Imagine você chegar a noite para a primeira aula de um curso técnico, onde em princípio só estariam adultos, e se deparar com um bebê. Isso aconteceu em Santa Catarina, quando um casal em busca de qualificação profissional não desistiu de estudar mesmo com a chegada do filho. O pequeno Noah Rafael entrou no IFSC quando tinha apenas 35 dias e logo ganhou o carinho de toda a turma.
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Ele aparece em uma série de fotos aproveitando o colo das professoras e de colegas de classe. Foi assim ao longo de um ano e agora o menino vai entrar, inclusive, de beca na formatura.
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Os pais do garoto deixaram o Rio Grande do Sul em 2021 para morar em Jaguaruna em busca de mais segurança e abriram um pequeno negócio de serviço de entrega. Formada em marketing digital, Tamara Pereira Albuquerque conta que sentia necessidade de ela e o marido entenderem melhor de logística. Quando as inscrições para o curso abriram no IFSC de Tubarão, ela estava no oitavo mês de gestação.
Poderia ser motivo para o casal não ir estudar naquele momento, mas eles decidiriam que juntos iriam encarrar as aulas diárias.
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— Ficou todo mundo assim: “Nossa, ela veio para a aula com um bebê”. Porque ninguém sabia que ia ter uma criança. Acho que nem o IFSC acreditava que a gente ia levar. Mas ele estava lá — relembra a mãe.
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Uma foto mostra o bebê com um mês e meio de vida nos braços do pai, Cleber Rafael Rodrigues Albuquerque, olhando atentamente para o quadro. Durante os dois semestres em que o curso durou foi assim: mamar, ficar no bebê conforto, um pouco no colo das professoras e também com os colegas de classe dos pais. Não teve quem resistiu ao sorriso encantador do menino.
Tamara diz que o primeiro semestre foi o mais tranquilo. Mesmo com cólicas provocadas por uma alergia à proteína do leite, descoberta apenas quando ele completou quatro meses, Noah Rafael praticamente não chorava na sala de aula. Mas quando aprendeu a engatinhar e começou a interagir, virou a atração. Aliás, uma das coisas que mais gostava era das canetas dos estudantes.
— Ele não incomodou, não chorava, era muito calmo e bonzinho. Isso nos ajudou a fazer as aulas. Parecia que ele sabia que a gente tinha que cumprir aquele papel. Menino guerreiro — fala emocionada.
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Conciliar a maternidade — ela tem duas meninas mais velhas de 9 e 14 anos — com a rotina de estudante foi desafiador. A agora também técnica em Logística garante que só foi possível porque teve o apoio da instituição, que chegou a oferecer o curso na modalidade a distância mas preferiu presencial, e também pelo companheirismo dos colegas, que por vezes entretiveram o bebê para o casal.
A rotina era exaustiva, principalmente no segundo semestre quando voltou a trabalhar com marketing. Tamara diz que era acordar cedo, ir para o serviço, depois enfrentar 20 quilômetros de estrada para chegar ao IFSC na cidade vizinha de onde ela e o marido moram, assistir às aulas, retornar para casa, dar atenção às filhas primogênitas do primeiro casamento e, no outro dia, começar tudo de novo.
— Em alguns momentos nós pensamos em desistir por questões financeiras, por esgotamento. Era uma rotina muito cansativa, não foi fácil. Às vezes levava as meninas junto também e elas ficavam na biblioteca. Chorei no corredor do IFSC. Mas tudo na vida requer sacrifício, tem renúncia, e a gente sabia que seria só por um tempo — desabafa.
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Noah Rafael virou o nome da turma
O apoio dos colegas e da unidade ajudou que Tamara e Rafael conseguissem concluir o curso. A formatura da classe será no começo de setembro e “Noah Rafael” virou o nome da turma, como homenagem ao pequeno e também aos pais, pelo empenho. A mãe conta que a história dela e do marido por vezes serviu de inspiração para outros alunos.
— A gente passou por um friozão e ia para aula, e o pessoal falava: “Se a Tamara vem com o neném, eu não posso faltar”. De alguma maneira as pessoas se sentiam motivadas de ver a gente lá — conta.
Uma colega de curso registrou o dia que Tamara apresentou trabalho com o filho ainda pequenino no colo. Outra foto mostra o casal na frente do quadro, em uma atividade, com o menino nos braços. Agora maior, o mascote mostrava o material na cartolina. O carinho se tornou tamanho, que o pequeno aluno ganhou uniforme e participou das fotos do álbum de formatura.
Em setembro, na colação de grau, vai entrar de beca com os pais.
— O combustível era saber que aquilo era para o bem da nossa família, era exemplo para nossos filhos. Somos espelho para as crianças. Isso era motivador. E o Noah Rafael virar nome da turma nos deixou muito felizes, pois representa o carinho e afeto que a gente recebeu no curso — frisa.
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“Uma grata experiência”
A professora Thaisa Rodrigues sempre foi uma incentivadora do casal. Ela relembra que se questionou como seria dar aula com uma criança ainda tão nova em sala, se conseguiria manter a atenção dos estudantes nos conteúdos. Mas diz que quando cruzou a porta pela primeira vez, além de encontrar um bebê tranquilo, se deparou com uma turma que acolheu o menino de corpo e alma.
— Ficou muito evidente o carinho e a compreensão de todos, além da força de vontade da Tamara e do Cleber, porque os dois cuidavam do Noah. Às vezes se revezavam para fazer as atividades.. Sempre que eu podia eu também aproveitava para dar um cheirinho nele e distrair ele — confidencia.
Ela conta que o menino não atrapalhava e garante que levava mais leveza, mais afeto, roubava risos de todo mundo, era uma criança muito feliz e calma. Revela também que o casal conseguiu acompanhar praticamente 100% das aulas, se revezavam nos cuidados com o filho, a mãe pôde amamentar na sala e quando houve algum imprevisto, tudo foi contornado.
A sensibilidade da professora com a situação, por vezes desgastante para os pais, é expressa em palavras:
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— Nosso papel enquanto docentes é tentar criar um ambiente que promova o desenvolvimento profissional e pessoal dos nossos alunos. E a gente vai tentar acolher, porque o nosso foco não é no estudante trabalhador e sim no trabalhador estudante. Entendemos que os nossos alunos trabalharam o dia todo, estão ali em busca de uma formação para melhorar de vida e precisamos acolher ao máximo.
Para a professora, a presença do menino e a perseverança dos pais, são exemplo.
— Foi uma grata experiência — garante.
Tamara é pé no chão, e faz questão de frisar que o sucesso da aventura só deu certo por causa da rede de apoio que se formou no entorno dela:.
— Com certeza só consegui por causa do IFSC, do meu marido. Não posso vender uma ilusão. Não teria como sair de Jaguaruna para Tubarão, só com o transporte escolar, à noite com um bebê no colo. Sozinha não iria conseguir.
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