Espalhados pela mesa da casa dos pais no bairro Barra do Aririú, em Palhoça, as medalhas e troféus de Thauane Ferreira de Medeiros, 19 anos, demonstram o trajeto percorrido em uma década de xadrez: campeã brasileira sub-18 e sub-20, penta campeã de Palhoça, campeã de Florianópolis, campeã catarinense e campeã dos jogos abertos de SC e de SP. A jovem joga desde os oito, largou os estudos aos 16 para se dedicar ao esporte e já representou o Brasil na Grécia, Paraguai e Colômbia, mas corre contra o tempo para arrecadar fundos e participar da Olimpíada Mundial de Xadrez que acontece mês que vem, na Turquia.

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Atualmente, Thauane recebe apoio das prefeituras de Jaraguá do Sul (SC) e de Mogi das Cruzes (SP), mas o dinheiro que chega vai direto para o aluguel de um pequeno apartamento no interior de São Paulo. Para se virar com o resto, a jovem criou uma rotina agitada: dá aulas pessoalmente e pela internet, palestras, e em quatro manhãs por semana pega mais de duas horas de metrô até o Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Avenida Paulista, para vender cópias do livro de sua autoria a R$ 20 para quem visita o museu.

O ponto foi escolhido pela movimentação turística, e muitas pessoas que são abordadas pela esportista acabam deixando dinheiro sem sequer folhear o livro. Embora seja frequentemente recebida com grosseria, a jovem estima que já tenha vendido mais de cinco mil cópias, além de dois mil CDs com videoaulas. É esse trabalho lento, junto às aulas e palestras, que rende boa parte dos recursos que a enxadrista gasta em campeonatos.

– Meus pais pagam uma parcela, outra vem da venda de livros, mas não é o bastante. Certa vez, um amigo pagou a inscrição de R$ 100 para um campeonato que eu queria muito participar, mas o total de gastos para jogar na Olimpíada de Xadrez na Turquia vai passar de R$ 10 mil. Poderia voltar para Palhoça e economizar o dinheiro do aluguel, mas os grandes torneios acontecem todos no eixo Rio-São Paulo. Também poderia ter um emprego fixo, mas que empresa dispensaria o empregado por uma semana para participar de um campeonato? – questiona a enxadrista.

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Altos e baixos

Além da lista de campeonatos vencidos, Thauane traz consigo outro currículo não muito admirado pelos pais Helena e Jairo de Medeiros. Aos 15, para participar de um campeonato em Curitiba, mentiu para eles dizendo que teria hospedagem garantida, pegou o ônibus até a capital paranaense e acabou precisando dormir sozinha na rodoviária; sem comer nem descansar direito por dois dias, ficou mal no ranking e voltou pra casa de mãos vazias. Aos 18, já em São Paulo, a esportista foi furtada num momento de distração e teve seu celular, um casaco e pelo menos 40 livros levados. Nas ruas da capital paulista, a jovem diariamente leva cantadas, ouve desaforos e encontra muito desinteresse pelo xadrez.

Voltar para casa, entretanto, dificultaria oportunidades como a que Thauane teve em setembro de 2011, quando jogou contra o maior ícone da história do xadrez, o russo Garry Kasparov. O campeão mundial esteve em São Paulo e jogou ao mesmo tempo contra vinte alunos de xadrez do Sesi-SP. A palhocense havia conseguido um emprego de alguns meses como professora da turma e se misturou a seus alunos para enfrentar o russo.

– A partida levou 1h40min, mas podia ter durado ainda mais. Quem joga profissionalmente consegue visualizar várias jogadas à frente e sabe quando foi derrotado. É antiético ficar empurrando um jogo perdido, ainda mais contra um profissional do porte de Kasparov – explica Thauane.

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