– Foi assim… Ela saiu de casa por volta das 23h30. Linda, né, Ana? De vestido branco. Foram ver os fogos, mas não conseguiram chegar à praia. Então ela e os amigos ficaram no posto. Aí chegou o irmão. Por volta de meia-noite e meia, a última palavra que se escutou dela foi ?esse é o melhor ano novo da minha vida?. Ela não lembra disso, mas foi o que falou para a prima. Cinco minutos depois, talvez menos, o meu filho conta que estava a uns cinco metros da irmã quando se assustou com um clarão. Ele viu a irmã no chão. A princípio, achou que ela tinha desmaiado. Foi lá, bateu no rosto dela. Quando olhou para trás da cabeça da Ana, viu o sangue. Ela começou a sangrar pela boca. Ele pôs a mão na boca dela e abriu com força, com a ajuda dos outros rapazes, para ela não sufocar com o sangue. A Ana trancou os dentes, mas ele não tirou o dedo. Meu filho ficou quase um mês sem sentir o dedo.
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Desse jeito, com a voz suave e de mãos dadas com a filha, Rosali da Silva, de 45 anos, conta o que aconteceu na noite de Ano-novo. Foi quando a vida da família começou a mudar. Rosali, Osmar, de 49 anos, e os três irmãos de Ana Paula haviam deixado Guaramirim dias antes para a virada do ano na praia. O destino escolhido foi Itajuba, em Barra Velha, onde os familiares dividiam uma casa.
O dia 31 de dezembro foi até preguiçoso. Ana tomou banhos de mar, de sol, leu um livro grosso. À noite, ela, amigos e primos saíram à rua para olhar os fogos de artifício. O caminho para a praia estava lotado, então pararam num posto de combustíveis.
O show de fogos havia acabado e estava tudo calmo quando um rojão acertou o lado esquerdo da cabeça da moça de 21 anos, em meio à multidão. Outras oito pessoas foram feridas. Ana foi a única que ficou entre a vida e a morte. Doze dias na UTI, outros 16 num quarto de hospital em Joinville. Sobreviveu graças a uma fonte de força difícil de perceber no corpo miúdo, que a faz parecer mais nova do que é.
Dois meses depois, Ana Paula está em casa deitada numa cama hospitalar, com unhas de mãos e pés pintados de esmalte com florezinhas azuis. Está reaprendendo a falar e não anda. Tem dificuldades em mexer o lado direito do corpo. Consegue se comunicar digitando no computador, devagar, com a mão esquerda. Nada no rosto anguloso indica a luta que ela ganhou. Pelos olhos atentos, diz que está presente. Eles mostram que entende as conversas ao seu redor.
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Mas a parte mais reveladora de Ana está nas fotografias penduradas por toda a antiga sala de estar da família. Hoje, o quarto dela. Ana posando na Oktoberfest. Na Schützenfest. Na casa Moinho, em Jaraguá do Sul. Dançando num bailão gaúcho (um dos sonhos dela é fazer um curso para aprender a dançar). Numa pizzaria, no último aniversário, em outubro. Com uma blusa que deixa à mostra a tatuagem de flores na frente do ombro esquerdo, feita há um ano. E sempre cercada de amigos.