É o patriarca Sebastião Ramos, o Tião Cachoeira, quem abre à Agência RBS a casa da família, na mesma Vila Góis onde o bicheiro Carlinhos Cachoeira se criou, em Anápolis.
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Por detrás de uma porta de ferro, guarnecida por um muro de dois metros de altura, cerca elétrica e câmeras de vídeo, ele surge a passos lentos, disposto a defender o filho e dizendo-se pobre mesmo após comandar o jogo ilegal na cidade por mais de meio século.
– Eu banquei o jogo de bicho aqui durante 52 anos. Tinha mais de 1 mil empregados. O senhor sabe o que eu tenho hoje? Um salário mínimo, que eu ganho porque me aposentei por idade. Essa casa aqui não é minha, me deram um quarto para eu dormir.
O imóvel, simples, mas confortável, hoje está no nome dos 13 filhos. Nos últimos tempos, ele morava em um quarto exíguo, sem banheiro, telefone ou frigobar, no Palace, um hotel decrépito do centro de Anápolis, cuja porta de entrada é uma tábua de compensado enjambrada. Enquanto Cachoeira era vizinho de magnatas da soja e cantores sertanejos no Excalibur, prédio de luxo em Goiânia, apenas Lana, uma filha adotiva, visitava Tião no Palace.
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Tião chegou a Goiás nos anos 60
Viciado nas máquinas de caça-níqueis do filho, o ex-contraventor se recusava a pagar o aluguel integral do quarto, no valor de um salário mínimo, embora com frequência um funcionário da família fosse lhe entregar um maço de dinheiro – cena que a Agência RBS presenciou na última quarta-feira, enquanto o entrevistava na sala de casa.
– Ele recebia e na mesma hora ia jogar nas maquininhas – diz um funcionário do hotel. – Foi assim até sair daqui, depois que um neto adolescente morreu eletrocutado na piscina do duplex de um dos filhos – completa.
Natural de Araxá (MG), Tião chegou a Goiás na carona da construção de Brasília, na virada dos anos 1960. De caminhão, transportava cascalho para a construção do aeroporto da futura Capital Federal. A obra terminou, e ele se estabeleceu com a família em Anápolis, onde começou no bicho como apontador de apostas.
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Tião cresceu na hierarquia da contravenção, virou patrão e se separou da mulher, Maria José. Aos poucos foi passando o comando da banca a Cachoeira, a quem legaria também o apelido, oriundo do nome da fazenda em que a família vivia em Minas Gerais. Afastado dos negócios nos últimos 20 anos, ele assistiu de longe o filho enriquecer estendendo a jogatina por todo o Centro-Oeste, abrindo empresas e se aproximando de políticos poderosos.
Aos 88 anos, doente e com visão embaçada pela velhice, Tião reage com vigor inabalável às acusações contra Cachoeira. Reclama da situação vivida pela família, e diz só ter um arrependimento na vida.
– Meus dias têm sido amargos. É o filho que me ajuda, que me dá uma peça de roupa quando eu preciso. Mas não me arrependo de ter bancado jogo. Ajudei muita gente. Só me arrependo de ter jogado. Hoje não jogo mais, não enxergo nada, nem um baralho na minha frente – resigna-se.
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Entrevista – Tião Cachoeira: “Ele não gosta de jogo”
Agência RBS – Como o senhor avalia a situação do seu filho, preso há dois meses?
Tião – Tudo é mentira. Agora estão dizendo que ele estava comprando um partido político. Se vendem, eu quero comprar o PT, uai. Quantos ministros a Dilma pôs para fora? Sete. Tem algum preso? O Carlinhos é quem paga o pato. A corda que matou o Tiradentes foi o Carlinhos que comprou. O revólver que matou Getúlio Vargas foi Carlinhos quem emprestou. A carreta que matou Juscelino Kubitschek, foi o Carlinhos. Tudo é o Carlinhos.
Agência RBS – Então por que ele foi preso?
Tião – Vingança. Isso é perseguição política, porque o Waldomiro (Diniz, ex-assessor de José Dirceu na Casa Civil) queria extorquir o Carlinhos. Ele não cedeu. Carlinhos ganhou a concessão para explorar a loteria. Para entregar, o outro queria R$ 100 mil. Ele pegou e filmou. Eles têm raiva do Carlinhos porque o Dirceu ia ser o presidente da República, no lugar da Dilma. Não foi porque caiu.
Agência RBS – E as escutas da Polícia Federal mostrando as conversas dele com o senador Demóstenes Torres?
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Tião – O Carlinhos é muito brincalhão. A vida dele é brincar com os outros, inclusive com esses deputados, esse povo todo. Algumas coisas foram verdade. Ele deu presente de casamento (um jogo de cozinha importado avaliado em US$ 27 mil), comprou os foguetes para a formatura da mulher dele (de Demóstenes). O que há de mal nisso?
Agência RBS – Ele pagava suborno para políticos e policiais?
Tião – Pagava nada, isso é conversa dos outros, boato. O senhor está perguntando a mim, que sou pai. Mas estou dizendo a verdade. O meu filho é honesto. Pode ter igual, mas mais honesto não tem outro.
Agência RBS – Como ele enriqueceu?
Tião – Ele não enriqueceu.
Agência RBS – Como ele comprou um laboratório de medicamentos?
Tião – Trabalhando.
Agência RBS – Em que ele trabalhava?
Tião – Comprava lotes, terrenos, construía. E ele comprou o laboratório pagando em prestações.
Agência RBS – Mas um laboratório custa caro.
Tião – Não, naquela época não era, não. Ele comprou barato. Muito barato. E nem é mais dele. É da ex-mulher.
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Agência RBS – Ele continua explorando jogos?
Tião – Nada, jogo nenhum. Ele não gosta de jogo. Às vezes, nós vamos para a chácara, brincar, jogar caxeta, ele não vai nem olhar. Ele tinha uma loteria, mas depois saiu. Ele nunca mexeu com isso. Nunca pegou um joguinho.
Agência RBS – Ele defendia a legalização do jogo.
Tião – Sim, defendeu a vida inteira, isso dá emprego para todo mundo. O (ex-presidente Gaspar) Dutra fechou o jogo e botou 4 milhões de pessoas na rua, e o Brasil tinha 46 milhões de habitantes. Hoje tem 200 milhões. Podia ter 20 milhões de brasileiros com carteira assinada. Hoje, tem desembargador, senador, deputado, tudo jogando em Miami.
Agência RBS – Carlinhos vai depor na CPI. Ele está com muita raiva dos políticos?
Tião – Acho que não, ele é amigo de quase todos eles. Ele sempre andou bem relacionado.
Agência RBS – Ele pode acusar alguém na CPI? Falam que é um homem-bomba.
Tião – Não tem isso. Eles é que põem bomba nisso aí.