem teve o privilégio de tê-la por perto. Meus sinceros sentimentos para toda família”.

Foi em um programa de Silvia Poppovic, na Bandeirantes, que Ana Maria viu Palmirinha pela primeira vez. Ela esteve na atração por se enquadrar em dois temas propostos pela pauta da ocasião: “Criei meus filhos sozinha” e “Meu marido me maltrata”.

“Eu vendia salgadinhos para a diretora da Silvia, e ela me falou: Como você é muito falante e se encaixa nesses dois temas, você não quer participar do programa? Eu fui e levei uma cesta de pães para Silvia, mas não era para ela exibir. Era só para comer. Mas ela deixou a cesta bem à mostra, sabe?”, contou Palmirinha a Jô Soares em 2010, na Globo.

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Palmirinha gostava de repetir que seu grande prazer era ensinar a cozinhar para que as pessoas pudessem “ganhar o seu dinheirinho” e se sustentar, como havia ocorrido com ela, que se viu faturando com a venda de sonhos nas ruas para pagar o empréstimo que havia feito para comprar um blusão exigido pelo colégio das três filhas, que revezavam a mesma peça.

Foi engraxate, trabalhou em fábrica para encaixe de peças, faxinava escritórios na praça da Sé até meia-noite, trabalhou para a Nestlé fazendo degustações em supermercado, para a Brastemp traçando receitas de microondas e para a Vasp, preparando o cardápio dos passageiros.

História de luta

Sofreu para resgatar o passado sofrido em um livro de memórias que disse só ter feito a pedido das filhas, onde relata ter sido entregue pelo pai a uma francesa quando tinha entre 6 e 7 anos para morar com a mulher em São Paulo como dama de companhia.

E não gostava quando lhe perguntavam se a francesa a explorava, já que ela, ainda criança, era encarregada de recolher, de porta em porta, as comissões que a estrangeira faturava como dona de uma agência de empregados domésticos.

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“Foi com ela que aprendi tudo o que sei”, dizia Palmirinha, em toda sua humildade, citando, entre os aprendizados, até “saber falar no telefone”.

Palmirinha contava que a mãe, uma italiana de temperamento violento, batia muito nela, e que o pai a carregava junto com ele só para que a menina se livrasse da vara de marmelo. Quando ele morreu, a mãe viajou a São Paulo para buscá-la na casa da francesa.

Queria resgatar o dinheiro que a mulher depositava em uma poupança, mas Palmirinha não tinha idade para sacar nada e, assim, a mãe nunca conseguir colocar as mãos no dinheiro.

Palmirinha voltou a Bauru, trabalhou nas lojas Americanas e um dia encontrou um homem à sua espera, em sua cama, a quem a mãe havia vendido uma noite com a filha. Foi salva pela tia, que estava do outro lado da parede.

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Casou-se aos 19, e as dores do matrimônio começaria logo após a festa, quando, ao chegar em casa, disse ter encontrado três amantes do marido no portão. À Marília Gabriela, em 2012, a culinarista disse que suportou o casamento porque temia ser julgada pela família, mas conseguiu se livrar do peso quando a segunda filha se casou.

Depois dos 60 anos, enfrentou ainda um câncer considerado grave. Embora tenha surgido na TV em 1993, só em 2010 se revelou como um grande potencial, graças à sua saída voluntária da TV Gazeta. “Eu estava muito cansada”, justificou na ocasião, então com 79 anos.

No comando de um programa diário, o TV Culinária, ela cuidava da compra dos ingredientes das receitas que ensinava, contando apenas com o auxílio de uma das filhas e do fiel assistente Guinho, o boneco que a ajudava a lembrar o nome de elementos básicos usados em cena, como uma simples faca.

Palmirinha avisou à Gazeta que deixaria o programa dois meses antes, como pedia seu contrato. Em várias ocasiões, queixou-se da falta de estrutura da produção, mas a mágoa bateu mesmo quando, no último programa, ao tentar se despedir “das amiguinha”, como dizia, teve seu microfone cortado e saiu de lá aos prantos.

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Em 2012, ao protagonizar uma série de programas para o canal Bem Simples, do grupo FOX, recebeu toda a estrutura que reclamava faltar na Gazeta e não cansava de celebrar tal diferença. Dali vieram livros de receitas, comerciais e um reconhecimento que nunca pensou em ter.

Em 2010, quando deixou a Gazeta, também já frequentava as listas de Top 5 do extinto CQC, da Band, com cenas que se tornaram memes e viralizavam na internet. Assim que deixou a Gazeta, ganhou lugar raramente aberto a um quarto integrante na bancada do programa para apresentar a atração ao lado de Marcelo Tas, Rafinha Bastos e Marco Luque. Fez daí uma nova legião de fãs, abrangendo então um público mais novo do que o da Gazeta.

Palmirinha fez as pazes com a emissora da Fundação Cásper Líbero sete anos depois, ao comparecer ao Mulheres, onde chorou e fez questão de reconhecer os cameramen e contrarregras por seus nomes. Seu segredo, ela dizia, era transformar qualquer possibilidade de ressentimento em empatia. Sábia, essa Palmirinha.

*Por Cristina Padiglione