Foi no quintal da casa em São Francisco do Sul que Reinoldo João Corrêa na época, um menino de sete anos começou uma relação que se estenderia por mais de cinco décadas.
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Do outro lado da cerca que dividia o terreno vizinho, uma página chamou sua atenção: era um fragmento de uma das histórias estreladas por Pato Donald. Nesta segunda, admirador e arte são próximos até nas datas. Reinoldo sopra velinhas apenas três dias antes do Dia Nacional das Histórias em Quadrinhos, comemorado nesta segunda.
Dois, às vezes, três dias por semana, o advogado, de 61 anos, frequenta bancas e livrarias de Joinville na busca por mais um integrante para sua coleção. São tantos números e edições especiais que ele já não sabe quantificar o que resgatou das prateleiras durante esses anos. Alguns exemplares foram perdidos, corroídos pelos cupins, mas a efemeridade do papel não fez com que o advogado trocasse de hobby.
– Fiquei tão apaixonado por histórias em quadrinho que, quando pequeno, meu pai me matriculou em um curso para aprender a desenhar -, conta o colecionador.
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O gosto pelos HQs foi sendo aprimorado com o tempo e, hoje, só de folhear as páginas de um novo exemplar, Reinoldo identifica o quadrinista pelo traço.
– Prefiro os quadrinhos europeus aos americanos. A qualidade é maior, um trabalho mais artístico -, avalia.
Foi como consumidor ininterrupto que o advogado acompanhou vários lançamentos e despedidas de publicações. A coleção “Epopeia Tri” foi uma delas, prestigiada do início ao fim pelo colecionador, religiosamente compradas em uma antiga banca próxima ao terminal central de Joinville. Atualmente, Reinoldo garimpa novidades, mas se mantém fiel às aventuras de “Tex”, famoso quadrinho de western.
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Vida longa às tirinhas
Na década em que Reinoldo João Corrêa foi fisgado pelo clássico da Disney, surgiam no Brasil os primeiros trabalhos independentes de HQs. E, quase no fim dos anos 1950, Maurício de Souza estreava no segmento com personagens emblemáticos para a cultura da “nona arte” brasileira: a “Turma da Mônica”.
O criador da Mônica, Cebolinha, Magali e Chico Bento – para lembrar os mais famosos – começou como muitos dos quadrinistas do País, nas páginas dos jornais. O professor Nielson Modro lembra especialmente dos que figuraram nos periódicos joinvilenses.
Leitor diário dos quadrinhos publicados em “Anexo”, foi ele o responsável por reunir e dar uma edição apurada para o “Cão Tarado”, de Sandro Schmidt, e para o extinto “Os Monstrinhos do Rio Cachoeira”, de Poerner e Rockenbach.
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– Sempre fui fã do trabalho do Sandro, acho ele perfeito em criar uma ideia, alcançar a expectativa necessária no segundo quadrinho e ter um clímax inesperado no último quadrinho, e mais que isso, ele consegue criar suas tiras dando sequência a uma história sempre mantendo essa dinâmica a cada tira, como se fossem micro-histórias independentes -, diz.
– Quanto ao livro dos Monstrinhos, era um projeto que há muitos anos eu buscava realizar e só foi possível no formato em que saiu, totalmente colorido, devido a um projeto de pesquisa desenvolvido na Univille.
A ideia de transformar o trabalho, publicado em material descartado no dia seguinte, em um formato mais duradouro para colecionadores não surgiu ao acaso. Nielson, que já acumulou muitas revistinhas dos anos 1980 e 1990 e de ícones brasileiros como Laerte, Angeli, Gonzales, Glauco e Adão Iturrusgarai, hoje recolhe das bancas preferencialmente as obras publicadas em moldes mais arrojados.
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– Tem muito material relançado no formato livro que tenho comprado pela qualidade. As revistas originais de nomes como Laerte, Angeli e Glauco eram num formato maior, em papel jornal, mas com o tempo há o escurecimento do papel -, justifica.
O sonho da gibiteca
– As HQs me conquistaram desde criança. O homem-aranha me fascinava. Mesmo sem saber ler, eu já curtia as imagens, as onomatopeias e as expressões faciais -, conta Humberto Soares, artista de Joinville, que criou seus próprios personagens e dá aulas de produção de desenhos.
Os cursos surgiram depois que Humberto leu as obras de Wil Eisner e Scott MacCloud.
– Descobri que não há só desenhos e roteiros para ensinar. Existe uma linguagem artística, com sua própria gramática -, afirma.
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O contato pessoal com as edições de “Calvin e Haroldo”, “Livros da Magia”, “Mafalda”, “Asterix”, “Chiclete com Banana” e “Piratas do Tietê”, e com os aprendizes de quadrinistas, levaram o artista a fazer mais pela arte sequencial em Joinville. Em 2010, ele montou uma gibiteca na Expoville.
O espaço ficou aberto apenas durante quatro meses, e fechou porque os empresários não quiseram manter a iniciativa. Por enquanto, os 300 exemplares aguardam encaixotados.
– Para uma gibiteca ser municipal, é necessário ter muitas obras, deve ter apoio do órgãos governamentais para ter aquisições mensais de novos títulos que vão surgindo no mercado e funcionários fixos, a exemplo das bibliotecas municipais -, diz.
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Enquanto seu sonho não toma moldes reais, Humberto continua um projeto de pesquisa com o apoio da Univille. O trabalho trata da importância dos gibis nas escolas.
– Mesmo não tendo gibitecas, percebo que as escolas estão com uma imensa vontade de fazer projetos que envolva os quadrinhos -, afirma Humberto.